[CRÍTICA] Mãe! – Religiosamente enigmático!
[CRÍTICA] Mãe! – Religiosamente enigmático!
Darren Aronofsky surpreende com seu trabalho mais emblemático!
Após ter conquistado uma legião de adoradores com Cisne Negro e Réquiem Para um Sonho – e outros não tão fãs assim graças a filmes como Noé -, o conceituado cineasta Darren Aronofsky volta às telas com Mãe!, sua obra mais recente, que tem dado o que falar no mundo todo. Nós vimos o filme – que está sendo considerado desde revolucionário a ofensivo – e aqui está nosso parecer geral sobre essa obra enigmática!
Créditos: Divulgação (Paramount Pictures)
Ficha Técnica
Título: Mãe! (Mother!)
Ano: 2017
Lançamento: 21 de setembro (Brasil)
Direção: Darren Aronofsky
Classificação: 16 anos
Duração: 121 minutos
Sinopse: O relacionamento de um casal é posto à prova quando convidados inesperados chegam à sua casa isolada, infernizando sua tranquila existência.
Mãe! - Religiosamente enigmático
Tentar definir o enredo de Mãe! através de poucas linhas é como tentar capturar toda a essência da própria Bíblia Sagrada em pouco menos de dez minutos. O filme foi anunciado há algum tempo, mas sua campanha de marketing começou muito tardiamente, tendo seu primeiro trailer divulgado há pouco mais de um mês, apenas.
E, embora o material de divulgação tente vendê-lo como um filme de terror ou suspense psicológico, o novo longa de Darren Aronofksy sai pela tangente desses e de quaisquer outros gêneros cinematográficos cabíveis. Trata-se de um filme único e sem comparativos estilísticos e narrativos. E estranho. Muito estranho.
Apenas para guiar rapidamente o leitor mais curioso pela trama do filme, tudo começa com um casal protagonizado por Jennifer Lawrence e Javier Bardem. Eles vivem isolados em uma casa afastada e possuem uma vida tranquila até a chegada de Ed Harris e Michelle Pfeiffer, que trazem consigo fortes reviravoltas para a convivência dos dois.
Aos poucos, a vida da personagem interpretada por Lawrence começa a desmoronar, enquanto ela entra em um transe psicológico e traumático provocado pela intrusividade dos recém-chegados. Enquanto o personagem de Bardem parece indiferente aos acontecimentos causados na vida de sua esposa.
Não há algo que os críticos odeiem mais que comentários do tipo "é preciso ver e formar sua opinião própria e não se guiar por críticas alheias" - como se já não fosse vergonhosamente óbvio. Contudo, Mãe! é o tipo de filme que não irá desencadear qualquer outra reação, mesmo vindo de um crítico de cinema.
Sua trama é tão complexa e abstrata, que qualquer pessoa que veja terá opiniões muito contraditórias e marcantes a respeito da história. E caso ela ame ou odeie, terá total direito e legitimação para ambos. Não é à toa que o filme está sendo considerado uma obra-prima por alguns, enquanto outros o veem como um trabalho ofensivo e de extremo mau-gosto. E nenhum dos lados está "errado" em sua análise.
Partindo de pontos puramente técnicos, Mãe! é um evidente trabalho bem dirigido e bem encenado. As performances de todos os atores envolvidos, principalmente Jennifer Lawrence e Michelle Pfeiffer são excepcionais, carregando um ar (propositalmente) desumanizado aos seus personagens, o que ajuda a preencher a aura esotérica e simbólica do longa.
Não menos talentoso é o olhar do diretor. Aronofsky abusa conscientemente de close-ins (câmeras focadas estritamente nos rostos) e over-the-shoulders (enquadramentos que pegam por trás dos ombros dos personagens), o que faz com que crie-se uma sensação alarmante de claustrofobia e terror doméstico.
Claustrofobia aliás, que é representada de forma emblemática pelo filme. A decisão de ter apenas um cenário - a casa isolada do casal -, cria uma profundidade assustadora ao thriller emocional e também tem sucesso ao trazer a própria casa como um personagem (literalmente) vivo e pulsante, dando uma dimensão quase que sobrenatural à história.
Isso, aliado à algumas decisões narrativas do roteiro, traz paralelos com outro filme que foi homenageado pela campanha de marketing do longa: há pequenas referências e ligações com O Bebê de Rosemary, deixados no caminho para quem quiser ver.
Em termos de sua dimensão alegórica, o filme pode se provar um grande desafio ao público mais acostumado com histórias simples e narrativas de blockbuster. O diretor solta pistas, mas não tenta fazer explicações óbvias de Mãe!, de modo que é um pouco difícil até mesmo entrar na história da trama, a princípio.
Isso pode causar uma estranheza ocasional entre o espectador. Particularmente, só consegui realmente entender a mensagem passada por Aronofsky a partir da metade do filme, quando todas as peças começaram a se encaixar de forma implícita. E por conta disso, é um filme que pode ser detestado por não ter uma "lógica óbvia".
E toda essa estranheza é guardada em uma embalagem singular. O filme possui um visual próprio bem peculiar, que inclui um filtro "envelhecido" na imagem, trazendo um efeito ainda maior por ter sido filmado em película. Além disso, destaque para o trabalho de 3D sonoro do filme, que funciona perfeitamente para desnortear o espectador.
Outras decisões estéticas são dignas de aplausos, especialmente a direção de arte e a ausência de trilha sonora, que ajudam a compor um aspecto "realista" dentro do abstratismo do enredo. Mais do que tudo, Darren Aronofsky se prova um cineasta capaz de traçar uma mescla perfeita entre estilo e substância.
Aliás, é bom ver que o diretor consegue voltar à sua maré de filmes simbólicos. Mesmo após o controverso Noé, Aronofsky conseguiu trazer uma trama que lida com as idiossincrasias dos espectadores de forma sinestésica. Por conta disso, Mãe! é um filme que se sente muito mais do que se entende.
E ainda assim, Darren não perdeu o costume de traçar analogias muito bem amarradas. Mesmo considerando a temática do longa, ainda é de se espantar ver um acidente envolvendo uma pia se transformar em uma metáfora do tirânico dilúvio bíblico. Da mesma forma, prepare-se para ficar chocado com cenas visualmente gráficas e desconfortáveis, que de fato podem soar ofensivas.
Por essas e outras, Mãe! é um filme compreensivelmente divisivo. Não entre esperando uma obra fácil ou auto-explicativa, pois assim como o diabo, sua influência está nos detalhes. Quem optar por embarcar na jornada visual de Aronofsky vai ser jogado de vez em uma narrativa que corre como um trem-bala e não espera pelos atrasados.
E independente do resultado final, na cabeça do público, o cineasta conseguiu o que queria: trouxe um filme instigante, que vai martelar na cabeça de quem o assistiu por um bom tempo. Um longa aberto para debates e discussões que enriquecem sua narrativa em vez de desgastá-la. E, na opinião deste que vos fala, uma das obras-primas de sua carreira.
NOTA: 5/5