Crítica: Coringa – Delírio a Dois falha em justificar sua existência e em tudo o que tenta ser
Crítica: Coringa – Delírio a Dois falha em justificar sua existência e em tudo o que tenta ser
Sequência do sucesso de 2019, Coringa: Delírio a Dois traz esta versão do icônico vilão do Batman de volta, dessa vez acompanhado
Coringa: Delírio a Dois pode ter sido um projeto motivado pelas razões erradas, mas também pudera — se você não se lembra, em 2019, o filme estrelado por Joaquin Phoenix se tornou um fenômeno cultural, arrecadando cerca de 15 vezes o valor de seu orçamento e conquistando várias indicações ao Oscar.
O mais surpreendente, no entanto, é como Todd Phillips e a Warner Bros. não fizeram nem questão de disfarçar que essa sequência, claramente movida por interesses financeiros, carece de alma e qualquer intenção real de transmitir uma mensagem significativa.
Enquanto o primeiro filme gerou debates acalorados, sendo rotulado por alguns como irresponsável e por outros como uma obra-prima, Delírio a Dois não merece nem o título de ‘a sequência menos inspirada de Coringa’, já que suas mais de duas horas de duração parecem uma piada de mau gosto feita sob medida para fazer o espectador perder a conta de quantas vezes revirou os olhos.
Ficha técnica
Título: Coringa: Delírio a Dois
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver
Data de lançamento: 3 de outubro de 2024
País de origem: Estados Unidos da América
Duração: 2h 19min
Sinopse: Coringa: Delírio a Dois, Arthur Fleck está institucionalizado em Arkham à espera do julgamento por seus crimes como Coringa. Enquanto luta com sua dupla identidade, Arthur não apenas se depara com o amor verdadeiro, como encontra a música que sempre esteve dentro dele.
Música como artifício para dar profundidade onde não há
Na trama, encontramos Arthur Fleck (Phoenix), preso há dois anos e aguardando sua possível execução, caso seja condenado pelos crimes cometidos nos eventos do primeiro Coringa. Ele se tornou uma figura notória dentro e fora dos muros do Hospital Estadual de Arkham, onde também está internada Harleen Quinzel (Lady Gaga), por quem Arthur se apaixona perdidamente e com quem se vê, de repente, vivendo em… um musical.
Veja bem, há inúmeros exemplos brilhantes que provam que o musical é um estilo injustamente subestimado, mas Coringa: Delírio a Dois parece determinado a reforçar sua má reputação. O filme é inundado por sequências musicais tediosas e longas, que não apenas falham em acrescentar algo à história, mas também a interrompem de forma irritante. Após algumas dessas interrupções, se torna evidente que a música foi o artifício escolhido por Phillips para tentar embalar sua obra com uma profundidade inexistente.
Não há uma única sequência musical digna de ser lembrada, apesar dos esforços do filme em oferecer alguns visuais chamativos e resgatar canções clássicas dos anos 50 e 60, como For Once in My Life, eternizada por Stevie Wonder, e Close to You, o maior sucesso dos Carpenters. A verdade é que os números musicais parecem tão dispensáveis que poderiam facilmente ter sido deixados na sala de edição que não causaria grandes perdas à trama — quem sabe até traria benefícios.
Algo parecido pode ser dito sobre a Arlequina de Lady Gaga. Inicialmente, ela parece destinada a ser uma peça-chave na trama, mas rapidamente se torna uma mera espectadora dos acontecimentos, tão entediada quanto o público, agonizando em uma cadeira.
É um desperdício de talento, considerando que Gaga já mostrou seu poder de dominar a tela em Nasce Uma Estrela. E, pior ainda, é um desperdício de personagem — Arlequina, uma figura querida e tão brilhantemente retratada em outras versões do universo Batman, aqui é reduzida a uma sombra pálida de seu potencial.
Aliás, é exasperante o quanto o filme fracassa também em incorporar o lore da DC e do Batman de maneira minimamente interessante. Seja na representação apática de Harley, seja ao dar o nome de Harvey Dent a um personagem qualquer, tudo soa como um fanservice raso e preguiçoso. Francamente…
O longa, ambientado quase que inteiramente no opressivo Asilo Arkham, e ocasionalmente no tribunal, faz um trabalho virtuoso ao comunicar o horror sufocante de seus corredores mal iluminados e desgastados. As portas e janelas rangem de maneira assustadora, amplificando ainda mais a sensação de decadência e desespero que permeia o lugar.
Isto, somado à atuação impecável do sempre excelente Joaquin Phoenix, são os maiores triunfos do filme. Phoenix, que ganhou o Oscar pelo papel há alguns anos, retorna com um Arthur perturbado, alternando entre um homem por quem sentimos compaixão e uma figura instável que desperta medo. Trata-se de uma representação complexa e imprevisível, mesmo quando o restante do filme falha em corresponder à altura.
No fim das contas, Coringa: Delírio a Dois não tem uma história para contar. Ele se apoia inteiramente nos ecos do primeiro filme, deixando claro o desinteresse dos realizadores em criar algo novo ou envolvente.
E pensar que o maior truque aqui não é a ilusão de profundidade do filme, mas sim o fato dele nos fazer acreditar que havia algo para ser dito. No fim, Delírio a Dois é a verdadeira “piada”… só que, dessa vez, ninguém está rindo.
Coringa: Delírio a Dois estreia em 3 de outubro nos cinemas brasileiros.
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