Crítica – Deadpool & Wolverine reforça que a Marvel ainda não aprendeu com os erros do passado
Crítica – Deadpool & Wolverine reforça que a Marvel ainda não aprendeu com os erros do passado
Mesmo que tenha mantido o sarcasmo escrachado dos filmes anteriores, estreia do Deadpool no MCU foca na nostalgia para esconder mediocridade
É cíclico pensar que, após várias piadinhas e referências ao longo da breve franquia, o excêntrico Deadpool finalmente se uniu ao rabugento carcaju de Hugh Jackman para estrelar uma nova e debochada aventura. Com direção de Shawn Levy (Free Guy: Assumindo o Controle), Deadpool & Wolverine marca a chegada de mais um filme do mercenário tagarela, desta vez com a complicada missão de introduzir um personagem moralmente duvidoso e com a boca afiada por muitos palavrões no Universo Cinematográfico da Marvel.
Claro que, mantendo a tradição de não perdoar nada e nem ninguém, Ryan Reynolds veste o uniforme vermelho do Deadpool novamente em um filme que, honestamente, é tudo que você espera de um longa do mercenário na Disney – pendendo mais para o lado negativo da coisa do que para o positivo. Com visuais chapados e tão apáticos que não despertam o mínimo de curiosidade, Deadpool & Wolverine reforça que a Marvel não aprendeu com os erros do passado, apegando-se em demasia a participações especiais e à clássica nostalgia do fan service, que acabam cegando o público para que a pobreza criativa que vem afetando o estúdio há uns bons anos passe despercebida.
Ficha técnica
Título: Deadpool & Wolverine
Direção: Shawn Levy
Roteiro: Shawn Levy, Rhett Reese, Ryan Reynolds, Zeb Wells e Paul Wernick
Data de lançamento: 25 de julho de 2024
País de origem: Estados Unidos da América
Duração: 2h 07min
Sinopse: Wolverine está se recuperando quando cruza seu caminho com Deadpool. Juntos, eles formam uma equipe e enfrentam um inimigo em comum.
Chegando juntos no MCU
Se Deadpool 2 (2018) abre com uma cena onde vemos o mercenário tagarela fazendo piada com a morte do Wolverine – ele ainda usa uma action figure do herói de poucas palavras apunhalado em uma pedra – Deadpool & Wolverine vai muito além disso ao profanar o tão precioso legado do mutante com uma abertura que até parece promissora pela maneira como, do seu jeitinho especial, Wilson não dá a mínima para o que o final de Logan (2017) estabeleceu.
À primeira vista, é uma sequência interessante por justamente brincar com a ideia de macular algo que é sagrado para os fãs, afinal a morte de Logan no filme de James Mangold marcou também um encerramento de ciclo para Hugh Jackman, que vinha interpretando o carcaju desde os polêmicos filmes da Fox nos anos 2000. Olhando por esse lado, Deadpool & Wolverine acerta por não abandonar o estilo debochado e metalinguístico da franquia que, após a aquisição da 20th Century pela Disney, jogou o mercenário diretamente no colo da Marvel Studios. Mas, à medida que os minutos passam, fica claro que a chegada do anti-herói na Disney não é exatamente a salvação messiânica que o filme insiste em reforçar, pelo menos não quando estamos falando do lado criativo da coisa.
Com um salto temporal que provoca algumas mudanças em sua vida, Wade Wilson (Ryan Reynolds) está em busca de um novo propósito em Deadpool & Wolverine. Longe das pistas sangrentas de uma missão suicida, Wilson tenta a todo custo ser o herói que ele tanto sonhava, mas a imprevisibilidade da vida – e algumas mancadas aqui e acolá – o levaram para um lugar de introspecção e desânimo. Bom, isso até a Autoridade de Variância Temporal, ou apenas AVT, bater na sua porta com uma proposta irrecusável.
Desbocado e ansioso para salvar o mundo como um bom Vingador, Deadpool, então, parte em uma aventura heróica que acaba saindo completamente dos trilhos depois de um encontro decepcionante com Paradox (Matthew Macfadyen), um agente intrigante da AVT que o coloca de frente para uma missão complicada que pode destruir tudo aquilo que o mercenário ama na vida. Para a felicidade de Deadpool, a salvação existe, mas o fato de que ela está personificada no rabugento e mal-humorado Wolverine (Hugh Jackman) vai colocar um desafio a mais nessa jornada.
Com a promessa de entregar o seu próprio buddy movie, Deadpool & Wolverine coloca os personagens titulares em uma aventura mútua de descobrimento de seus próprios limites, enquanto ambos, cada um com suas inseguranças particulares, aprendem a lidar com as suas diferenças para conquistar o objetivo final. Aqui, Reynolds e Jackman formam uma dupla até que formidável por terem criado uma química forte entre as duas figuras, mesmo quando a narrativa fraca não tem muito para oferecer. É uma dinâmica que funciona dentro do que o filme pede – e, honestamente, é um filme que não exige muita coisa nem mesmo das suas estrelas, principalmente papéis coadjuvantes que acabam servindo mais como pano de fundo esquecível em uma trama que está mais preocupada em fazer pausas para que o público vibre por uma participação especial do que elaborar uma narrativa interessante.
Afinal, para a Marvel, fazer números é fácil: basta colocar um punhado de aparições surpresas, fazer referências incansáveis e focar em uma divulgação que coloca nos fãs o tal do medo do spoiler. Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (2021), por exemplo, fez isso tão bem que conseguiu se vender para muita gente como um filme impressionante, sendo que tudo que ele faz em duas horas e meia é regurgitar velhos conhecidos dos fãs para conseguir fazer uma bilheteria milionária com base em uma nostalgia barata.
Deadpool & Wolverine segue o mesmo caminho, embora de um jeito menos megalomaníaco que o terceiro filme do Homem-Aranha de Tom Holland. Boa parte do apelo, claro, está nas garras e no clássico uniforme amarelo do Wolverine de Hugh Jackman, que faz uma performance mais amarga e revoltada do que aquela que estávamos acostumados a ver em filmes dos X-Men.
Isso não significa, contudo, que o Wolverine não entre no meio das diversas piadas metalinguísticas que o filme faz, um elemento que, unindo-se ao “humor Marvel” de ser, gera provocações que extrapolam o universo apresentado em tela com piadas autorreferentes sobre a compra da Fox pela Disney, por exemplo, ou até mesmo as várias críticas feitas ao MCU em tempos de crise. O problema é que, por mais “transgressoras” que pareçam, a insistência do filme em reciclar os mesmos comentários acaba fazendo com que tudo perca o propósito, como quando ficamos repetindo uma palavra até ela perder o sentido na nossa cabeça.
Quem tem medo do MCU?
Deadpool & Wolverine pode até se apresentar como uma chegada messiânica capaz de retomar o prestígio que o MCU tinha na época de ouro do estúdio. E pode até ser que, falando em lucros, apostar no carinho do público por Hugh Jackman e a curiosidade para saber como o Deadpool vai se comportar na Disney realmente coloque a Marvel de volta no jogo bilionário dos blockbusters. Pena que, criativamente falando, isso não signifique absolutamente nada.
Há anos a Marvel parece estar correndo atrás de algo que não volta mais. Afinal, os tempos são outros. A tal “fadiga dos super-heróis”, que na verdade tem mais a ver com um cansaço da fórmula Marvel que domina o formato nas telonas, parece ter afastado o público (juntamente com outros fatores, como a influência do streaming e questões socioeconômicas de uma população pós-pandemia) das salas de cinema, é só ver o fracasso de bilheteria que o estúdio enfrentou em 2023. Mas a questão é mais complexa do que isso, se levarmos em consideração que, ao que parece, as pessoas não estão exatamente cansadas de produções de super-heróis, basta ver o sucesso que o Batman (2022) de Matt Reeves fez, ou até mesmo a série The Boys, que segue um estilo de paródia semelhante ao dos filmes do Deadpool mas que ainda consegue ter um apelo mais interessante e coeso do que os longas do tagarela.
Não é também como se a proposta de Deadpool & Wolverine ansiasse por grandes reflexões – quer dizer, o filme até tenta fazer isso usando o conflito interno de Wolverine, que em uma das linhas temporais do vasto multiverso se tornou um alcoólatra sem propósito devido a traumas do passado. Jackman ainda consegue entregar uma boa performance, mas o filme não está muito preocupado em se aprofundar nisso, e está tudo bem. Afinal, não é para isso que o longa veio.
Talvez seja nesse ponto de não se levar tão a sério e não estar preocupado em embarcar no grande “vem aí” do MCU que Deadpool & Wolverine ganhe alguns pontos. Muito disso não vem exatamente das piadas que acabam perdendo o sentido graças ao cansaço nostálgico, mas de performances como a de Emma Corrin, que interpreta a vilã Cassandra Nova como se ela fosse o irmão, Charles Xavier, mas com um parafuso a menos, e a de Matthew Macfadyen, que de um jeito hilário faz uma versão quase cartunesca de Tom Wambsgans, seu personagem na premiada série Succession.
No entanto, não há muito espaço para que o talento de Corrin e de Macfadyen cresça na narrativa, já que o filme prefere se ocupar com pausas para aplausos e um besteirol tão oco que dá para sentir o vazio transparecendo na tela. Nem mesmo os acenos para Mad Max durante as sequências ambientadas n’O Vazio ganham força, pois o visual chapado e morto que carrega o filme inteiro só transforma tudo aquilo em algo medíocre.
A direção de Shawn Levy, por sua vez, não é boa o bastante para superar isso, e até mesmo sequências de ação sofrem com as limitações do diretor, algo que não acontece no morno Deadpool 2, por exemplo, já que o diretor David Leitch, com sua experiência como coordenador de dublês e sua vivência no lado John Wick da coisa, conseguiu dar uma dinâmica mais interessante aos combates do longa.
No final das contas, o terceiro filme do Deadpool se encaixa perfeitamente na expressão “sou fã, quero service”, algo que o MCU aprendeu há tempos com a explosão meteórica de Capitão América: Guerra Civil (2016). Afinal, é mais fácil vender uma marca se o público é o tempo todo ludibriado pelos tentáculos da nostalgia, uma tendência hollywoodiana que vem sufocando a originalidade cinematográfica por ser uma aposta mais segura do que apresentar algo novo. Levando esse ponto de vista em consideração, Deadpool & Wolverine até que conquista seu objetivo, mas o custo para isso é uma perda criativa imensa para um formato que, apesar de ainda encontrar algum fôlego vez ou outra, segue caindo em um buraco de mediocridade cada vez mais profundo.
Deadpool & Wolverine estreia em 25 de julho nos cinemas.
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