[CRÍTICA] Fragmentado – O Diabo nos detalhes!
[CRÍTICA] Fragmentado – O Diabo nos detalhes!
Depois de anos de duras críticas por suas obras mais recentes, M. Night Shyamalan volta às suas origens com grande estilo em Fragmentado, thriller psicológico protagonizado com primor por James McAvoy.
Ficha Técnica
Título: Fragmentado (Split) Ano: 2017 Estreia: 23 de Março de 2017 (Brasil) Direção: M. Night Shyamalan Classificação: 14 Anos Duração: 117 minutos
Sinopse: Quando três garotas são sequestradas por um homem com 23 personalidades distintas, elas devem encontrar uma forma de fugir antes que a terrível 24ª venha à tona.
Fragmentado - O diabo nos detalhes
Três adolescentes estão em um carro, esperando o pai de uma delas para voltarem para suas casas. De repente, um homem estranho entra no carro e as sequestra, levando-as para um local isolado do mundo exterior. E assim começa Fragmentado, o mais novo filme de M. Night Shyamalan, após o pouco comentado A Visita, que já havia dado aos fãs do cineasta um gostinho do retorno do diretor aos thrillers e suspenses.
A história aqui poderia ser apenas mais uma sobre vítimas em cativeiro, mas tudo acaba mudando quando descobrimos que Kevin - interpretado por James McAvoy - sofre de Transtorno Dissociativo de Identidade e possui vinte e três personalidades alojadas em seu corpo, algumas em conflito com outras, que acreditam no surgimento da Fera, a pavorosa 24ª identidade.
É aqui que começa a luta de Casey, Claire e Marcia (respectivamente, Anya Taylor-Joy, Haley Lu Richardson e Jessica Sula para tentarem escapar do cativeiro, enquanto são constantemente aterrorizadas por Dennis, Patricia e Hedwig, três das personalidades distintas de Kevin, que prenunciam a chegada da Fera e preparam um ritual para ela.
Enquanto isso, em seus momentos de sanidade, Barry - a personalidade "líder" de Kevin, busca ajuda com a Dra. Karen Fletcher (Betty Buckley), uma psiquiatra especializada em casos de Transtorno Dissociativo de Identidade. Logo, ela também se torna parte da conspiração comandada por Dennis.
Em poucas palavras, Fragmentado é um thriller psicológico que aproveita os melhores pontos de seu gênero. Há uma preocupação clara em se construir um roteiro que caminha entre a tensão e o terror, mas o cuidado é ainda maior na hora de fazer com que o filme não acabe pendendo demais para nenhum dos lados.
Isso gera um aspecto único, embora o público deva acabar se sentindo incomodado pela falta de uma atmosfera de horror maior. Porém, como outros filmes de Shyamalan, como O Sexto Sentido e A Vila, a intenção é justamente essa: o diabo está nos detalhes e é justamente neles que crescem os aspectos mais horrendos do longa-metragem.
O grande destaque do filme, que pode ser visto já de cara nos trailers e no material promocional, é a gama da atuação de James McAvoy. O ator não perde tempo em dar vida a algumas das 23 personalidades, criando personagens distintos e divergentes nas suas nuances.
O ator não cansa de dar um show de versatilidade, conseguindo recriar as várias personalidades de Kevin através de detalhes mínimos, como o olhar ou contrações faciais e maneirismos de fala. Mesmo que a trama fosse ruim, o trabalho do ator escocês compensaria para criar um filme rico em sutilezas narrativas através de seu personagem "principal".
Porém, McAvoy não é o único a entregar uma atuação digna de aplausos. Servindo como "olho do público" e heroína da história, Anya Taylor-Joy, recém-saída do excelente A Bruxa, a atriz transmite um senso de horror contido, tentando manter-se sóbria em meio à devastadora situação em que se encontra ao lado de suas colegas.
Aos poucos, Casey vai ganhando profundidade emocional, e embora isso seja feito pela saída mais "fácil" - o uso de flashbacks -, acaba contribuindo de forma positiva para a história. No entanto, a montagem das sequências às vezes acaba sendo um pouco atrapalhada pela inclusão de uma cena ou outra sobre a infância da menina e suas lições de caça, com seu pai e seu tio.
Em seu décimo segundo trabalho como diretor, M. Night Shyamalan retorna às origens do que o fez ficar conhecido na cena hollywoodiana: o suspense psicológico. A direção do filme se prova uma das obras mais bem arquitetadas do artista, com planos que "puxam" o espectador para a tela e tornam a sensação de realismo ainda maior.
Além disso, volto a dizer que o cuidado com os detalhes, aqui, é imenso. Basta notar, na composição da cinematografia, como os vários closes acabam escondendo parte dos rostos dos atores, criando uma sensação de falta de confiança e mistério. O diretor não poupa esforços para construir uma dinâmica fluida, alternando entre os núcleos da trama sem que eles pareçam "esquecidos".
Além da cinematografia e da direção, a concepção audiovisual do filme é digna de nota. Destaque para a trilha sonora, que nunca tenta compor jumpscares ou tensão artificial e, em vez disso, acaba servindo como um calmante no meio de toda a situação, o que torna tudo ainda mais agridoce e violento.
O visual do filme é impecável. Há um primor pelo qual muitos passarão despercebidos, principalmente na direção de arte, figurino e cenografia. Aqui, tudo é feito com um significado e pequenos detalhes ajudam a construir os personagens sem que isso precise ser passado nos diálogos. Basta lembrar as cenas envolvendo uma flanela amarela, ou o cuidado para realçar as escovas de dente na casa de Kevin.
Ainda assim, o filme não é isento de problemas. Os diálogos chegam a ser expositivos demais. Tudo precisa de uma explicação detalhada, e às vezes, isso quebra bastante com o senso de realismo do longa. Não ajuda muito o fato de que Betty Buckley - facilmente uma das melhores atrizes do elenco - acabe ficando com cenas muito verborrágicas e cansativas.
E falando em atuação, outro problema que salta aos olhos é a interpretação de Jessica Sula como Marcia, uma das três meninas sequestradas. A atriz é inexpressiva no papel e não consegue mimetizar a sensação de medo e terror que suas amigas sentem. Isso se torna um problema muito grande, principalmente quando ela divide a cena com Anya Taylor e McAvoy.
Ainda assim, o filme não se deixa abalar por esses deslizes. A trama continua coesa e, assim como nos melhores filmes de Shyamalan, serve como alegoria para assuntos mais delicados - os quais não iremos revelar, pois contém detalhes importantes que podem ser considerados spoilers.
Da mesma forma, o diretor surpreende ao criar um filme que não depende de uma grande reviravolta, como a maior parte de seus projetos anteriores. Aqui, temos micro -plot twists, que servem para desenvolver os personagens, em vez de fornecer surpresas previsíveis.
Por fim, resta dizer que Fragmentado é um ótimo filme, com uma trama instigante e uma construção cautelosa em seus aspectos técnicos. A narrativa é ainda mais elevada levando em consideração os atores que a encenam, com destaque para a performance marcante de McAvoy.
Shyamalan volta a fazer filmes para seus fãs, sem ter medo de arriscar, ainda que dentro de sua própria zona de conforto. E além de tudo, o filme se prova parte de uma experiência completa que pode expandir ainda mais, devido aos últimos minutos de sua cena final.
Se você gostou de A Visita, O Sexto Sentido e principalmente, Corpo Fechado, encontrará um prato cheio aqui.
Nota: 4/5