Criado pela CLAMP em 1996, Sakura Card Captors conta com um anime de 70 episódios, 2 filmes e 4 especiais. A princípio, a animação sobre a Caçadora de Cartas pode parecer apenas mais uma produção surfando na popularização do gênero “mahou shoujo”, porém a história de Sakura é bem mais complexa do que parece.

A mesma não apenas conseguiu chamar a atenção do público masculino e feminino, como tirou do caminho a fama de mahou shoujo ser “anime de menina”. Sakura Card Captors também trouxe diversas discussões que eram vistas como tabu na época, desde relacionamentos e sentimentos homoafetivos até relações românticas entre professores e alunos.

Serial Experiments Lain é tanto fruto de sua época, como também esteve muito à frente de seu tempo. Lançada em 1998, aqui conhecemos Lain, uma garota comum que, após entrar em contato com uma rede de computadores similar à internet, enfrenta uma jornada de amadurecimento assustadora.

Influenciada por temas filosóficos como identidade, cibercultura, comunicação e catolicismo, a série aborda tudo que estava na mídia no final dos anos 90. Ao mesmo tempo, é uma das primeiras a apresentar tais alegorias de forma tão refinada e ainda relevante para os dias de hoje.

Falar do peso de Sailor Moon na cultura pop é traçar desde referências perdidas em séries, animações e filmes estadunidenses até como a estrutura narrativa desse anime moldou um gênero. Criado por Naoko Takeuchi em 1992, Sailor Moon foi um pioneiro no “mahou shoujo”, definindo diversos aspectos que são replicados até hoje. Desde a longa cena de transformação até animais mágicos que concedem poderes e uma história que mistura amadurecimento e o medo do fim do mundo.

Todos esses avanços dizem respeito apenas ao impacto de Sailor Moon na cultura asiática. Já ao redor do globo, o anime foi associado a movimentos feministas e apontado como inspiração para séries como Buffy, a Caça-Vampiros e Sabrina, Aprendiz de Feiticeira.

Ainda falando em amadurecimento e protagonismo feminino, temos Shoujo Kakumei Utena (também conhecida como Utena - A Garota Revolucionária). Criada em 1996 por Chiho Saito, seguimos Utena, uma adolescente órfã que sonha em ser um príncipe. Nas palavras do próprio diretor, Utena é sobre uma passagem para a vida adulta, um processo que “não poderia ser bondoso”.

Além de seu tom feminista, que já era algo revolucionário para a época, Utena complexifica o gênero de “garotas mágicas”. Aqui, assim como a história original de Naoko Takeuchi para a Sailor Moon, não há a expectativa de um final feliz. Toda a magia e romance desse universo é deturpado para mostrar as dores do crescimento. Na época, isso surgiu como uma novidade no gênero, mas hoje é comum encontrar esse mesmo tema em diversos “mahou shoujos sombrios”.

Alguns acreditam que isekais — gênero que gira em torno de uma pessoa transportada para outra realidade — são uma tendência do início dos anos 2010, mas não é bem assim. Em 1999, Now And Then, Here And There (Ima, Soko Ni Iru Boku no original) levava Shuzo Matsunani para Hellywood, um mundo desolado e militarizado.

Hoje conhecido como um clássico cult, a verdade é que se a história de Hideyuki Kurata fosse adaptada nos dias de hoje, conquistaria todo o mercado.

E para, mais uma vez, questionar os papéis de gênero, temos A Princesa e o Cavaleiro, anime baseado no mangá de Osamu Tezuka que narra as aventuras da princesa Safiri do Reino da Terra de Prata. Diferente das típicas histórias de princesas e cavaleiros, Safiri é uma garota que foi anunciada como um menino para o reino onde vive.

A princípio, o “engano” surge como uma forma de garantir que Safiri permaneça na linha de sucessão do reino, mas aos poucos percebemos que há ainda mais questões ao redor na identidade de gênero da personagem. A Princesa e o Cavaleiro é um clássico de Tezuka que moldou muito da demografia shoujo como conhecemos hoje, trazendo personalidade, quebra de expectativa e diversos vilões carismáticos.

JoJo's Bizarre Adventure é uma das obras mais curiosas e populares dos últimos anos. O mangá criado em 1987 segue a história da família Joestar e suas lutas contra forças sobrenaturais. O que poucos sabem é que antes do popular anime lançado em 2012, a obra de Hirohiko Araki já havia sido adaptada em 1993.

Lançada entre 1993 e 1994, a produção sofreu ao tentar resumir centenas de capítulos em apenas seis episódios, tornando a história de JoJo pobre e corrida. O que não imaginavam era que, mais de 20 anos depois, essa se tornaria uma das animações japonesas mais populares do momento. Isso é estar à frente do seu tempo.

Gundam pode ser o principal anime quando falamos em robôs gigantes e pilotos angustiados, mas a verdade é que foi Neon Genesis Evangelion que mostrou como o público não estava preparado para o combo “luta de robôs” e “depressão”. A produção de Hideaki Anno se tornou um clássico, porém não na época de seu lançamento.

Devido ao seu tom e a reviravolta que acontece na metade da história, a TV Tokyo não se sentiu segura com a produção, gerando diversos cortes nas verbas. Hideaki precisou ousar para conseguir transmitir toda a confusão e horror passado por Shinji Ikari ao fim de Evangelion. A decisão criativa acabou criando uma das obras mais complexas dos últimos tempos, dando abertura para uma grande franquia de filmes, mangás e remakes.

Retornando a CLAMP, temos mais uma obra com personagens complexos, uma história sobre amadurecimento e fim de mundo, além de belas roupas e visuais. Tokyo Babylon foi criado em 1991 e traz os irmãos gêmeos Hokuto e Subaru Sumegari, além de Seishiro Sakurazuka.

Aqui temos, lutas contra espíritos, um personagem que está longe de seguir um modelo de masculinidade padrão e a Torre de Tóquio retornando para mais uma história da CLAMP. Infelizmente, Tokyo Babylon nunca teve uma chance de mostrar todo o seu potencial no mundo dos animes, deixando seus fãs sempre com um “gostinho de quero mais”.

Existencialismo, degradação ambiental, solidão. Cowboy Bebop é uma mistura divertida de temas sérios com ficção científica, ação, aventura, drama e comédia. O anime é produzido e dirigido por Shinichiro Watanabe e se passa em 2071, tomando como ponto de partida uma tripulação de caçadores de recompensas espaciais.

Mas, entre tantos temas, talvez o que o coloca como “à frente de seu tempo” é seu tom experimentativo. Com uma trilha focada no jazz e uma narrativa não linear, Cowboy Bebop foi considerado um dos “mais finos exemplos de narrativa” pelo crítico cultural Kyle Mills. Assistir a animação nos dias de hoje é encontrar uma excelência que poucas produções possuem, tornando esta uma obra atemporal.