[CRÍTICA] Blade Runner 2049 – Entre Lobos e Ovelhas Elétricas
[CRÍTICA] Blade Runner 2049 – Entre Lobos e Ovelhas Elétricas
Mais humano que humanos.
Chegando nesta quinta-feira aos cinemas, Blade Runner 2049 reúne Ryan Gosling e Harrison Ford em uma continuação situada trinta – e lançada trinta e cinco – anos após O Caçador de Androides, um filme que revolucionou a história da ficção científica e das narrativas cyberpunk.
Dirigida por Denis Villeneuve, dos elogiadíssimos A Chegada e Os Suspeitos, a sequência inova de uma forma impressionante, resgatando elementos importantíssimos do filme de Ridley Scott ao mesmo tempo que apresenta um novo e instigante protagonista.
Créditos: Sony Pictures
Ficha Técnica
Título: Blade Runner 2049
Ano: 2017
Lançamento: 5 de outubro (Brasil)
Direção: Denis Villeneuve
Classificação: 14 anos
Duração: 164 minutos
Sinopse: Um jovem caçador de androides descobre vários segredos muito bem escondidos, que o colocam em uma jornada para encontrar o ex-Blade Runner Rick Deckard, desaparecido há trinta anos.
Blade Runner 2049 - Entre Lobos e Ovelhas Elétricas
Tentar qualificar a importância de Blade Runner: O Caçador de Androides para a história do cinema e da ficção científica é uma tarefa bem difícil. Um dos primeiros filmes cults de grande sucesso da história, o longa dirigido por Ridley Scott acabou decepcionando alguns fãs que queriam uma adaptação mais fiel de Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Phillip K. Dick, mas encantou várias gerações de cinéfilos.
Agora, trinta e cinco anos depois, o renomado Denis Villeneuve surge com a proposta de uma continuação, situada trinta anos após o filme original. E embora o resultado final seja bem diferente do longa de 1982, temos aqui um dos raros casos onde a continuação é tão boa - e talvez até melhor - que o primeiro filme.
Antes de mais nada, é preciso deixar algo bem claro: não confie nos trailers e no material de divulgação do filme. Eles vendem uma ideia bem errada do tom e da história. E embora isso ajude a deixar o público mais apto a surpresas na sala de cinema, também pode decepcionar quem esperava outra coisa.
A trama segue de perto K (Gosling), um replicante - ou seja, androide - que também é caçador de replicantes mais antigos. Exercendo sua função de Blade Runner, ele acaba cruzando com alguns segredos antigos que podem levá-lo em uma jornada pessoal e que farão com que ele cruze o caminho de Rick Deckard (Ford), um lendário caçador de androides.
E isso é um resumo básico da ópera que não entrega detalhes da trama. O que eu posso dizer, no entanto, é que Blade Runner 2049 é um filme sensacional, por diversos aspectos. Contudo, o que mais salta aos olhos é a capacidade incorruptível de resgatar elementos do longa original e ressignificá-los a uma nova era.
Quem lembra do longa de Scott deve ter em mente um universo cyberpunk, com pinceladas de noir. Aqui, o mundo passou por uma grande renovação e, embora o cyberpunk noir ainda esteja presente, a estética opta por um minimalismo que diz bastante a respeito desse universo.
Villeneuve é um diretor que já provou seu trabalho diversas vezes, com obras realmente emblemáticas - até hoje, filmes como O Homem Duplicado são amplamente debatidos. Aqui, ele continua fazendo um ótimo trabalho, tanto visualmente quanto em condução da encenação.
Todos os atores do filme estão excelentes em seus papeis. Ryan Gosling dá uma atuação que lembrará muito seu papel em Drive, porém com um gás diferente. Harrison Ford volta como um Deckard amargurado e vítima de um futuro pessimista. Os demais personagens fazem aparições pontuais, mas ganham intenso peso em cena - especialmente o "vilão" de Jared Leto, Mackenzie Davis e Ana de Armas (uma das verdadeiras surpresas do filme, no papel da inteligência "artificial" Joi).
Em termos simbológicos, o filme traz uma marca registrada da filmografia de Villeneuve. Temos uma história relativamente simples, carregada com algumas reviravoltas narrativas, mas que carrega em si o peso de subtramas complexas e extremamente dignas de reflexão. Assim como O Caçador de Androides falava sobre humanidade, 2049 aborda temas como escravidão, exploração infantil e, para os mais abertos, até mesmo um viés messiânico.
Isso é apenas a ponta do iceberg, uma vez que o filme consegue expandir a mitologia de O Caçador de Androides, trazendo novas ordens de replicantes e conceitos extraordinários de ficção científica hardcore. Ao mesmo tempo, alguns detalhes da trama são - conscientemente - omitidos, o que pode causar a alguns a sensação de furos ou lacunas no roteiro.
Visualmente falando, o filme é espetacular. Mesmo sem tecnologias avançadas, como o 3D e o IMAX, sua capacidade imersiva é espetacular, arrebatando o público desde a primeira cena enevoada. Isso, é claro, é ainda mais destacado pelo excelente trabalho do diretor de fotografia Roger Deakins, que equilibra um tom de cores que transita facilmente entre o vibrante e o pastel, sem deixar de lado a verossimilhança desse universo.
Em contrapartida, o tom do filme é bem lento e constante, com planos demorados e câmeras sobretudo estáticas. O espectador menos paciente pode achar o ritmo lento demais, embora ele ajude a construir elementos da personalidade dos personagens e crie uma unidade de desenvolvimento à história.
Outro ponto que merece - e muito - ser destacado é a composição sonora do filme. Temos diversas cenas que se aproveitam do silêncio, que aliado à trama "parada", cria um angústia que só reforça as circunstâncias do mistério buscado por K. Ao mesmo tempo, outras sequências trazem músicas com fortes elementos sintéticos, o que ajuda a inserir o público no ambiente "pós-cyberpunk" do longa.
O uso de efeitos visuais também é marcante. É tudo tão bem polido e inserido que é difícil imaginar esse filme não sendo ao menos indicado ao Oscar da categoria. Outros elementos como direção de arte, figurino e cenografia também são dignos de nota, por darem ao filme sua própria identidade - ainda que ele seja uma continuação direta de O Caçador de Androides.
Em suma, Blade Runner 2049 é um longa-metragem espetacular. O filme tem sido considerado por alguns críticos como uma "obra-prima da ficção científica" e isso não é à toa. Aliás, arrisco a dizer que em diversos aspectos, ele chega até mesmo a superar o filme original de 1982 - por mais que ainda falte algo tão icônico como o diálogo sobre memórias dissolvendo como lágrimas na chuva.
Fãs mais atentos também vão notar alguns easter-eggs claros a O Caçador de Androides - incluindo a participação de alguns personagens-chave, bem como referências da obra literária de Phillip K. Dick. Por fim, resta também recomendar ao público que vejam o anime Black Out 2022, que serve como prelúdio da trama e traz importantes ligações com elementos do filme.
Blade Runner 2049 é um filme que faz extrema justiça ao longa original. É um filme surpreendente e que traz um elemento muito renovador para o filme de Ridley Scott. Mais uma vez, Denis Villeneuve se prova um diretor extremamente capaz de criar histórias complexas embaladas em tramas simples.
É um triunfo para os fãs e por mais que possa incomodar aqueles enganados pela campanha de marketing, é um filme que merece ser apreciado, por toda sua simbologia e por trazer a ficção científica em sua mais pura essência. E mais do que isso, é a prova de que 2017 está redimindo os anos anteriores com uma safra de filmes excelentes.
NOTA: 5/5