Crítica: Com Park Seo-joon e Park Bo-young, Sobreviventes: Depois do Terremoto é muito mais do que um “filme de catástrofe”
Crítica: Com Park Seo-joon e Park Bo-young, Sobreviventes: Depois do Terremoto é muito mais do que um “filme de catástrofe”
“Eram apenas… Pessoas comuns”
Quem fica para trás em uma catástrofe? Após um terremoto de efeitos catastróficos, a Coreia do Sul é reduzida a cinzas e escombros. Em meio a tanto desespero e fatalidade, um grupo de sobreviventes parece encontrar um local seguro. Mas, o que é a segurança além de uma mentira bem contada? Com mais semelhanças do que diferenças com a realidade, Sobreviventes: Depois do Terremoto é o novo “filme de catástrofe” que vai muito além do gênero.
Ficha técnica
Título: Sobreviventes: Depois do Terremoto (Concrete Utopia)
Direção: Um Tae-hwa
Roteiro: Um Tae-hwa e Lee Shin-ji
Data de lançamento: 18 de janeiro de 2024
País de origem: Coreia do Sul
Duração: 2h 10min
Sinopse: Em mundo reduzido a escombros depois de um grande terremoto, no coração de Seul, há apenas um prédio em pé, o Hwang Gung Apartments. Quando o resgate parece ter esquecido dos sobreviventes, pessoas de fora começam a invadir o condomínio, fazendo com que os moradores tomem uma decisão extrema.
A insegurança da casa própria
Entre aquecimento global, mudanças climáticas e guerras catastróficas, a humanidade parece ter esquecido algo importante: o ser humano. Mesmo controversa e, até mesmo, conflituosa, é essa a constatação que Sobreviventes: Depois do Terremoto levanta. Com boas atuações, uma história que peca pelo excesso, além de efeitos sonoros e visuais que prometem chacoalhar a realidade do espectador, o novo filme de Um Taehwa é uma verdadeira distopia de concreto.
E, para adentrar esse mundo distópico, Taehwa inicia sua narrativa com o seu inverso, uma “utopia de concreto”, como diz o título em inglês do longa — Concrete Utopia. Com cenas reais e fictícias, vemos o sonho da “casa própria” na Coréia do Sul se transformar, ao longo dos anos, em grandes condomínios com apartamentos para comprar e alugar.
Aqui, é como se as questões ao redor da situação habitacional coreana fosse respondida. Percebemos que, em um movimento sócio político que investe em uma narrativa da “confortável e pequena habitação”, esses grandes blocos de moradia se tornaram o refúgio de muitos coreanos. Em outras palavras, o investimento de um dinheiro arrecadado com suor, sangue e lágrimas, como diria o BTS.
Mas, o que acontece quando tudo vai abaixo? Quando as escolhas de multinacionais e governos impactam diretamente na sua moradia? No seu investimento? Na sua família? A resposta inicial do filme é a “perseverança”, mas, aos poucos, entendemos que a catástrofe, o terremoto e o desejo de sobreviver acima dos imprevistos é apenas o topo do iceberg. Pois, aqui, ainda existe o desejo de sobreviver acima de todos.
Quem fica para trás?
E é nessa escolha de deixar as grandes sequências catastróficas de lado que Sobreviventes tanto ganha quanto perde em sua narrativa. Não espere momentos com trilhas sonoras intensas, montanhas de destroços e pessoas gritando.
Ao focar no drama e nas consequências de uma sociedade abandonada, temos a oportunidade de entrar na cabeça de cada personagem, de questionar sem pudor: O que faríamos se estivéssemos nessa situação? Ao mesmo tempo, o filme perde seu impacto e propósito de “filme de catástrofe”. O terremoto se torna uma participação especial na história de Taehwa, pois, quem deve brilhar é o elenco.
Com nomes conhecidos do cinema e televisão coreana, Sobreviventes conta com Park Seo-joon (Parasita e As Marvels), Park Bo-young (Strong Woman Do-bong Soon), Lee Byung-hun (Eu Vi o Diabo e Round 6), Park Ji-hoo (All of Us Are Dead e As Três Irmãs) e muito mais.
A briga para descobrir quem será o sobrevivente mais forte se torna um verdadeiro conflito para mostrar qual rosto é o mais conhecido do elenco. Ou melhor, qual talento irá marcar o filme. Seja com o olhar doce e preocupado de Bo-young, ou com a personalidade sinistra representada por Byung-hun, são os personagens que carregam essa história.
Ou, pelo menos, é isso que a trama insiste em nos lembrar. Seja nos cinemas, jornais ou noticiários, os protagonistas de uma guerra ou catástrofe sempre são os lugares. Entre a Faixa de Gaza, palestinos e judeus, o que parece ficar na mente do público é a Palestina. Assim como entre os marianenses e a barragem em Mariana, o que é lembrado, é o município de Minas Gerais.
Mas e os sobreviventes? O roteiro de Taehwa com Lee Shin-ji tenta responder isso ao adaptar o webtoon de Kim Soongnyung, Pleasant Outcast. Através do olhar seguro dos moradores desse único prédio que perseverou, o invasor, o forasteiro se torna uma “barata”. O horror da possibilidade de sucumbir ao canibalismo se torna uma prática mantida por aqueles fora do condomínio. E o medo da invasão fica cada vez mais aparente.
Do outro lado, o mesmo é feito. Quem vive no condomínio ganha um status de divindade. Os boatos que correm é de se tratarem seres malignos que enganam e consomem quem cruzar seus caminhos. Em momento nenhum Taehwa esquece disso ao exaltar seus personagens através da lente de sua câmera e mostrar o restante do elenco “abaixo”. Ou, ao mostrar o sorriso de alguns enquanto outros engolem em seco a realidade infernal.
A dualidade, o bom e o mal, o preto e o branco sempre estão aqui, mas, será que o questionamento do diretor chega ao seu espectador? Mesmo com tantas boas ideias, Sobreviventes parece uma produção que luta — tanto quanto os seus personagens — para chegar a uma conclusão. Apesar de um início intrigante e um final de tirar o fôlego, o meio parece se perder com suas reafirmações.
Algumas que já cansaram de ser ditas em outras produções coreanas. Happiness, por exemplo, dorama de 2021, utiliza boa parte da trama da “insegurança da casa própria” apresentada em Sobreviventes, mas com uma pitada de zumbis. Assim como All of Us Are Dead, que nos lembra como colégios também podem ser uma fonte de horrores terríveis.
Mas, mesmo com esse tom “repetitivo”, ainda é possível tirar proveito da “utopia de concreto” de Taehwa. Em uma época onde todos parecem ser divididos entre estrangeiros e conterrâneos, refugiados e nacionalistas, Sobreviventes usa um desastre de repercussões irreais para lembrar que, no final, somos apenas “pessoas comuns”.
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