Os filmes da Marvel não são exatamente conhecidos por carregarem a assinatura de seus diretores. Há um pouco de variação entre eles, claro, mas no geral o MCU é a obra de Kevin Feige, pensada para ser consistente e contínua. Na Fase 4, porém, o estúdio visivelmente quer ampliar seus horizontes.

Após Chloé Zhao entregar um épico com Eternos, é a vez de Sam Raimi trazer o seu estilo para o Universo Marvel. Desde sua estreia com Evil Dead (1980), o cineasta desenvolveu uma linguagem própria que transita entre o horror e a comédia pastelão, sempre com visuais ousados e cortes dinâmicos. Foi sua direção que consagrou a trilogia do Homem-Aranha no começo dos anos 2000, ajudando a iniciar a tendência de filmes de herói. Seu retorno é como o fechamento de um ciclo.

Resta saber como o estilo autoral de Sam Raimi lidará com o controle de Kevin Feige (mais sobre isso abaixo). Mas, analisando a carreira do diretor e julgando pelos trailers de Multiverso da Loucura, uma coisa é certa: é impossível descaracterizar um filme de Sam Raimi. Sua assinatura pode até ficar um pouco ofuscada, mas com certeza estará lá.

É bom tocar nos dois lados da moeda. Ao mesmo tempo que é ótimo que Sam Raimi esteja de volta à direção de um filme de herói, é preciso encarar uma verdade: o MCU não é exatamente receptivo aos diretores autorais.

Quem se consagrou por trás das câmeras, como os Irmãos Russo e Taika Waititi, chegaram na Marvel ainda em fases iniciais de suas carreiras. O mesmo pode ser dito de James Gunn, o nome mais autoral do MCU e que já tinha certa experiência quando entrou para o estúdio, mas muito do que conseguiu emplacar se deu pelo fato de que Guardiões da Galáxia era uma tela em branco, sem nenhuma expectativa do público ou personagens conhecidos.

Sam Raimi já tem mais de quatro décadas de experiência como diretor, e frequentemente se posicionou contra interferências do estúdio e produtores. Inclusive, foi isso que o fez sair dos filmes de herói, após as várias exigências de Avi Arad transformarem Homem-Aranha 3 (2007) na bagunça que chegou aos cinemas. Com o tempo, Raimi se afastou da direção e passou a trabalhar como produtor em uma porrada de filmes de terror, o que pode ter lhe dado um pouco mais de cabeça para lidar com demandas de cima.

O fato de que o filme já está praticamente pronto ajuda a aliviar essa preocupação, já que impede a situação de se tornar um caso que nem o de Edgar Wright (Trilogia Cornetto), cujas diferenças criativas foram tão grandes que ele teve de sair da direção de Homem-Formiga. Apenas assistindo ao filme que descobriremos se Multiverso da Loucura é uma obra de Sam Raimi ou de Kevin Feige.

Homem-Aranha: Sem Volta para Casa é um ponto de virada para todo o Universo Cinematográfico da Marvel. Tal qual um contato alienígena, ficou claro que eles não estão sozinhos. Se há uma infinidade de realidades paralelas, elas serão exploradas em Doutor Estranho 2.

O Mago Supremo é a pessoa certa para transitar entre os muitos universos, demonstrando ao público o potencial que a Marvel Studios agora pode atingir nos cinemas. Isso significa não só resgatar personagens de outras adaptações de HQs da casa, como o Professor Xavier de Patrick Stewart.

Se o estúdio quer mostrar que não está de brincadeira com o conceito de Multiverso, e continuar o clima começado em Sem Volta para Casa, agora é a hora.

Homem-Aranha: Sem Volta para Casa é um ponto de virada para todo o Universo Cinematográfico da Marvel - talvez para pior? Desde Vingadores: Ultimato, há grandes expectativas para todo filme do estúdio, e cada vez mais é preciso pensar em formas de extrair o máximo das reações emocionadas no cinema. Multiverso da Loucura pode ser o primeiro filme da casa a deixar claro essa pressão.

Já está praticamente confirmada a aparição de Patrick Stewart como Professor Xavier no longa, e ele deve vir acompanhado dos outros Illuminati. Ou seja: não só o filme vai apresentar um Mutante, abrindo as portas para os X-Men, como também deve trazer a introdução do Senhor Fantástico, do vindouro filme do Quarteto Fantástico.

Além disso, espera-se que o filme também mostre o chamado Homem de Ferro Superior, que deve ser vivido por Tom Cruise - em uma alusão ao ator quase ter virado o Tony Stark antes de Robert Downey Jr. imortalizar o papel. Por indicações de trailers e do pôster, os personagens de What If…? também devem dar as caras, como a versão zumbi do Doutor Estranho, e a Capitã Carter.

Com tanta gente, há um grande risco do filme se tornar uma bagunça desconjuntada. Claro que ainda será muito emocionante ver tantos rostos novos de uma vez no cinema, mas é um pouco decepcionante imaginar o MCU se tornando um grande jogo coletivo de “Quem é quem” como recurso para manter a atenção do público. Os próprios fãs tem que cobrar mais e não se contentar só com o fanservice barato.

Mesmo regrado pela consistência e padronização, o Universo Cinematográfico da Marvel explora diferentes gêneros do cinema. Ao longo desses 14 anos, as obras flertaram com a ficção científica, comédia besteirol, thriller de espionagem, entre outros. Na lista, há ausência notável de um filme de terror.

Não que seja por falta de tentativa. Scott Derrickson, que dirigiu o primeiro filme do Doutor Estranho, queria fazer algo mais sombrio na época (não conseguiu), e planejou Multiverso da Loucura para ser “o primeiro filme de terror do MCU”, em suas próprias palavras. Ele deixou o projeto, que caiu nas mãos de Sam Raimi - cuja carreira foi definida pela trilogia Evil Dead, um dos maiores clássicos do horror. Inclusive, Kevin Feige já lançou que especialmente os fãs de Evil Dead 2 (1987) - conhecido por seu humor sombrio e momentos absurdos - vão adorar o novo filme do Mago Supremo.

O primeiro trailer já dá um gostinho de uma atmosfera mais macabra, acentuando o quão anormal é a situação em que o Doutor Estranho se meteu. Há ainda criaturas bizarras, e uma versão aterrorizante de Wanda Maximoff em um dos trailers alternativos, portanto é possível acreditar que, no pior dos casos, será um filme de herói com fundinho de desgraceira.

Wanda Maximoff demorou para realmente ganhar o destaque que merecia dentro do MCU. Mesmo de escanteio, a personagem apenas sofria perda atrás de perda, mas havia pouco espaço para desenvolver o que isso significava para ela. Esse espaço só veio em 2021, com WandaVision, em que ela confronta o próprio luto, encontra o seu potencial e assume o manto de Feiticeira Escarlate de uma vez por todas.

Ao que tudo indica, a Feiticeira Escarlate será a vilã de Multiverso da Loucura, e baterá cabeças com o Doutor Estranho pouco após um curto período de colaboração. Por mais que muitos elementos sejam tirados de HQs como Dinastia M, é um pouco decepcionante imaginar a personagem sendo tratada como uma vilã louca logo agora que encontrou seu verdadeiro poder. Claro que o filme pode lhe dar uma redenção, ou mesmo não levá-la ao papel de antagonista, mas se os vazamentos estiverem corretos, é difícil ver um futuro para a Feiticeira Escarlate como heroína no MCU.

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura chega aos cinemas brasileiros em 5 de maio.

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