[REVIEW] Red Dead Redemption 2 – A vanguarda do entretenimento vem dos games!
[REVIEW] Red Dead Redemption 2 – A vanguarda do entretenimento vem dos games!
I’ve been through the desert on a horse with no name…
Red Dead Redemption foi lançado em 2010, tendo a missão de fazer justiça ao legado de excelentes jogos de faroeste como Gun – The Game, Call of Juarez e o próprio Red Dead Revolver, do qual é um sucessor espiritual.
A Resposta da Rockstar na época não poderia ser melhor. Com o jogador controlando John Marston, o game foi um tremendo sucesso e um dos mais importantes lançamentos da sétima geração de consoles.
Isso gerou uma expectativa trivial em torno do anuncio de Red Dead Redemption 2, que aconteceu em 2016. Se passando alguns anos antes do primeiro jogo e contando com Arthur Morgan, um antigo membro da gangue Van der Linde, como protagonista. O game foi lançado em 26 de outubro deste ano para Xbox One e PlayStation 4 e você pode conferir o que achamos a seguir.
Esta análise foi feita com base no desempenho do jogo em um PlayStation 4 Pro.
Imagens: Divulgação
Meu primeiro contato com o gênero western foi ainda criança. Cresci em um ambiente decorado com pilhas e pilhas de histórias em quadrinhos da Sergio Bonelli Editore. Não preciso me esforçar muito para ser levado novamente para aquele cenário onde ficava estirado no chão do quarto do meu pai rabiscando seus gibis do Tex, série da qual ele é um colecionador assíduo.
Lembro-me bem de todos os lugares que minha imaginação me levava ao passar as páginas daquelas histórias. Eu mal sabia ler, mas foi ali que nasceu uma paixão por arte, cavalos, povos nativos e a carga cultural carregada por esse período popularmente conhecido como Velho Oeste, algo que alimento até hoje.
A cultura pop abraçou com força a ficção sobre a expansão continental dos Estados Unidos, mesmo que tivesse que inventar uma realidade alternativa. No fim, a imprecisão histórica se tornou apenas um detalhe, possibilitando uma exploração hostil do oeste norte americano, trazendo consigo uma jornada cheia de heróis e vilões, dentro de um mundo de conquistas, sangue, descobertas e redenção.
Nas duas décadas passadas desde a época em que ainda era um aspirante a cowboy, pude mergulhar de fato nos westerns, experimentando as mais diversas mídias por onde essas histórias são contadas.
Contudo, em meio a tantos personagens, foi John Marston quem mais me fascinou. O protagonista do primeiro Red Dead Redemption está longe de ser um herói. Marston era uma figura falha obrigada a lidar com seu passado criminoso em nome da lei. Talvez tenham sido os erros do personagem que me conquistaram, talvez sua busca por fazer a coisa certa, é difícil dizer.
Em 1899, a América já havia sido domada, levando os famigerados foras-da-lei ao ostracismo, era um estilo de vida que não conseguiria ser sustentado no mundo industrializado. Red Dead Redemption 2 nos leva novamente para o declínio do oeste selvagem, desta vez, colocando o chapéu de Arthur Morgan, um típico caipira que não conhece outra vida se não a de bandido, um homem duro, porém cheio de emoções. Arthur é um fiel membro da gangue Van der Linde, com a qual vem passando por momentos difíceis e é através de seus olhos que presenciamos um novo mundo, no qual homens como ele já não são mais aceitos. Nosso protagonista é uma figura cansado e triste, que compreende a chegada da civilização, mas reluta em aceitá-la devido a sua lealdade a Dutch, o líder do grupo.
Depois de um assalto desastroso em Blackwater, a gangue perdeu vários membros e foi obrigada a se esconder nas montanhas geladas de West Elizabeth. Sem dinheiro e com suas cabeças a prêmio, os Van der Linde precisam executar uma série de golpes para se adaptarem a um mundo que não mais os idólatra e conseguir, de uma vez por todas, a sua independência em uma terra de leis.
Red Dead Redemption 2 possui um mapa amplo e completamente explorável e interativo. Apesar do início monótono e dos tutoriais um tanto confusos, logo o mundo aberto do game é apresentado.
Ao guiar a carroça acompanhado por Hosea, fui acometido por um espanto genuíno e o questionamento de como algo virtual pode ser tão vivo e real ficou em minha cabeça. Havia rastros do meu cavalo no caminho para o novo acampamento, marcas deixadas pelas rodas da carroça na lama gerada pelo derretimento da neve que vinha dos picos. O vento soprava carregando a poeira e o gameplay era afetado por cada pequeno detalhe daquele mundo, indo desde a iluminação opaca da bruma ao amanhecer, até temerosas tempestades.
A riqueza é tão grande, que não surpreende o fato de horas e mais horas serem gastas na exploração da fauna e flora, caçando animais lendários ou apenas visitando novas localidades.
A princípio, Red Dead Redemption 2 pode assustar por sua história extensa e o início confuso, mas assim que todo o mapa é liberado, surge a percepção de que não se trata apenas de uma aventura pelo oeste, mas sim de uma vida como Arthur Morgan. Vida esta, que me forneceu alguns momentos de crise de identidade devido à tamanha liberdade.
As missões principais são cruciais para o desenvolvimento da narrativa, afinal, se trata de um prelúdio, a gente sabe como termina, mas é a jornada, definida pelo jogador, e as revelações sobre o passado da gangue Van der Linde que tornam o fim de tudo isso tão interessante.
Basicamente, o jogador pode customizar Arthur, definindo as roupas e os cortes de cabelo e barba que ele vai adotar. Há também um medidor de peso, que indica quando o personagem precisa comer ou dormir. Caso nada seja feito nesse sentido, Arthur vai se deteriorando cada vez mais rápido, perdendo vida e energia.
A imersão vai ainda mais além. Em Red Dead Redemption 2, a Rockstar desenvolveu o mais vivido mundo aberto já criado para um game. Em minhas andanças pelo mapa, encontrei pessoas que precisavam de ajuda, conheci suas histórias e me emocionei em diversos momentos. Há racismo, preconceitos, misoginia e as vítimas não são apenas seus aliados. O jogo consegue levantar essas questões tanto de maneira explícita quanto nas entrelinhas, seja ao ajudar um grupo de mulheres lutando pelo direito de votar ou quebrando a cara de um membro da Ku Klux Klan. Muito disso nem é fruto de missões secundárias, apenas estranhos que necessitavam de auxílio e que eu decidi não ignorar, mesmo que pudesse.
A trilha sonora novamente composta Woody Jackson, desta vez acompanhado por Daniel Lanois, captura toda a atmosfera de cada capítulo.
A dupla soube equilibrar as canções de modo que seu gameplay seja induzido a um desenvolvimento mais calmo ou frenético. Notas agudas e tensas acompanhadas de percussão fazem a atenção do jogador se voltar aos perigos que o espreitam, enquanto o clima de relaxamento é propiciado através do som ambiente, cantar de pássaros e notas em escalas serenas.
Longe do caos da civilização, as composições são menos regradas, notas soltas em um único acorde, sem a presença de movimentação harmônica, apenas alternância melódica. Menos regras sonoras são traduzidas em mais liberdade de comportamento para Arthur.
Ao entrar em uma cidade como Saint Denis, por exemplo, esse cenário muda completamente. Fazer parte do mundo industrializado e da civilização impõe ao personagem regras de convivência, o que reflete em canções mais elaboradas e dentro de campos harmônicos, com mais acordes e maior movimentação, contrapondo a solidão das florestas. Há regras dentro das musicas, há regras para Arthur.
Ainda assim, a violência do século 19 está muito presente no jogo. Basta um mal entendido para que um tiroteio se inicie e o caos se instaure nas pequenas cidades, isso torna necessário que o jogador tome cuidado com suas ações e preste atenção nos calos onde vai pisar.
Ao contrário do primeiro jogo, o protagonista não carrega todo o arsenal bélico em seu corpo. Muitas armas ficam acopladas na sela do cavalo e Arthur leva consigo apenas o que consegue carregar. Geralmente isso inclui duas armas curtas e duas armas de longo alcance.
Arthur pode amenizar ou provocar discussões, depende apenas que o jogador decida qual caminho quer tomar, levando ao início de amizades ou a descoberta de novas rivalidades.
E falando em relacionamentos, a gangue Van der Linde tem um enorme destaque. Cada membro é autêntico e possui seus próprios interesses. É gratificante ver como eles se comportam e reagem às suas ações, faça favores e interaja com seus colegas e será recompensado ou seja ausente e plante a semente da desconfiança no coração dos outros membros. Essas interações permitem que você entenda como cada um dos alvos de John Marston no primeiro jogo era antes da separação da gangue -- e o quanto o próprio John era intragável em sua vida criminosa.
É no convívio com os Van der Linde que você descobre informações sobre a gangue e ouve histórias dos gloriosos dias de foras-da-lei. Dance, beba, cante, divirta-se ou vá cuidar de seus próprios assuntos, é uma decisão sua. Porém, deixar os companheiros à deriva vai ocasionar no desaparecimento de missões, inclusive da própria história, que poderiam lhe ser úteis de alguma maneira.
Um jogo do tamanho de Red Dead Redemption 2, contudo, não é imune à falhas. São vários os momentos em que o cavalo simplesmente não segue o comando e dá de cara com uma árvore, ou personagens que aparecem presos em seus moldes mesmo depois do início da missão, sendo necessário reiniciar o checkpoint. Também presenciei casos em que IA travava e os personagens não reagiam ou se teletransportavam sabe-se lá pra onde.
Outro ponto que me incomodou foi referente à ordem das missões. Não há indicativos do que deve ser feito primeiro ou por quanto tempo uma sidequest estará disponível antes de desaparecer para sempre. Algo que, ao meu ver, exclui parte da experiência.
Após mais de 80 horas acompanhando a jornada de Arthur Morgan e os últimos anos da Gangue de Dutch Van der Linde, a sensação é de que aquilo foi uma parte de mim. Red Dead Redemption 2 é o que há de mais intenso e inovador na eterna evolução dos games, seja pela história vivenciada ou pelo gameplay envolvente. Depois de estar nas botas de John Marston e agora de Arthur Morgan, sinto que o verdadeiro protagonista de Red Dead Redemption 2 fui eu, Afinal, foram minhas decisões, meu jeito de interagir com os npcs e minha visão daquele universo que selaram meu o destino.
O que foi feito neste jogo servirá de referência para tudo que vier pela frente, não apenas no ramo dos games, mas em todos os aspectos narrativos. Estamos diante de uma vanguarda do entretenimento que ultrapassa qualquer limite de mídia.
Nota: 5/5