Crítica: A Killer Paradox, série da Netflix, coloca Choi Woo-shik em outra trama à la Parasita
Crítica: A Killer Paradox, série da Netflix, coloca Choi Woo-shik em outra trama à la Parasita
Assassinos podem ser heróis?
Em uma mídia inundada por histórias de true crime, não é difícil compreender as falhas do sistema e a urgência de se fazer justiça com as próprias mãos. A Killer Paradox, ou O Paradoxo do Assassino, nova série da Netflix, coloca uma das estrelas de Parasita, Choi Woo-shik, protagonizando uma história que mistura surrealismo, cor e momentos intensos.
Ficha técnica
Título: O Paradoxo do Assassino (A Killer Paradox)
Direção: Lee Chang-hee
Roteiro: Kim Da-min
Data de lançamento: 9 de fevereiro de 2024
País de origem: Coreia do Sul
Streaming: Netflix
Duração: 8 episódios
Elenco: Choi Woo-shik, Son Suk-ku, Lee Jee-joon
Sinopse: Depois de matar uma pessoa sem querer, um homem comum começa a cometer mais assassinatos, e um policial faz de tudo para capturá-lo.
Crime, castigo e superioridade moral
Em 1868, Fiódor Dostoiévski publicava em O Mensageiro Russo, um de seus romances mais famosos: Crime e Castigo. Nele, através de um assassinato que mistura casualidade e premeditação, um homem chamado Raskólnikov fica entre a culpa e superioridade moral. Acreditando ser superior a situação, ele alega que era seu direito matar o agiota. Porém, após ter suas mãos sujas de sangue, o então estudante de Direito se vê caindo em um verdadeiro paradoxo.
Quase 150 anos depois, kkomabi questionou a contradição com seu webtoon: A Killer Paradox. Indo além de uma história que corrói a mente do personagem e seu espectador, kkomabi foi capaz de atiçar a curiosidade do público com críticas sociais, perguntas sem respostas e, surpreendentemente, super-heróis.
O mais interessante dessa jornada de crime, castigo e superioridade moral é como a adaptação da Netflix mistura isso e muito mais em apenas 8 episódios. Na produção, Tang Lee é um jovem sem perspectiva de futuro que se vê sendo perseguido pela polícia após matar alguém acidentalmente.
O único problema é que Lee não matou qualquer pessoa. A sua vítima se tratava de um assassino em série procurado por diversas atrocidades. Não demora para que a linha entre o moral e amoral seja borrada e a pergunta seja feita: Lee é um assassino ou apenas um justiceiro?
Nem tudo é como na Marvel
Entre o Demolidor e o Batman, o público nerd se habituou a questionar as leis e moralidade. Debates envolvendo atos heróicos ou vilanescos foram complexificados após ser adicionada uma pitada de “propósito”. A Killer Paradox, ou O Paradoxo do Assassino, se apoia no mesmo, mas por um olhar diferente, em que o “herói” não usa capa ou máscara e, aparentemente, não tem o auxílio de poderes, colegas de trabalho ou criaturas superpoderosas.
Em outras palavras, é apenas o mundo real. Detetives sem apetrechos em forma de morcego e vilões sem gás do riso. O tom cru da série é o que torna a história ainda mais surreal. Assim como Parasita, filme de Bong Joon-ho, e até mesmo Oldboy, de Park Chan-wook, o que choca aqui não são os crimes hediondos ou as habilidades questionáveis do protagonista, mas sua aproximação com a realidade.
Através dos olhos de Lee, interpretado magistralmente por Choi Woo-sik, de Parasita e Train to Busan, vemos o pior da humanidade. De extorsão, abuso físico e psicológico até o “simples” assassinato. É nessa “podridão” que a questão central da trama fica ainda mais forte. Que um desejo de justiça misturado com retaliação e vingança surge no espectador.
Felizmente — ou infelizmente —, ainda temos o olhar apurado do detetive Jan Nan-Gam, interpretado por Son Suk-ku de D.P., que nos mostra como, apesar da justiça falhar constantemente, ainda existem servidores públicos interessados em fazer o seu melhor.
Mas, assim como todo documentário ou vídeo do Youtube sobre true crime, sabemos que não é o suficiente. No final do dia, apenas uma parcela dos responsáveis por diversas atrocidades variadas são levados à justiça. Então, a pergunta fica: Que fim leva a história de suas vítimas?
O Paradoxo do Assassino
Mesmo se tratando de uma história sangrenta sobre ser assassinado ou se tornar um assassino, A Killer Paradox consegue passar longe da pura “glorificação da violência”. Apesar das cores neon exuberantes, da direção de arte de tirar o fôlego e uma montagem que mistura diferentes tempos cronológicos, sonho e realidade, existe um constante respeito com seus personagens.
Cenas de suicídio — que são muitas, inclusive — não buscam elevar o ato, mas focar nas repercussões e sentimentos por trás. O mesmo se dá com os assassinatos cometidos por Lee, que vão longe da pura violência e tentam contar, aos poucos, como o “vigilante” passou por uma dolorosa desumanização. Seja por ele mesmo, seja por suas vítimas.
Ao fim, o debate moral de Dostoiévski e toda a sua conversa sobre a “superioridade” de alguns é diluída em uma trama que nos lembra que todos somos vilões e heróis das nossas histórias. Que a linha da moralidade pode ser destruída ou reconstruída, para isso é necessário apenas contexto.
E, mesmo com apenas 8 episódios, A Killer Paradox parece pecar pelo excesso. Apesar de boas atuações e uma equipe criativa que transformou cada episódio em uma experiência cinematográfica, o dorama se estende demais em algumas tramas, criando uma ligeira “barriga” no meio.
Ainda assim, o “excesso” não é necessariamente ruim, só pode cansar aqueles que esperam por uma maratona empolgante do início ao fim. Apesar que “empolgação” é uma das palavras que resumem A Killer Paradox. Com cenas que lembram a direção caótica de Oldboy, a série é uma boa combinação de direção de arte, coreografia e roteiro.
A subjetividade da história de Lee parece se infiltrar em cada detalhe do visual, fazendo desta uma experiência essencial para fãs do cinema coreano, mas também para aqueles que gostam de debates escancarados na tela, como os presentes em O Clube da Luta e Um Psicopata Americano.
Aproveite e continue lendo: