Ao longo de todas as sagas escritas por Rick Riordan sempre tivemos uma visão muito específica do mundo mágico e mitológico onde as histórias aconteciam, sempre vendo as coisas acontecendo do ponto de vista do herói humano. Isso não acontece em As Provações de Apolo.

Nessa saga, quebrando o que havia sido estabelecido anteriormente temos um Deus narrando a história, apresentando um ponto de vista interessante sobre os acontecimentos mortais e vivendo o drama de estar longe do olimpo e sua glória.

Assim, Apolo é banido para a Terra por Zeus, perdendo todo o seu poder divino - que vai desde a imortalidade e habilidade na arquearia até sua beleza e charme - e recebendo até o cômico nome de Lester.

O resultado dessa mudança é um narrador frustrado com as espinhas que surgiram em sua cara e a difícil vida de um mortal, o que garante uma narrativa hilária enquanto acompanhamos a nova jornada de Apolo.

E para “ajudar” Apolo nessa jornada temos Meg, a pequena semi-Deusa que se torna a senhora do ex-Deus, que deve cumprir suas ordens. Ainda que na superfície ela pareça uma pré-adolescente rebelde sem muitos modos, Meg é uma das personagens mais vulneráveis e humanas que Rick Riordan já escreveu.

Talvez a única protagonista de uma saga do escritor a agir de acordo com sua idade - isso, é claro, respeitando o feitos fantásticos e habilidade em combate da garotinha. Tudo isso somado com a química entre Meg e Apolo faz com que cada momento dos dois personagens valha a pena.

De todos os narradores que Rick Riordan já criou, Apolo é um dos mais divertidos. Sempre carregado de ironia e egocentrismo, o ex-Deus lida com os eventos da sua vida de maneira cômica, tentando flertar com aqueles que estão a sua volta enquanto se choca ao ver que as pessoas não param com sua vida para lamentar a queda do Deus da Luz.

Isso resulta em trechos como esse ”Observei os campistas na esperança de conseguir identificar servos em potencial… quer dizer, novos amigos. Os deuses sempre gostam de manter alguns semideuses veteranos e fortes por perto para mandá-los para batalhas e missões perigosas ou para tirar as bolinhas das nossas togas…”

Os eventos de As Provações de Apolo funcionam como uma continuação direta de Os Heróis do Olimpo, acontecendo poucos meses depois do embate final contra Gaia e o acampamento Romano.

Isso significa que eventos que foram explorados apenas de maneira superficial em O Sangue do Olimpo, por exemplo, recebem destaque na nova saga, sendo aprofundados e melhor desenvolvidos - como por exemplo o romance entre Nico e Will, que foi sugerido no último livro.

Sendo uma continuação, isso significa que vemos mais dos personagens queridos de outras sagas. Logo no começo do livro, por exemplo, encontramos Percy Jackson e sua mãe - e descobrimos que o herói está lutando contra os livros para conseguir boas notas e poder entrar na faculdade com Annabeth Chase.

Além do Cabeça-de-Alga descobrimos o que aconteceu com Leo, o filho de Hefesto e as consequências do seu grande sacrifício no final de O Sangue do Olimpo.

Mas todo o humor e egocentrismo de Apolo/Lester não faz com que, como já é de costume nos livros do Rick, temas mais sérios sejam ignorados. Dessa vez, o foco principal abordado pelo escritor são os relacionamentos abusivos e como isso pode acontecer com membros da nossa família.

O drama familiar e questões mais sérias envolvendo problemas familiares recebem destaque nos dois livros, sendo falado de forma mais explícita no segundo quando nos aprofundamos nessa história.

O panteão greco-romano é repleto de divindades e criaturas mágicas. Mesmo que mais de dez livros já tenham sido escritos por Rick Riordan sobre o assunto, ainda existe muito material mitológico que ou foi pouco explorado ou simplesmente deixado de lado.

Felizmente As Provações de Apolo vem para melhorar isso. Novas divindades são incluídas na trama, como Reia a avó de Apolo e mãe de Zeus - que se tornou uma espécie de Deusa-Hippie - e Britomartis a Deusa das Redes.

Não seria um livro de Rick Riordan se não tivéssemos doses cavalares de diversidade nos personagens de sua trama. Além de toda a diversidade racial e cultural que continua a ser explorada nessa saga - incluindo a introdução de um personagem brasileiro no Acampamento Meio-Sangue - o maior destaque fica na questão da sexualidade.

Apolo é bissexual. Se você é novato nos estudos de mitologia isso pode te pegar de surpresa, mas como o próprio Deus lembra o leitor na sua narrativa, seus dois grandes amores foram Daphne e Jacinto.

”Nós deuses não nos prendemos a essas coisas. Eu mesmo tive… vamos ver, trinta e três namoradas e onze namorados mortais? Já perdi a conta.”

O fato de que As Provações de Apolo não é uma trama tão grandiosa como Heróis do Olimpo - que tiveram que lutar contra Gaia, os Gigantes e o Acampamento de Júpiter - é um dos aspectos positivos dessa nova saga.

Ela é mais “humana” e focada em ameaças menores, o que faz com que os eventos do livro sejam mais rápidos e dinâmicos. Ainda que existam momentos mais calmos nos dois livros já lançados, a trama avança com maior velocidade do que na última saga.