Crítica: Novo Meninas Malvadas, de 2024, quer reverter todo o mal que filme original fez
Crítica: Novo Meninas Malvadas, de 2024, quer reverter todo o mal que filme original fez
Não é uma tarefa fácil, mas alguém tem que fazer
Regina George é um nome que entrou para a história. A vilã de Meninas Malvadas, um clássico atemporal de 2004, é o mal em forma de gente. Todo esse charme loiro e cor-de-rosa inspirou uma geração inteira de gays tóxicos a serem egoístas, traiçoeiros e descarados, igualzinho a ela. Não que isso seja um problema, mas o novo filme musical tenta reverter um pouco do estrago que o original causou. Com adição de músicas bem pertinentes, Meninas Malvadas (2024) reprisa a história clássica com um olhar mais crítico.
Ficha técnica
Título: Meninas Malvadas (Mean Girls) (2024)
Direção: Samantha Jayne e Arturo Perez Jr.
Roteiro: Tina Fey
Data de lançamento: 11 de janeiro de 2024
País de origem: Estados Unidos da América
Duração: 1h 52min
Sinopse: Cady é uma aluna nova no Ensino Médio e decide se infiltrar no grupo das populares para acabar com o reinado de Regina George. Mas no processo, em meio de muita música, pode acabar se tornando algo pior.
Conheça a nova Regina George
Baseado na peça da Broadway escrita pela mesma roteirista do filme, Tina Fey, o longa conta mais um vez a história de Cady (Angourie Rice), uma adolescente que morava isolada na África com sua mãe e agora precisa enfrentar a selvagem vida escolar de um colégio dos Estados Unidos. Em sua jornada, a jovem vai contar com a ajuda dos rejeitados Janis (Auli’i Cravalho) e Damian (Jaquel Spivey) para se infiltrar e derrotar o grupinho das garotas populares de dentro para fora.
Na essência, a trama permanece a mesma, porém a forma em que a história é contada é bastante diferente. Sem entrar no mérito do lado musical — que é muito bem trabalhado, mesmo que não agrade a todos — o próprio roteiro assume um tom mais diplomático, que se afasta do jeito caricato e irreverente do original. Não apaga o lado mais problemático, que deixa personagens como Regina George tão interessantes, mas se preocupa em trabalhar os principais personagens com mais nuances, para deixá-los mais humanos.
Nesse processo, Regina George é a maior beneficiada. Suas ações não parecem mais puramente malvadas. Existe uma preocupação em trabalhar um lado gentil à garota em grande parte do filme. Suas ações, apesar de esconderem motivações dúbias, não são tão abertamente ardilosas. Ela ainda humilha publicamente pessoas, mas para defender suas amigas de machismos e outras situações desagradáveis. Todas as suas ações parecem ter um certo equilíbrio moral: provocam ao mesmo tempo reprovação e compreensão.
O carisma da personagem permanece intacto, ainda mais com a fenomenal atuação de Renée Rapp. Enquanto o primeiro filme ficou muito marcado pelo charme magnético de Lindsay Lohan como Cady, neste filme é a antagonista quem assume os holofotes. Sinal de que a tática de humanizar a personagem deu certo, exatamente por entender o limite de como manter a responsabilidade social, que a obra se propõe, sem sacrificar o carisma do longa.
O lado musical de Meninas Malvadas funciona?
Em certos momentos, Meninas Malvadas (2024) consegue ser ainda mais carismático que o clássico graças ao seu lado musical. As músicas funcionam muito como uma expansão deste processo de aprofundamento dos personagens, com coreografias que servem como uma representação visual de seus sentimentos. Às vezes peca na redundância, verbalizando informações que eram óbvias pelo contexto, mas sempre um espetáculo visual.
Como um mergulho na imaginação dos personagens, as apresentações não tem medo de abraçar um lado lúdico, como na excelente música Revenge Party. Funciona como uma forma interessante de permitir que os números sejam tão grandiosos quanto for necessário sem quebrar a imersão na trama, de forma similar a outros grandes nomes do gênero como a série Crazy Ex-Girlfriend (2015-2019). A execução técnica bem disciplinada típica do teatro musical, marcante na apresentação de I’d Rather Be Me e seu plano sequência, também chama bastante atenção.
Auli’i Cravalho, protagonista deste momento que você pode conhecer como a Moana da Disney, é quem mais se destaca nesses números musicais. A atriz deu sorte de pegar as músicas com as melhores letras e ainda injetou tanta personalidade que sua interpretação, enquanto dança e canta, rouba completamente os holofotes. Renée, como Regina George, é outra que chama muita atenção nas coreografias, mas por outro motivo. Com exceção de Someone Gets Hurt, suas canções não são as mais inspiradas, mas ela consegue compensar com uma atuação bastante expressiva e manipuladora.
No meio de tanto brilho, canto e drama, Angourie Rice, que deveria ser a protagonista da história, acaba ficando bem apagada. Do elenco principal, ela é quem tem a menor presença em cena. Bebe Wood está ótima como Gretchen, trazendo sempre uma camada de trauma à melhor amiga da garota popular. E Avantika tem um número musical incrível como Karen. Navegando entre personalidades tão fortes, a doce Cady acaba parecendo meio perdida e Rice não consegue em momento algum roubar a cena.
Pecando pelo excesso
Mas mesmo com uma protagonista sem muito fôlego, o bom humor consegue salvar o ritmo do filme. O diálogo pode ser um pouco inconsistente, oscilando entre umas frases bem batidas e umas verdadeiras pérolas. Mas quando acerta, faz rir de perder o fôlego. O longa sabe aproveitar piadas físicas também, que usam bem a corporeidade dos atores e são mais presentes em comédias antigas. Os professores, por exemplo, são mestres nisso. Mas talvez ninguém faça melhor que Jaquel Spivey.
No papel do melhor amigo de Cady, o homem tem uma veia cômica tão desenvolvida que consegue fazer rir com a sua entrega mesmo quando as piadas não são lá essas coisas. Spivey se apropria até mesmo de referências ao filme original com uma segurança que hipnotiza. Mesmo que seu personagem não tenha o mesmo cuidado dramático do resto do elenco, consegue compensar bastante com a sua contribuição pro lado cômico.
Entretendo o público em meio a piadas e canções, a mensagem moral do filme poderia acabar ficando difusa no roteiro. O que não seria de todo ruim. Melhor que a alternativa escolhida de tornar essa lição o mais explícita possível. Parece quase como aqueles filmes que os professores adoram passar na escola quando não estão afim de dar aula. Mas na ânsia de não abrir interpretações tóxicas para a história, a roteirista acabou com um texto extremamente didático e condescendente.
O longa subestima ao máximo a capacidade do público de aprender sozinho com seus acontecimentos. Em diversos momentos, os diálogos e até algumas canções fazem questão de apontar o dedo para o público para dizer as coisas mais óbvias, como “bullying é errado”, “não devemos rivalizar mulheres” ou “todos somos responsáveis por nossos comportamentos”.
Compreensível que o estrago que o original tenha causado na personalidade de tanta gente tenha deixado um trauma e até uma pressão nos produtores da sequência. Certamente deixou um trauma em quem precisou lidar com esses marmanjos que não sabem distinguir realidade e ficção por todos esses anos. Mas das inúmeras respostas elegantes que poderiam ser encontradas para a questão, parece que optaram pela menos polida. Nem parece o mesmo roteiro que soube trazer humanidade à complexa Regina George.
Veredito
No fim, Meninas Malvadas de 2024 é um produto do seu tempo, da melhor e da pior maneira possível. O longa é um verdadeiro espetáculo que digere os perigos da busca inconsequente por notoriedade na era digital e peca no excesso ao tentar regurgitar suas conclusões à força na goela do público. Felizmente as falhas no roteiro são compensadas por uma direção competente, números musicais bem planejados e um humor acima da média.