[Crítica] Hellboy – O Inferno são os outros!
[Crítica] Hellboy – O Inferno são os outros!
Novo Hellboy é um acidente perfeito.
Hellboy retorna aos cinemas na tentativa de reinventar a franquia, desta vez com a promessa de ser mais fiel ao material-fonte dos quadrinhos. O resultado é… bem, confira nossa crítica para entender melhor qual é a desse resultado.
Se as primeiras adaptações de Hellboy assinadas por Guillermo Del Toro possuíam um forte teor fantástico e imaginativo, o novo filme do Vermelho - desta vez sob o comando de Neil Marshall - é extremamente vulgar.
O filme abre com a cena de um cadáver em preto-e-branco, não demorando muito para a narração do ator Ian McShane largar o primeiro “fuck” da narrativa e deixar claro, de maneira um tanto infantil, que este é um longa para maiores.
A sequência de abertura então dita perfeitamente o tom do que está por vir.
Nela (a sequência de abertura), temos atuações afetadas comprometidas ainda mais por um visual dividido entre elegância prática e maquiagem digital.
Quando o logo de Hellboy aparece flamejante na tela para te lembrar o filme que você está assistindo, é hora de afundar na cadeira do cinema e apertar os cintos de segurança imaginários. Será uma viagem turbulenta.
A trama de Hellboy é simples e convoluta ao mesmo tempo.
Feiticeira do mal está prestes a reencarnar para tocar reinado de terror, protagonistas devem impedi-la.
Fãs dos quadrinhos irão reconhecer as peças dispostas no tabuleiro e sacar várias referências que serão mastigadas para o público alheio ao material-fonte. E isso nos leva aos problemas de exposição.
Hellboy conta com muitos diálogos inchados que servem para explicar coisas e dar algum sentido à sequência de eventos maníaca (acho que esse é adjetivo perfeito para o que vemos na tela) que se desenrola.
É um filme com defeitos (partindo de uma perspectiva lógica de crítica cinematográfica) gritantes como: atuações canastronas, cenas de vulgaridade incisiva com muita violência gratuita e diálogos exageradamente expositivos.
A montagem é completamente alucinada e existe uma pluralidade de tons/cores que ambos fotografia e narrativa tentam abraçar, desaguando em algo absolutamente maluco que não te permite se aborrecer por um segundo sequer.
Neste sentido, deixando de lado falhas narrativas e vulgaridades excessivas aliadas a efeitos especiais pontualmente um tanto duvidosos, Hellboy é um filme que jamais falha em entreter. Seja pelo quão absurdo e bizarro é o que está em tela ou por alguma cena de ação estimulante e enérgica.
Algumas cenas são muito inventivas, embaladas por grande vigor e distinção visual. Tudo isso deixa muito claro as boas intenções da equipe de produção.
Alguns dos flashbacks do filme possuem fotografia própria. Um em particular lembra os antigos filmes da Hammer Studios, com uma densa atmosfera gótica. Outro parece uma aventura nostálgica, onde um justiceiro desfere tiros em nazistas pitorescos.
É complicado se ver na situação de tecer um texto acerca de algo cujo senso comum dos críticos de cinema seja: massacrar.
Isso faz com que eu me sinta estranho por querer re-assistir o filme e cultivar no fundo da minha cabeça ingênua o pensamento de que daqui há algum tempo, algumas pessoas meio excêntricas vão olhar pra trás e dizer “Nossa, o Hellboy de 2019 é incrível num sentido muito torto.”
Dizem que o filme pode ter sofrido durante sua concepção, que o resultado final foi vitimado por intenções executivas e desavenças criativas. Talvez, essa tenha sido a receita para criar em Hellboy (2019) o desastre perfeito - executivos cínicos e mentes criativas afiadas. É bizarro que um filme desses exista no grande circuito comercial e esse tipo de coisa genuinamente me fascina.
A atmosfera hora pulp hora sombria dos quadrinhos de Mignola (criador do Hellboy) está aqui. Mas diferente do material-fonte, a obra não sabe caminhar entre tais âmbitos de maneira sutil. O que se desenrola em páginas e páginas das HQs é comprimido à uma cena de minutos aqui.
A impressão é que o roteiro está numa pressa alucinada, sempre tentando correr e fazendo alguns polichinelos no processo. Às vezes dando uma pirueta.
E você não tira os olhos da tela.
Bruxas, vampiros luchadores, médiuns que vomitam fantasmas ectoplásmicos, jaguaromens (tipo um lobisomem, só que com um jaguar ao invés do lobo), vigilantes anti-nazistas e até o mago Merlim das lendas Arturianas; tudo isso está salpicado na trama de Hellboy, que te leva numa montanha-russa de momentos duvidosamente costurados mas que não falham em erguer uma sobrancelha - pelo bem ou pelo mal.
É melhor que os filmes de Del Toro? É certamente diferente.
É fácil odiar este novo Hellboy. Parece que ele ocupa o lugar de um terceiro filme assinado por Del Toro, o que incomoda muitos órfãos daquelas obras (este redator incluso).
Acho que fica mais fácil se a gente encarar esse novo longa não como um usurpador, mas sim como uma substituição inevitável. Não é como se Del Toro estivesse inclinado em fazer o terceiro filme atualmente, de qualquer maneira. A vida é como ela é.
Dizem que os piores filmes são aqueles que angariam notas regulares de críticos e arrancam reações mornas da plateia, pois estão fadados a serem esquecidos rapidamente.
Um filme ruim fica com você, paradoxalmente tornando-o mais interessante do que um filme mediano.
Levando em conta os Rotten Tomatoes e Metacritics da vida, Hellboy (2019) é, por tal métrica, um filme ruim. Ainda assim, eu não vou me esquecer dele por um bom tempo, seja lá o que isso queira dizer. Eu nem odiei o que eu assisti, só fiquei surpreso mesmo.
Eu não me sinto bem inclinado em dar uma nota. Quatro estrelas diria que o filme é ótimo e talvez ele seja. Três estrelas relega o filme ao limbo do esquecimento genérico e isso ele não merece. Uma ou duas estrelas seria simplesmente descartá-lo como desinteressante e atroz, o que talvez ele também seja dependendo da sua sensibilidade como espectador.
Filmes como Quarteto Fantástico (2015) aborrecem. Fazem você se sentir medíocre sentado na cadeira do cinema por assistir algo tão incrivelmente sem sal. É injusto colocar Hellboy (2019) no mesmo saco que tais projetos.
Nota?
Hellboy me fez sair do cinema contente, contente por ter me divertido com o simples fato de um filme tão minuciosamente trabalhado dispôr de um tom tão bizarro que tenta homenagear quadrinhos e filmes de horror acertando pontualmente enquanto tropeça em suas próprias aspirações desesperadas.
Enquanto isso, o lado mais crítico do meu consciente vomitava verborrágicamente as falhas, defeitos e incongruências da coisa toda: atuações canastras, fotografia inconsistente, roteiro duvidoso, turbilhão de diálogos expositivos.
Mas querem saber? [Spoilers amenos a seguir]
Quando o agente da B.R.P.D. vira um jaguaromem e se junta ao Hellboy para ambos descerem a porrada num porco gigante no interior de uma capela enquanto umas guitarrinhas safadas se fazem ouvir reverberantes na trilha-sonora do filme, eu estava me divertindo. Eu me diverti.
Todo o texto até agora culmina para uma conclusão pessoal minha de que talvez eu tenha encontrado um novo guilty-pleasure em Hellboy (2019).
E pode ser que sim. Se você for assistir eu espero que você se divirta. Mas se achar horrível tá tudo bem também, filmes tendem a gerar discussões.
Como eu tenho que deixar uma nota para um filme que eu entendo perfeitamente quem odeia mas que eu particularmente gostei - diria até que adorei - vou cravar 3,5. É uma nota um tanto dúbia, que sai da mediocridade genérica de um 3 para, quem sabe, a excelência de um 4 - ainda que não chegue bem lá. Vocês decidem.