Silent Hill 2 Remake: O que o público entende errado sobre o game
Silent Hill 2 Remake: O que o público entende errado sobre o game
Você prometeu me levar de volta pra Silent Hill um dia
Contrariando todas as expectativas pessimistas, Silent Hill 2 Remake, desenvolvido pela Bloober Team, foi um grande sucesso! A recriação do icônico e influente game da Konami faz jus ao legado e até entrega alguns momentos de forma mais efetiva que o original.
Mas, como Silent Hill 2 tem quase duas décadas, muita gente se viu confusa com o novo game. Ao longo dos anos, vários conceitos dessa história ficaram turvos por conta de especulação e teoria de fãs, entrevistas mal traduzidas ou mal interpretadas e todo tipo de loucura. Que tal, em celebração ao êxito do Remake, revisitarmos alguns desses tópicos difíceis?
Silent Hill é uma cidade funcional?
Essa é uma pergunta difícil. Dá para dizer com certeza que até os eventos do primeiro game sim, Silent Hill era uma cidade tecnicamente comum.
Com cerca de 30 mil habitantes, Silent Hill fica na região do Maine, na Nova Inglaterra, e seu motor econômico é o turismo por conta da área histórica, vales, florestas e o lago Toluca. É dito, no entanto, que por conta de vários incidentes macabros, além das atividades do culto envolvendo tráfico de drogas, sequestros e assassinato, a economia municipal quebrou. Somado a isso, há um êxodo da população mais jovem para buscar oportunidades em cidades maiores, selando o declínio local.
As coisas ficam complexas a partir do primeiro game. Por conta das atividades do culto, os poderes da Alessa despertam de vez o lado sobrenatural de Silent Hill. A partir daí, especula-se que parte da população deixou a cidade, mas alguns diálogos e registros sugerem que ainda restaram moradores para fazer o local perdurar.
É importante reforçar que a influência sobrenatural sempre existiu em Silent Hill. A cidade é construída em cima de um território sagrado para os nativos e situações inexplicáveis sempre foram comuns por ali. O que acontece no primeiro game é que os poderes da Alessa fazem o potencial dormente da região aflorar totalmente.
Silent Hill é um purgatório?
Uma ideia muito difundida sobre a história de Silent Hill (e que os filmes meio que corroboram) é a de que a cidade é um “purgatório”. E ainda que exista alguma verdade nesse conceito, não é exatamente isso.
Silent Hill não é um purgatório, pelo menos não no sentido cristão da palavra. O uso da imagética cristã nos jogos é importante para denunciar o porquê dessa região ter se tornado esse espaço sobrenatural, mas não a causa. Isso porquê a cidade é construída em um território sagrado para os povos nativos locais, cuja magia foi corrompida e deturpada aos longos dos séculos até se tornar o que vemos nos jogos.
Em alguns registros, a região de Silent Hill é descrita como um antigo local de meditação e rituais para os povos nativos, capaz de afetar mente de um indivíduo. Porém, além do massacre decorrente da colonização, essa região foi usada várias vezes para sediar os piores tipos de atividades humanas, corrompendo e distorcendo seu propósito original.
Após os eventos com o culto, Silent Hill não te faz “pagar pecados”, como é a ideia do purgatório cristão, mas te coloca cara a cara com seus piores demônios interiores. Basicamente, a cidade se torna o conduíte para a autotortura de um indivíduo, um amplificador para a parte mais sadista da nossa consciência.
Inclusive, as inspirações por trás da história de Silent Hill estão ancoradas na psicanálise e psicologia analítica. Carl Jung e Sigmund Freud, entre outros autores e obras, são influências pesadas no game, especialmente em Silent Hill 2. Ideias como “sombra”, “self”, “ego, superego e id” e até a alquimia da mente podem ser encontradas de forma explícita no jogo.
Assim, Silent Hill é um reflexo distorcido e corrompido do que está enterrado no fundo da mente de um indivíduo. É um espelho grotesco, violento e extremamente malicioso da própria consciência.
O que os outros personagens veem?
Em todos os jogos de Silent Hill, você encontra outros personagens rondando pela cidade. No primeiro game é muito clara a percepção que essas pessoas têm dos seus arredores, assim como em Silent Hill 3. Porém, Silent Hill 2 apresenta um conceito diferente: você lida com outras pessoas passando pela “experiência” Silent Hill, como o seu personagem, mas que parecem não enxergar as mesmas coisas que ele.
Se você achou estranho o comportamento da Angela, Eddie ou Laura, está correto: em Silent Hill 2, com exceção da Maria, nenhum dos personagens secundários está na “mesma” Silent Hill que o James. Eles, assim como o protagonista, estão lidando com seus próprios demônios e enxergam a cidade, monstros e tudo ao redor de uma forma única.
Por vezes, esses “mundos” se cruzam e você acaba tendo vislumbres do que esses personagens estão vivenciando – como a cena da Angela no cenário em chamas, ou como tudo parece mais gelado quando o Eddie aparece. Já a Laura, a garotinha, não vê nada disso. Dá para afirmar que, para ela, esse é só um dia de exploração em uma parte abandonada da cidade para pregar peças em um loiro raivoso.
Aliás, não dá nem para saber se esses personagens veem o James como ele é. Ou se, em contrapartida, o James está vendo essas pessoas como elas são ou há alguma projeção dele aplicada em suas aparências.
James Sunderland é um vilão?
Se você é fã da franquia, essa pode parecer uma pergunta absurda, mas existem aqueles que acreditam, por não ter jogado e só ter ouvido falar ou por não ter entendido o game de fato, que James Sunderland, o protagonista de Silent Hill 2, é um “vilão”. Caso você tenha essa dúvida, a resposta mais rápida é: não, ele não é. Ele não é um cara incrível, mas não é “maligno” também.
Essa ideia parte da difusão distorcida do que os monstros do game significam e de teorias que foram alimentadas por tanto tempo que muita gente tomou como verdade. Silent Hill 2 tem mais de vinte anos, então essas coisas acontecem.
Como dito mais acima, Silent Hill é uma tortura específica para cada indivíduo, nascida de sua própria consciência. A cidade se tornou um espaço limiar que corrompe e traz à tona seus piores pensamentos. Assim, é isso o que acontece com o James.
Sim, o James matou a própria esposa quando não conseguiu mais lidar com o declínio físico e mental pelo qual ela estava passando. Não só isso, mas ele “cobiçou” outras mulheres enquanto a própria esposa estava hospitalizada, pensou em abandoná-la, que seria melhor que ela morresse logo, fantasiou com todas essas coisas e muito mais. Enfim, Silent Hill é o preço que ele mesmo se cobra, tão absorto em culpa que entrou em um estado similar ao de choque, com bloqueios de memória e dissociação.
Com exceção do assassinato, todas essas coisas foram pensamentos e vontades refreadas que, quando acumulados à culpa pelo crime, corroeram a psique do protagonista e demandaram reparação. E Silent Hill 2 é isso: reparação entre James e sua própria consciência.
Portanto, ele não é um “vilão”. Não dá nem para falar que ele é malicioso, afinal o game e materiais extras relatam que o casamento entre ele e Mary era feliz e tranquilo. James é só um personagem extremamente humano, que tomou decisões muito erradas e, sem saber, está em uma jornada autoimposta de penitência. E acompanhar esse tipo de história incomoda mais do que qualquer absurdo vilanesco.
Quer ler mais sobre games? Veja também: