Shoujo vs. Shonen: A origem de cada um e as principais diferenças entre eles

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Shoujo vs. Shonen: A origem de cada um e as principais diferenças entre eles

Por Junno Sena

Anime de menina? Mangá para garotos? Para alguns, o universo otaku é dividido em duas extremidades. Entre garotas com poderes mágicos e animes de ação e aventura com protagonistas insistentes, o mundo dos animes e mangás foi dividido em shoujo e shonen. Porém, o que tem sido tratado por tanto tempo como “gênero” pelo público está longe de ter um poder narrativo sobre as histórias dos mangakás.

Isso porque, mais do que um gênero narrativo, categorias como shoujo e shonen se tratam de grupos demográficos. No Japão, animes e mangás, geralmente, são divididos em quatro grupos: shonen, seinen, shoujo e josei. Mesmo que essa categorização permita que algumas histórias compartilhem personagens e enredos similares, isso não significa que estão no mesmo “gênero”.

O que é uma demografia?

Animes e mangás costumam ser setorizados em demografias no Japão

Pelo contrário, as “demografias” são uma setorização de um aspecto da população compartilhado por diversos indivíduos. No caso do shonen — que no original japonês reúne os kanji de “garoto” ou “juventude” e “quadrinhos” —, está relacionado ao público jovem e masculino. Já o shoujo — que reúne os kanji de “garota” e “quadrinhos” —, para um público jovem e feminino.

“Os rótulos shōnen/shōjo/seinen/jōsei não são gêneros, mas sim dados demográficos e, por extensão, significantes de qual revista uma determinada série é publicada. E é possível encontrar uma grande variedade de gêneros representados em uma única revista, portanto, o rótulo ‘shōnen’ por si só não é informativo da mesma forma que ‘ficção científica’ ou ‘comédia’”, explica o tradutor de mangás Caleb Cook.

Desta forma, esses marcadores são uma segmentação para o mercado, separando histórias que seriam mais facilmente vendidas para garotas ou garotos. Porém, ao longo dos anos, os termos acabaram ganhando uma conotação menos “publicitária” e mais “narrativa” para o público, o que fez dos shoujos comumente associados a “romance adolescente”, enquanto os shonen a “ação e aventura”.

A origem das revistas Shonen

Hoje em dia, a Weekly Shonen Jump é a principal revista da demografia shonen

Essa separação editorial com base em gênero não é recente no Japão. Enquanto a primeira revista juvenil era formalmente destinada a qualquer um, como a Shonen Sekai de 1895, a verdade é que o conteúdo das mesmas tinha um foco em rapazes. A situação acabou dando a oportunidade do lançamento da primeira revista shoujo em 1902.

No início, nenhuma dessas revistas publicava mangá. O mercado editorial japonês apenas conheceria a prática de reunir diversas histórias com um mesmo público-alvo em uma revista em 1907, quando a Shonen Pakku foi publicada. A mesma abriu as portas para produções como a Shonen Club, em 1914, e a Yonen Club.

Alguns dos títulos mais populares da época incluíam Norakuro, de Suihō Tagawa, com o famoso cão antropomorfizado na figura de um soldado e Tank Tankuro, de Gajo Sakamoto, sobre um robô que muda de aparência.

Norakuro, de Suiho Tagawa, foi uma das principais produções de mangá no período da Segunda Guerra Mundial

Vale lembrar que o início dos mangás shonen surge no Japão como mais uma forma de propaganda militar a favor do país durante a Segunda Guerra Mundial. A situação apenas mudou no pós-guerra em que, anos antes, as publicações sofreram uma escassez e, então, figuras como Osamu Tezuka surgiram para alavancar a economia japonesa. 

Aos poucos, séries como Astro Boy e Kimba: O Leão Branco foram surgindo. Em 1947, por exemplo, a Manga Shonen publicava trabalhos de Tezuka, Leiji Matsumoto e Shotaro Ishinomori. Em 1950, houve um aumento das vendas de revistas de mangá até a Weekly Shonen Jump, a publicação mais famosa dos dias de hoje, ser publicada em 1968.

A origem das revistas Shoujo

Mesmo com a demografia shoujo tendo surgido tão próxima dos shonen, isso não significou que o estilo de mangá shoujo se desenvolvesse tão rápido quanto a sua “contraparte” masculina. As primeiras revistas voltadas a um público feminino datam de 1902 e seguem até 1923. Algo que se destacava nessas revistas era o fato de trazerem “novelas” focadas em romance e amizades.

Mesmo criados na mesma época, a demografia shoujo não evoluiu da mesma forma que o shonen

Porém, o conteúdo de mangá apenas teria um verdadeiro desenvolvimento no campo shoujo em meados dos anos 30. Nessa época, artistas como Machiko Hasegawa e Toshiko Ueda surgem. Assim como os mangás shonen da época, a demografia shoujo sofreu uma baixa durante a Segunda Guerra Mundial e apenas voltaria a crescer em 1941.

É então que o que antes era uma demografia passa a ganhar um “estilo narrativo” próprio e, junto, diversos clichês do shoujo são incorporados. Surgem histórias como A Princesa e o Cavaleiro, Arashi wo Koete e outras. Mas, o verdadeiro estouro dessa mídia apenas ocorreu anos depois, com o lançamento de revistas como Shojo Friend e Margaret nos anos 60.

O mahou shoujo foi uma das maiores criações da demografia shoujo

Já nos anos 70, começam a surgir os clássicos pelo qual os mangás shoujo são reconhecidos, como A Rosa de Versailles. Aqui, o foco das histórias é sexualidade e gênero, mas isso não impedia que ganhassem aspectos de ação e aventura. Mesmo repleto de romance e “garotos bonitos”, os mangás shoujo subverteram conceitos de feminilidade e o famoso “para meninas”.

Isso fica ainda mais evidente nos anos 80 e 90, quando nasce um subgênero de uma demografia: o mahou shoujo. Trazendo os mesmos conceitos pelos quais diversas produções shoujo ficaram conhecidas, os mahou shoujo vinham com a promessa de colocar garotas no lugar dos heróis. Produções como Basara, As Garotas Mágicas de Rayearth e Sailor Moon são apenas alguns exemplos dessa mídia.

Mas e o seinen e josei?

Hokuto no Ken é um mangá que, nos dias de hoje, entraria na demografia seinen

Porém, enquanto animes e mangás ganhavam uma grande parcela da economia japonesa, surgia um problema: pessoas envelhecem. Não apenas isso, mas alguns mangakás começam a ter interesse em contar histórias com abordagens sociais e temáticas mais sérias. 

Para dar voz a esse público-alvo, nos anos 70 é criada a categoria seinen, destinado a “jovens rapazes”. Já nos anos 80, o mesmo acontece com os mangás shoujo, quando surgem os josei, produções destinadas a um “público feminino e adulto”

Mas, vale lembrar que todas essas separações demográficas servem mais para a publicidade envolvida com a obra do que, de fato, o conteúdo. Uma prova disso é Hokuto no Ken, mangá e anime que, em 1983, foi publicado na Weekly Shonen Jump em que detalha as atrocidades de um mundo pós-guerra. Nos dias de hoje, diversos dos seus elementos iriam colocar a obra de Tetsuo Hara entre os seinen, mas na época, foi destinada para um público mais novo.

E essa confusão inclui também os marcadores shonen e shoujo. Tomie, mangá de terror de Junji Ito, é setorizado como shoujo, enquanto K-On! é um seinen. Já Jujutsu Kaisen e Chainsaw Man são colocados entre os shonen, quando possuem aspectos que poderiam colocá-los entre os seinen. Diante de tantas confusões, a grande pergunta é: Será que esses marcadores ainda funcionam para os dias de hoje?

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