Crítica – Divertida Mente 2 entretém mas não consegue sair da sombra do antecessor
Crítica – Divertida Mente 2 entretém mas não consegue sair da sombra do antecessor
Com novas emoções, como a elétrica Ansiedade, a sequência da animação de 2015 da Pixar prefere seguir pelo caminho seguro ao invés de se reinventar
Ser humano é ser contraditório. É acordar pulando de alegria só para, alguns minutos depois, sentir uma onda de ressentimento com alguma percepção ruim. É sentir amor, inveja, felicidade, angústia. Ou também sentir rancor e compaixão. Ser humano é ser complexo e transitar entre nuances emocionais que nem mesmo nós – aqueles que as sentem fervorosamente – entendemos. E é justamente essa complexidade de emoções que Divertida Mente 2, a sequência do sucesso da Pixar lançado em 2015, busca explorar.
Com direção de Kelsey Mann (O Bom Dinossauro), o segundo Divertida Mente chega aos cinemas quase uma década após o lançamento do primeiro, em um cenário de crise nos corredores da Pixar Animation Studios, que há tempos não consegue emplacar um sucesso nas telonas como acontecia em sua época de ouro. A boa notícia é que a segunda aventura de Riley, Alegria, Tristeza e companhia consegue manter a atmosfera divertida e aventuresca de seu antecessor de um jeito levemente mais maduro, conquistando mérito por talvez ser o melhor acerto da Pixar dos últimos anos – mesmo que isso não queira dizer muita coisa vindo de um estúdio que segue lutando para encontrar relevância hoje em dia com mais decepções do que vitórias.
Ficha técnica
Título: Divertida Mente 2
Direção: Kelsey Mann
Roteiro: Dave Holstein e Meg LeFauve
Data de lançamento: 20 de junho de 2024
País de origem: Estados Unidos da América e Japão
Duração: 1h 36min
Sinopse: Retorne à mente da adolescente Riley durante o momento em que a sede de seus sentimentos (sua mente) está passando por uma demolição repentina para dar lugar a algo totalmente inesperado: novas emoções! Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojo, que há muito tempo administram uma operação bem-sucedida em todos os sentidos, não têm certeza de como se sentirão quando a Ansiedade aparecer.
Libere o espaço para novas emoções
Você pode até não lembrar do momento específico em que sentiu seu corpo mudando, as roupas encolhendo e as espinhas aparecendo no rosto. Mas certamente deve guardar na memória o momento em que percebeu que estava deixando a inocência da infância para entrar na floresta sombria e conturbada da adolescência.
É exatamente essa sensação que Riley (Kensington Tallman) finalmente conhece em Divertida Mente 2. Enfrentando os horrores da puberdade para além das mudanças físicas, a garota de Minnesota passa a lidar com novas emoções à medida que mergulha nos primeiros anos da adolescência, conhecendo aqueles sentimentos extremos e exagerados que somente essa fase tão transformadora pode proporcionar.
Dentro da cabeça de Riley, o caos reina. Alegria (Amy Poehler), Tristeza (Phyllis Smith), Raiva (Lewis Black), Medo (Tony Hale) e Nojinho (Liza Lapira), as emoções primárias de Riley que ajudaram a moldar a personalidade alegre e confiante da jogadora de hockey, também enfrentam mudanças drásticas com a chegada das novas emoções da garota – a Ansiedade (Maya Hawke), a Inveja (Ayo Edebiri), a Vergonha (Paul Walter House) e o Tédio (Adèle Exarchopoulos) – uma reestruturação inesperada que faz com que Riley e suas emoções repensem o real significado do “ser”.
Com essa premissa na bagagem, Divertida Mente 2 repete o que fez o primeiro filme chamar atenção ao tratar de uma temática tão complexa como a mente humana de um jeito divertido e, bem, humano. Se na primeira animação o olhar está na infância de Riley, que precisa lidar com todas as frustrações e anseios que aparecem com a mudança de casa para São Francisco, o segundo filme usa a fase da puberdade para tratar de inseguranças tão universais quanto o medo de não pertencer a um grupo social, a vergonha de não ser “descolado” o bastante na escola ou as dúvidas sobre o aterrorizante futuro que se aproxima.
A diferença é que, nessa segunda rodada, Divertida Mente consegue trazer um pouco mais de maturidade à história, que provavelmente só será compreendida e sentida com maior intensidade pelo público mais adulto ou aqueles que estão passando pela mesma fase de Riley. Porém, essa carga de maturidade vem acompanhada de algumas escolhas narrativas que fazem com que a animação perca um pouco de seu brilho à medida que a história avança.
O tempo todo, há uma sensação inquietante de falta algo em Divertida Mente 2. Embora a adição das novas emoções – principalmente a Ansiedade, que é o grande destaque do novo filme – incremente o universo da animação, a sequência volta a bater a tecla da dificuldade que a Pixar vem tendo ao produzir sequências de grandes sucessos do estúdio. Com exceção das animações de Toy Story, filmes como Universidade Monstros (2013), Os Incríveis 2 (2018) e Procurando Dory (2016), por exemplo, tentam conquistar a atenção do público pela nostalgia, mas nenhum deles consegue se sustentar sozinho.
Universidade Monstros talvez seja a sequência que mais caminhe por uma estrada diferente e interessante, mas animações como Procurando Dory e Os Incríveis 2 se tornaram tão esquecíveis que é difícil conceber como um estúdio tão competente deixou sua originalidade ser ofuscada por produções vazias e tão apáticas quanto Elementos (2023).
Divertida Mente 2 está longe de ser uma animação ruim, mas também não faz muito esforço para sair da sombra de seu antecessor. É quase como se a sequência quisesse ser o primeiro filme para se manter na segurança de algo que já deu certo. Afinal, a estrutura narrativa é praticamente a mesma: enquanto no primeiro Alegria e Tristeza embarcam em uma aventura na mente de Riley para retornar à cabine de controle das emoções, o segundo segue basicamente a mesma linha, novamente se apegando a elementos conhecidos do primeiro filme, como a Terra da Imaginação, para acompanhar a jornada das emoções de Riley que acabam sendo expulsas do centro de comando com a chegada dos novatos.
Tudo parece muito cômodo, mesmo com piadas e certas sacadas interessantes sobre a mente humana. E isso faz com que Divertida Mente 2 deixe uma sensação estranha de déjà vu, como se você estivesse assistindo a algo que já viu antes, mas com a certeza de que, da primeira vez, foi bem mais divertido e empolgante.
As possibilidades aterrorizantes do futuro
Divertida Mente 2 erra quando se apega demais ao seu antecessor, mas ainda há bons acertos na animação. O maior deles é a Ansiedade, uma emoção que chega assim que Riley entra na puberdade e ganha a chance de mostrar seu talento no hockey para conseguir uma vaga em um popular time do ensino médio. Cheia de dúvidas sobre o futuro, as amizades e a impressão que ela quer passar para os alunos mais velhos, Riley enfrenta mudanças radicais em sua personalidade, que passa a ser dominada inteiramente pelas sensações de nervosismo, desconforto e preocupação que aparecem com a chegada da emoção laranja.
Com uma energia tão eletrizante e sobrecarregada que parece ter saído dos filmes dos irmãos Safdie, a Ansiedade é a personagem mais bem desenvolvida da nova animação da Pixar. Usando um suéter listrado e com olhos esbugalhados de quem passou a noite inteira pensando em cenários que nunca vão acontecer, a Ansiedade personifica o papel de vilã da história justamente por assumir o controle da cabeça de Riley com a falsa ideia de que apenas se preocupa com o futuro da garota e que não pode deixar que nada de ruim aconteça com ela.
Assim, a Ansiedade liga nos 220v e começa a traçar detalhadamente cada cenário e circunstância que pode atrapalhar a vida de esportista de Riley, sem perceber que essa mesma preocupação pode arruinar a essência dela. E a trama consegue desenvolver essa ameaça de um jeito bastante convincente e sensível, mesmo que não consiga transmitir a mesma emoção do primeiro filme graças aos atalhos que o roteiro pega no meio do caminho para “facilitar” a jornada.
É uma escolha identificável, especialmente para o público adulto que já sentiu aquelas palpitações e respirações aceleradas que surgem com a chegada da ansiedade no nosso corpo. O medo do que vai acontecer é paralisante e nocivo para nós, e Divertida Mente 2 sabe como usar sua protagonista para, mais uma vez, universalizar uma temática e fazer com que o espectador se sinta representado por aquilo.
Não que exista um problema grandioso em tratar de tópicos universais e extremamente identificáveis por qualquer pessoa – afinal, estamos falando de uma animação destinada ao público infantil (em teoria) e que sabe usar seu universo colorido e uma arte detalhista para transmitir suas mensagens. E a animação realmente faz um bom trabalho em mostrar visualmente como as nossas emoções nunca estão no preto ou no branco e, sim, que elas evoluem ao longo da nossa vida, ganhando nuances e complexidades distintas. Porém, recorrer ao universal nem sempre é a melhor saída se isso é feito de maneira automatizada e até mesmo mecânica.
Em vista disso, Divertida Mente 2 acaba se perdendo no inconsciente de Riley por se apegar demais ao bem-sucedido antecessor, perdendo um pouco de seu diferencial quando tenta repetir, sem qualquer esforço, os acertos do passado. Ainda assim, existe algo interessante na nova animação que pode apontar um novo caminho para a Pixar no futuro, se o estúdio foi inteligente e determinado o bastante para conseguir reencontrar o seu “eu” verdadeiro, como Riley sempre consegue fazer. A ficção não é a realidade, claro, mas talvez uma reestruturação do centro de controle das emoções da Pixar também seja inevitável, assim como a adolescência foi para a protagonista de Divertida Mente.
Divertida Mente 2 estreia em 20 de junho nos cinemas.
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