Boruto, de início, já elimina algo que irrita muita gente até hoje em Naruto: a busca interminável, incansável e um tanto sem sentido pelo Sasuke.

Borutinho trouxe uma história que não depende desse gancho para puxá-la, todos os protagonistas e coadjuvantes possuem motivações próprias, interessantes e que não dependem um do outro para serem desenvolvidas.

Claro que a jornada para ser Hokage da Sarada é mais legal com o Boruto e o Mitsuki do lado, por exemplo. Mas a forma que esse objetivo é colocado não faz parecer que a Sarada depende dos dois pra isso ou ela vai desistir de tudo.

Só por isso, Boruto já ganha muitos pontos para vários fãs de Naruto.

As aventuras do Borutinho acertaram em cheio ao priorizar a primeira fase de Naruto como maior inspiração. Vários elementos que nos fizeram apaixonar pelo mundo ninja foram se perdendo na transição para o Shippuden e sua escalada cada vez mais séria e megalomaníaca. Dentre vários pontos que podemos citar, um dos principais é o humor.

Não me levem a mal, Naruto Shippuden tem seus momentos engraçados e mais leves durante a longa jornada. No entanto, não é tão natural ou interessante quanto o da primeira fase. Claro, isso se dá pelo fato de estarmos tratando com crianças em um momento e adolescentes/adultos em outro. Porém, um pouco da essência cativante do Naruto original foi deixada de lado nesse "amadurecimento".

Isso para dizer que Boruto resgata esse humor. Sim, estamos trabalhando com crianças novamente, mas seja pela diferença de gerações ou pela abordagem do anime, essas são crianças mais maduras que as de Naruto. E, mesmo assim, o humor e o tom mais inocente e brilhante estão ali e tornam essa história mais fácil de assistir, é uma experiência mais leve.

Outra coisa que Boruto resgata da primeira fase de Naruto é o estilo narrativo. Ele é mais lento, focado e muito mais coeso e fácil de digerir que o de Shippuden. E não é que Shippuden seja extremamente complexo de se entender, mas é um fio narrativo que dá mais voltas, nós e até nós cegos.

Boruto começa delimitando um evento num futuro um tanto distante. Essa narrativa nos deu uma linha de chegada com Boruto x Kawaki e, agora, vai mostrar como se desbrava esse caminho. Existe uma ameaça principal muito clara e os conflitos são bem delimitados e resolvidos. Então essa é uma mudança mais que bem vinda.

Um dos problemas que afeta tanto Naruto, quanto Shippuden, são os fillers. Às vezes episódios fillers são legais, engraçados e ajudam a dar um momento de respiro na história. Não foi o caso na maioria dos episódios, arcos e quase sagas filler de Naruto. Boa parte das vezes eram tramas que não mostravam nem muito esforço em pertencer ao anime em si.

Boruto, no entanto, é diferente. Todo o início do anime é original e seguiu seu próprio ritmo. Isso porque o mangá começa com os eventos do filme e o anime vai lá atrás, pra quando filho do Hokage está começando na Academia Ninja.

Toda essa história, porém, foi criada para acrescentar ao que estava sendo desenvolvido no mangá. Pelo menos para o anime, é o cânone oficial, influencia na história como um todo e é algo bem planejado, pensando na construção desse novo mundo ninja.

O mundo shinobi mudou. Mudou muito. Boruto introduz uma vida ninja moderna, mas que não deixou para trás a essência do que nos fez gostar do universo de Naruto.

É uma mistura estranha, mas interessante e bem feita entre tecnologia e tradição ninja, com gadgets e tudo mais para auxiliar os shinobis. E, por mais que pareça estranho de primeira, é uma mudança que faz sentido, considerando os novos líderes ninja - e o novo público alvo.

Ainda, Borutinho abre espaço para uma gama de histórias mais diversas que o anime anterior. Em Naruto, demoramos muito, muito mesmo, para conhecer algo que não fosse a Vila da Folha e a Vila da Areia. Sim, no início eles até dão uma passadinha pelo País da Água, mas ficamos bem na superfície.

Aproveitando a abertura de mundo que Naruto apresenta no fim da jornada, Boruto explora melhor esse grande território ninja que parecia tão compacto antes. E ainda apresenta a própria Vila da Folha de uma forma diferente, fazendo a vida naquele lugar parecer mais palpável e relacionável que antes.

Algo bem legal dessa nova aventura é o tratamento dado para as kunoichi da nova geração. Não é mistério pra ninguém que Naruto não deu a devida atenção para as mulheres daquela história - até mesmo a Sakura e a Tsunade, que são as mulheres mais proeminentes na trama, sofreram com o autor sem saber o que fazer com seus plots. Boruto, no entanto, parece tentar corrigir isso.

O ponto principal é a Sarada, filha do Sasuke com a Sakura, que desde o início traça um caminho completamente diferente das kunoichi de Naruto. Ela é ambiciosa, independente, poderosa e sua motivação não está ligada a ninguém além dela mesma. Mas não é só a Sarada; outras kunoichi como a ChoCho e a Mirai são ótimas adições e até mesmo as já conhecidas, Sakura e Ino, por exemplo, ganham novas dimensões, distanciando o novo anime desse problema antigo.

Também, Boruto tem uma abordagem bem interessante para o crescimento do protagonista, tomando um caminho muito distinto de Naruto. Seria muito fácil repetir a fórmula, colocando o Boruto como um ninja atrapalhado e deslocado, que almeja suceder o pai como Hokage e tudo mais. Não é bem assim.

Ainda que se pareçam muito, Boruto e Naruto são completamente diferentes. Borutinho é quase um prodígio, popular, mimado e tudo que ele menos quer na vida é ser Hokage. Na verdade, o anime mostra que o Naruto não foi lá o melhor dos pais e que a família Uzumaki não levou um final completamente feliz.

Por outro lado, é a Sarada quem deseja ser Hokage, que é mais deslocada e admira o Naruto. Essa mudança de direção deixou alguns fãs de Narutinho meio abalados, mas não precisamos assistir a mesma história duas vezes.

Quando Naruto estava próximo da conclusão, na grande batalha final contra Madara Uchiha, ela nos pegou de surpresa e virou o jogo de cabeça pra baixo. Muita, muita gente reclamou do surgimento da Kaguya, principalmente por ser uma coisa sem muita base para acontecer. Porém, Boruto veio para consertar isso.

O clã Otsutsuki da Kaguya é o grande mal estabelecido na história de Boruto. Conforme avançamos na aventura, aprendemos mais sobre eles e a aparição da Kaguya fica menos absurda no fim de Naruto. Na verdade, nos deixa curiosos para quando a veremos novamente. E eles estão rendendo um ótimo mistério para acompanhar, expandindo as fronteiras dimensionais dessa história para muito além.

Por fim, Boruto é uma aventura feita para toda uma nova geração de fãs. Enquanto Naruto tomou nossos corações, lá no meio dos anos 2000, com o seu jeito ninja de ser, Borutinho traz agora uma narrativa diferente, para conversar com um público novo. E isso é ótimo.

Nós não temos um Naruto 2.0; são motivações, dramas, aventuras e piadas novas em um mundo conhecido. Não precisamos acompanhar a saga para se tornar Hokage novamente; Borutinho quer entender o seu lugar nesse mundo e aprender a lidar com o grande legado do seu pai - incluindo os próprios fãs do anime.

A melhor adição que Boruto trouxe foi seguir um caminho distinto de Naruto, inclusive em como lida com as situações que remetem à jornada antiga. Isso faz da série uma porta de entrada para novos fãs e uma ótima história para os veteranos no mundo ninja com sede de mais aventuras.