Crítica – Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice usa a nostalgia para rir de si mesmo

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Crítica – Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice usa a nostalgia para rir de si mesmo

Por Jaqueline Sousa

Quando o Wonka (2023) de Paul King (As Aventuras de Paddington) chegou aos cinemas, a celebração do fantástico que o filme fez com fontes de chocolate e sequências musicais retomou algo que boa parte da indústria cinematográfica parece estar deixando de lado: o amor pelo simples ato de imaginar. É isso que Tim Burton faz em suas obras – como em sua versão de A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005) ou no Os Fantasmas se Divertem (1988) original – mas ele usa a suspensão da descrença de um maneira mais sombria, irônica e aterrorizante do que assistir a Timothée Chalamet (Duna) cantando sobre seguir os seus sonhos.

O apreço pela imaginação é algo que permeia as obras de Burton, mesmo que ele esteja em um momento não tão inspirado (como aconteceu no remake live-action de Dumbo em 2019). Definitivamente, é isso que também se nota em Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice, sequência do clássico oitentista que marcou as carreiras de Michael Keaton (Birdman) e Winona Ryder (Stranger Things) na época. Embora seja uma produção irregular e com subtramas pouco desenvolvidas, o segundo filme da saga do infame Beetlejuice ri de si mesmo sem muito compromisso, algo que, de certa maneira, não deixa de dialogar com as insanidades de um certo fantasma de terno listrado, mesmo em meio a inconsistências.

Ficha técnica

Título: Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice

 

Direção: Tim Burton

 

Roteiro: Alfred Gough e Miles Millar

 

Data de lançamento: 5 de setembro de 2024

 

País de origem: Estados Unidos da América

 

Duração: 1h 44min

 

Sinopse: Depois de uma tragédia familiar inesperada, três gerações da família Deetz voltam para casa em Winter River. Ainda assombrada por Beetlejuice, a vida de Lydia vira de cabeça para baixo quando sua filha adolescente rebelde, Astrid, descobre a misteriosa maquete da cidade no sótão, e o portal para a vida após a morte é acidentalmente aberto. Com problemas em ambos os reinos, é apenas uma questão de tempo até que alguém diga o nome de Beetlejuice três vezes, e o demônio travesso volte para levar ao mundo seu próprio estilo de caos.

Pôster de Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice.

O retorno de Beetlejuice

Caminhando pelas ruas da pacata Winter River, é fácil perceber como as aparências enganam. Basta um olhar mais atento para entender que até mesmo aquela casa grandiosa e supostamente inofensiva pode esconder segredos malignos, como vermes de areia perigosos e uma burocracia sem fim que poderia muito bem ter saído de uma obra kafkiana. É isso que, cada um à sua própria maneira, os personagens de Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice vão descobrindo aos poucos durante uma narrativa que assume a nostalgia sem falsa modéstia.

Percorrendo três gerações da família Deetz, o segundo filme do fantasma desbocado de Michael Keaton usa cantos não tão explorados do original – principalmente no que diz respeito ao mundo do pós-vida – para retomar elementos do primeiro longa, muito como uma maneira de (re)construir um laço afetivo com o público 30 anos depois que Os Fantasmas se Divertem chegou às telonas, enquanto apresenta esse universo para novos olhares e até traz um vislumbre de crítica aos tempos modernos, onde tudo vale um clique pelo preço certo.

É assim que, enfim, reencontramos Lydia Deetz (Winona Ryder), aquela jovem mórbida e reclamona que despertou a ira de Beetlejuice na década de 80. Alguns bons anos depois de derrotar o besouro demoníaco, Lydia agora usa seus dons sobrenaturais como um ganha-pão de todos os dias à medida que lida com a exaustão mental, um amado tão fragilizado quanto ela e a filha que não quer vê-la nem pintada de ouro. Para piorar tudo, uma tragédia na família desencadeia uma série de situações inusitadas que, literalmente, trazem de volta demônios do passado que parecem querer se divertir ainda mais do que antes (não do jeito positivo, claro).

Três gerações da família Deetz encaram uma nova aventura em Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice.

Isso vai parecer um comentário nada motivacional, mas Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice é exatamente aquilo que você poderia esperar de um clássico oitentista que retorna às salas de cinema justamente em uma época em que Hollywood olha mais para o passado do que para o futuro. Os elementos afetivos estão todos ali: canções que remetem ao filme de 1988, a estrutura narrativa que repete a antecessora e os comentários insanos de Beetlejuice (que, em certa medida, parece estar um pouco mais comedido agora do que no primeiro longa).

Claro que esse conjunto de fatores dialoga com a necessidade do lado de lá em recuperar a magia de Os Fantasmas se Divertem para tentar “justificar” um retorno. O quesito monetário está sempre ali (obviamente), mas o que faz o novo Beetlejuice destoar do marasmo da nostalgia pela nostalgia (que fãs de Star Wars, por exemplo, estão mais do que acostumados) é a mão de Tim Burton, que amparado pelo roteiro de Alfred Gough (As Crônicas de Shannara) e Miles Millar (As Crônicas de Shannara), consegue usar a imaginação como o maior trunfo da sequência.

Em meio ao domínio do CGI, Burton aposta no lado cartunesco e inventivo da coisa para fazer um Beetlejuice divertido e descompromissado que, mesmo afogado no passado, sabe ironizar a si mesmo usando efeitos que extrapolam o lado “realista” da narrativa com elementos quadrinescos que certamente remetem à experiência do cineasta na animação.

Novo Beetlejuice assume bizarrice para rir de si mesmo em meio ao caos nostálgico.

Seja no visual surrealista do colorido verme de areia, que parece ter saído de uma pintura de Salvador Dalí, ou na caracterização de Monica Bellucci (Matrix Reloaded) como a vingativa Delores, que parece uma versão live-action ainda mais macabra de A Noiva-Cadáver (2005), Beetlejuice Beetlejuice ganha força nos momentos em que dispensa qualquer normalidade para aderir à loucura e ao bizarro, sem se preocupar se aquilo vai fazer qualquer sentido na narrativa.

Bom, levando em consideração que é uma produção assinada por Burton, o “anormal” é justamente a beleza da coisa, e a sequência do filme dos anos 80 não tem medo de assumir sua bizarrice para fazer comentários mórbidos e ácidos à medida que desbrava o mundo dos mortos com direito a cores vívidas, detalhes cartunescos e até mesmo um macabro bebê demônio que poderia ter saído do insano Fome Animal (1992).

Um é pouco, dois é bom e três é demais

Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice não escapa das amarras do passado para celebrar seu próprio universo e ainda homenagear o legado do filme de 1988, afinal seria ingênuo esperar que o filme de Burton não olhasse para o que ficou para atrás. Isso fica claro à medida que vamos acompanhando mais uma aventura de Lydia Deetz, que agora precisa enfrentar um problema ainda maior do que ter que se livrar de um casamento forçado com Beetlejuice: Astrid (Jenna Ortega), sua filha adolescente que a odeia.

Mas apesar de ser uma escolha clichê para a trama, repetir a relação conturbada entre pais e filhos, uma temática que também está presente em Os Fantasmas se Divertem através da rebeldia da jovem Lydia, é o ponto que mais se destaca na trama de Beetlejuice Beetlejuice. Com o magnetismo da performance de Winona Ryder, que sabe mais do que ninguém como abraçar as estranhezas da vida, a narrativa que trabalha a relação de Lydia com Astrid também ganha força com a naturalidade de Jenna Ortega, que já está mais do que acostumada com o universo de Burton graças a seu trabalho de sucesso na série Wandinha, da Netflix.

Naturalidade de Jenna Ortega no terror mostra que atriz vai muito além do sucesso de Wandinha.

Logo, o que poderia parecer apenas “mais do mesmo”, na verdade, acaba se transformando em um grande acerto do novo Beetlejuice. Muito disso, claro, vem da competência de Burton em se voltar para o universo de estranhezas que levou seu nome ao estrelato na indústria cinematográfica e da performance de seu grande elenco, com destaque para o trabalho conjunto de Ryder e Ortega.

Ainda assim, Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice parece um filme estufado. Não visualmente falando – até porque é justamente o caos visual que dá o tom tão divertido e surreal do longa – mas no sentido de que existe a sensação de que tudo acontece ao mesmo tempo, mas nada acontece no final das contas. Há uma falta de foco na narrativa que prejudica o desenvolvimento de suas muitas subtramas, trazendo uma resolução quase anticlimática para muitas delas.

Monica Bellucci, por exemplo, cuja ameaçadora personagem aparece na narrativa quase como um sonho febril, protagoniza uma das sequências visualmente mais interessantes do novo filme assim que é introduzida para apenas existir na trama logo em seguida. O excelente Willem Dafoe (Pobres Criaturas), que faz praticamente uma paródia de Tom Cruise (Missão: Impossível) no pós-vida, também tem seus momentos, mas não ganha força na história graças à saturação de tramas que precisam ser abordadas o quanto antes para que, no final, elas sejam solucionadas.

Quase uma Noiva Cadáver, Monica Bellucci não tem trama muito bem desenvolvida no novo Beetlejuice.

Não é algo que incomode a ponto de Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice se perder totalmente em si mesmo, mas isso deixa a desejar quando olhamos para nomes tão interessantes quanto Bellucci e Dafoe, que poderiam ter recebido uma atenção melhor na trama se houvesse tempo para isso. Por outro lado, o Rory de Justin Theroux (The Leftovers) e a Delia Deetz da grandiosa Catherine O’Hara (Esqueceram de Mim) encontram um equilíbrio cômico tão natural que, até mesmo no momento mais insano da trama, faz com que você simplesmente abrace a bizarrice de corpo e alma.

É assim que Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice chega aos cinemas quase 40 anos depois que o primeiro Beetlejuice marcou os anos 80 com um jantar dançante, uma maquete endemoniada e um fantasma inconveniente. Não é uma obra que quer dizer algo (e nem precisa, caso não queira), mas que provavelmente vai se beneficiar da onda de nostalgia que vem acometendo o cinema. Afinal, sequências sabem como afagar o coração de fãs usando referências e easter-eggs que vão te fazer suspirar ao se lembrar de algo que te marcou de alguma forma, e Beetlejuice Beetlejuice certamente não escapa disso.

Porém, reencontrar o personagem de Keaton (que também está tão natural no papel que nem parece que a última vez que vestiu seu terno listrado nas telonas foi na década de 1980) no universo tecnológico e instável da atualidade trouxe um aspecto interessante por ser um filme que soube como reinventar seu próprio universo sem deixar de dialogar com as exigências do mercado cinematográfico de hoje em dia, para o bem ou para o mal. O que o filme deixa com a gente, no final de tudo, conversa bastante com a sequência alucinógena que encerra Beetlejuice Beetlejuice: uma boa dose de bizarrice não machuca ninguém, pelo contrário, às vezes é tudo que precisamos para nos divertir em meio ao caos.

Nota: 3,5/5.

Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice estreia em 5 de setembro nos cinemas.

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