Crítica – Um Lugar Silencioso: Dia Um acerta em drama existencialista mas não vai além disso
Crítica – Um Lugar Silencioso: Dia Um acerta em drama existencialista mas não vai além disso
Filme expande universo da franquia de maneira morna, apoiando-se no drama existencial vivido por personagens de Lupita Nyong’o e Joseph Quinn
Há um momento bastante singelo mas significativo de Um Lugar Silencioso (2018) em que os personagens de John Krasinski (The Office) e Emily Blunt (Oppenheimer) dançam ao som da música Harvest Moon, de Neil Young. Os dois, claro, escutam a canção com um fone de ouvido para que os aterrorizantes alienígenas sensíveis às ondas sonoras permaneçam escondidos nas sombras.
Lupita Nyong’o (Nós) faz algo semelhante em Um Lugar Silencioso: Dia Um, novo lançamento da franquia que serve como uma prequel de tudo aquilo que acompanhamos nos filmes de Krasinski, mas com um propósito diferente – e ainda mais doloroso à medida que vamos acompanhando a jornada de Samira, personagem da premiada atriz no longa. Primeiro filme da saga sem o diretor dos dois primeiros capítulos no comando, Um Lugar Silencioso: Dia Um aposta em um bom drama existencialista para tentar expandir esse universo. Porém, peca por não conseguir ir além disso, finalizando sua jornada sem muito brilho.
Ficha técnica
Título: Um Lugar Silencioso – Dia Um
Direção: Michael Sarnoski
Roteiro: Michael Sarnoski
Data de lançamento: 27 de junho de 2024
País de origem: Estados Unidos da América e Reino Unido
Duração: 1h 40min
Sinopse: Uma mulher luta pela sobrevivência durante uma invasão alienígena na cidade de Nova York.
Ouça como tudo começou
Na ficção, invasões alienígenas acontecem o tempo todo. Cabe aos personagens decidirem o que vão fazer a partir disso: um faz investigações incansáveis sobre casos suspeitos em Arquivo X (afinal, a verdade está lá fora), apenas esperando pela chegada de um disco voador, enquanto o outro assume o cargo de protetor de seus filhos para que a família consiga sobreviver aos ataques extraterrestres de Guerra dos Mundos (2005).
Mas Samira (Lupita Nyong’o), a protagonista de Um Lugar Silencioso: Dia Um, só quer comer uma pizza. Lutando pela própria vida, interna e externamente, Sammy desbrava a cidade de Nova York, enquanto um ataque alienígena, cujos seres de outro mundo caçam (e matam) através do som, destrói a Grande Maçã de cima a baixo. É a prova de que, em uma questão de segundos, sua vida pode mudar radicalmente, para o bem ou para o mal.
Com direção de Michael Sarnoski (Pig), Um Lugar Silencioso: Dia Um apresenta a origem do apocalipse que dizimou boa parte da população nesse universo, algo que já tínhamos visto brevemente durante a caótica cena de abertura de Um Lugar Silencioso: Parte II (2020), que mostra como a família Abbott sobreviveu ao primeiro ataque dos alienígenas no meio-oeste estadunidense. Desta vez, porém, o objetivo é justamente se aprofundar no primeiro dia da invasão em Nova York, apresentando como aquelas criaturas mortais propagaram o caos e a destruição da espécie humana, além de fazerem com que um silêncio sufocante se espalhasse como uma praga por todos os lugares.
Conhecida como a cidade que nunca dorme, Nova York se torna o centro dos holofotes por ser um desafio por si só: como um local que, todos os dias, precisa de uma sinfonia de ruídos e barulhos altíssimos, como buzinas, perfuradores, gritos e roncos de motor, para funcionar conseguiria sobreviver ao ataque de monstros que são instigados pelo som, por menor que ele seja? É a partir da jornada de Samira que a prequel de Um Lugar Silencioso assume essa partida.
Com uma atmosfera que até mesmo relembram os caóticos dias de isolamento durante a pandemia de 2020, onde ruas e estabelecimentos pareciam desolados e saídos de um filme pós-apocalíptico, Dia Um está inserido na franquia lançada em 2018 de um jeito bastante único e diferente. Muito disso, claro, é motivado pela troca de diretores e pela proposta do novo filme, que é mostrar como os horrores que a família Abbott enfrenta nos longas de Krasinski começaram.
O desafio, então, era contar essa história de origem usando novos personagens, e é aí que Lupita Nyong’o e Joseph Quinn (Stranger Things) entram na equação. Apostando em um drama existencial, a narrativa de Dia Um segue por caminhos simples: sabemos que a protagonista enfrenta uma doença terminal e que seu gato, Frodo, serve como um animal de serviço que a conforta nos dias mais difíceis. Por outro lado, Eric, o personagem de Quinn, aparece na trama quase como um artifício de roteiro para que a jornada de Sammy tome seu rumo até o final.
Levando isso em consideração, apesar de Sarnoski não conseguir repetir o suspense eletrizante criado por Krasinski nos dois primeiros filmes e do ritmo da narrativa ser um tanto quanto irregular, Um Lugar Silencioso: Dia Um ganha vida quando abre espaço para o drama existencial vivido pelos personagens na trama, com destaque justamente para a dinâmica entre Nyong’o, cujo talento transcende a tela a todo momento, e Quinn, que consegue emocionar mesmo com um personagem bastante raso em mãos.
Seja nos momentos mais introspectivos, nas cenas em que compartilham as gatices de Frodo, ou na luta pela sobrevivência, a dupla consegue criar uma conexão que ressalta a beleza da natureza humana, que sempre encontra uma maneira de resistir às adversidades da vida. No caso de Sammy e Eric, essa adversidade acabou ganhando um teor mais dramático com a chegada de extraterrestres mortais, mas a narrativa prefere olhar para o interior desses personagens ao invés de focar no externo – e é justamente esse o maior acerto do filme.
Fique em silêncio (ou quase)
Se Um Lugar Silencioso: Dia Um faz uma boa escolha ao explorar o micro, ou seja, os dramas pessoais de seus protagonistas (algo que parece estar ganhando mais força no gênero graças à popularidade de produções como The Last of Us), o macro, a invasão alienígena em si, acaba indo para um lugar um tanto quanto diferente dos dois primeiros filmes, e isso pode causar um certo estranhamento.
Isso porque Dia Um não consegue aproveitar muito bem os silêncios que a trama pede. Talvez esse seja um filme mais caótico e frenético que seus antecessores, mas Sarnoski pega atalhos mais fáceis para construir a tensão dos momentos mais enérgicos, deixando de lado aquilo que fez o primeiro filme de Um Lugar Silencioso ser tão claustrofóbico e eletrizante: o silêncio.
Afinal, às vezes, não há nada mais perturbador do que aquele silêncio sepulcral que habita as paredes de um quarto, ou a da mente humana em si. É por isso que, especialmente vivendo em uma era de estímulos, estamos o tempo tempo tentando preencher esses silêncios sufocantes com válvulas de escape. O que acontece, então, quando você precisa do silêncio para sobreviver? Um Lugar Silencioso: Dia Um parece esquecer disso em vários momentos da narrativa, que poderia ter sido melhor aproveitada para incrementar o drama existencialista presente na trama.
Isso faz com que até mesmo o clima de tensão seja levemente prejudicado, algo que é impulsionado por alguns problemas na narrativa, como a falta de desenvolvimento do personagem de Joseph Quinn, por exemplo. Felizmente, o ator consegue mostrar que é muito mais do que o sucesso que fez em Stranger Things, adicionando um peso maior na jornada de Eric conforme ele cria um laço de amizade com Samira, que culmina em uma belíssima e tocante cena em um bar importante para o passado da protagonista. É ali que os dois praticamente transcendem à tela sem nem ao menos dizerem uma palavra, mostrando como o silêncio pode ser extremamente poderoso.
Contudo, não há tempo o suficiente para acrescentar uma carga maior de dramaticidade às escolhas que ambos precisam fazer com a chegada do desfecho e nem em relação aos personagens de Alex Wolff (Hereditário) e Djimon Hounsou (Rebel Moon, Guardiões da Galáxia), que acabam sofrendo do mesmo problema de desenvolvimento que permeia o filme. Assim, a narrativa encerra sua jornada de um jeito quase anticlimático, já que o peso que ela queria transmitir simplesmente não ganhou uma construção digna para tal.
Mas, apesar de existirem esses pontos fracos em Um Lugar Silencioso: Dia Um, o filme não é de todo esquecível. Ele tem seus grandes momentos e, como dito, sabe que seu ponto forte é apostar no drama existencialista e na introspecção dos personagens. Sarnoski também consegue expandir um pouco mais da franquia no que diz respeito aos seres extraterrestres, mostrando mais de seus movimentos, suas ações e suas fragilidades.
Logo, Um Lugar Silencioso: Dia Um pode até não ser um grande representante de spin-offs quase perfeitos na indústria cinematográfica, mas consegue cumprir o seu propósito apresentando novos conflitos e expandindo a franquia de maneira decente. Embora deixe a sensação de que “poderia ter sido melhor”, é um filme que encontrou na natureza humana a resposta para ser único e, bom, humano, o que já é uma vitória por si só.
Um Lugar Silencioso: Dia Um já está em exibição nos cinemas brasileiros.
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