Review — Naruto x Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections desdenha do legado da franquia com conteúdo duvidoso

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Review — Naruto x Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections desdenha do legado da franquia com conteúdo duvidoso

Por Gabriel Mattos

Poucos fãs sofrem tanto quanto os amantes de anime. Quando não é a ameaça de um filme live-action medonho inspirado na sua obra favorita, como rolou com Cavaleiros do Zodíaco, temos o risco de esbarrar em um jogo medíocre da nossa franquia predileta, o que acontece muito com One Piece. E infelizmente essa terrível maldição acaba de fazer mais uma vítima com o lançamento de Naruto x Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections. Sem grandes novidades, o novo título da franquia poderia ser facilmente apenas uma pequena expansão e decepciona quem acreditou na promessa de uma aventura nostálgica.

Ficha Técnica:

Título: Naruto x Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections

 

Desenvolvedora: CyberConnect2

 

Distribuidora: Bandai Namco

 

Plataformas: Nintendo Switch, PS5, PS4, Xbox X|S, Xbox One, Steam

 

Lançamento: 17 de novembro de 2023

 

Gênero: Luta e Ação

 

Tradução para o Português: Sim

 

Modos: Singleplayer, multiplayer local (2 jogadores) e online

Nem uma temporada inteira de episódio filler decepcionaria tanto

Anunciado como parte da celebração dos 20 anos do anime, Connections não precisaria de muito esforço para emocionar os jogadores. Afinal, este é apenas o mais recente jogo de luta em uma longa linhagem de acertos do CyberConnect2. O estúdio vem de um histórico impecável que começou ainda no PlayStation 2, com a saga Naruto Ultimate Ninja, que entregou um combate rápido, que captura bem a essência do anime, com uma seleção de personagens bastante diversa e um modo história bastante caprichado. 

Cada título tinha uma atmosfera diferente, com novidades e mudanças que traziam uma personalidade para a saga. Ultimate Ninja 2, de 2004, ficou conhecido por oferecer uma customização bem flexível dos personagens, permitindo o uso de um Naruto que conhecia Chidori, por exemplo. Ultimate Ninja 5, por outro lado, trouxe uma aventura de mundo aberto com duas vilas do universo de Naruto para serem exploradas, realizando o sonho de uma geração. E tamanho nível de qualidade se sustentou com o salto para o PlayStation 3 e a chegada da série Ultimate Ninja Storm, responsável por uma mudança drástica na jogabilidade e novas iterações ainda mais grandiosas.

Partindo de um legado tão robusto dentro do mundo dos jogos, Connections tinha o potencial de entregar um produto tão nostálgico quanto o próprio anime. Simplesmente resgatar parte de sua própria história, revitalizando as campanhas mais famosas ou combinando o que há de mais único em cada título, seria o suficiente para fisgar o público por um saudosismo esperado em uma celebração deste nível. Contudo, nada disso chegou perto do fiasco que foi entregue.

Para começar, o aguardado Modo História, que prometeu trazer uma emocionante viagem pelos momentos mais marcantes da jornada do Naruto, não passa de uma sequência de slides. Ao invés da tradicional aventura pela Vila da Folha e seus arredores ou ao menos recriar as cenas com o visual caprichado do jogo, Connections opta por mostrar imagens paradas tiradas diretamente do anime com uma narração nada entusiasmada, e que nem sempre está presente.

É como ouvir um audiolivro ruim com ilustrações. Provavelmente se alguém pedir para uma inteligência artificial resumir o que acontece na saga do início ao fim, o resultado seria o roteiro deste jogo. Não existe qualquer trabalho para construir uma história envolvente. Simplesmente as cenas que ficaram na memória dos fãs é recontada da forma mais insosa possível, sem qualquer resquício de emoção. Chega a ser quase desrespeitoso.

Entre uma cena ou outra, o jogador é desafiado a reviver batalhas famosas do anime em uma luta. Porém, a seleção de quais combates seriam dignos de serem de fato jogados é completamente arbitrária. Grandes clássicos, como a luta entre Gaara e Rock Lee nas eliminatórias do Exame Chunnin, ficaram de fora. Todas as lutas de Naruto e seus amigos contra o Quarteto do Som também foram cortadas. Enquanto isso, um embate entre o futuro Hokage e Kabuto acaba acontecendo. Em um arco em que temos o embate dos Três Sannins lendários o grande destaque ser o Kabuto, por si só, mostra um desdém absurdo com o material de origem.

E para piorar, não é como se o CyberConnect2 não soubesse contar essa história de um jeito mais interessante. Dentro do próprio jogo, o estúdio faz isso durante a outra campanha, a História Especial. Este modo traz uma aventura completamente original, explorada de uma forma muito mais inspirada. Para começar, a trama é contada com animações tridimensionais de fato, sabe? Cenas completas, como em qualquer outro jogo, ao invés de uma simples sequência de imagens chocha e capenga. Inclusive, há um momento nessa história que o jogador é convidado a reviver partes importantes da trajetória do Naruto com esse tratamento especial — o que torna o outro modo não só redundante, como ainda mais ofensivo. E esse nem é o auge desta campanha secundária: a história, inédita, é realmente boa.

O roteiro aproveita pontos chaves introduzidos ao longo da obra clássica de Masashi Kishimoto para construir a sua trama. E não apenas recicla ideias do passado de um jeito preguiçoso. Pelo contrário, imagina o que mais poderia ser feito com estes elementos e segue por caminhos bastante impressionantes. Os ideias de Pain, a Marca da Maldição do Orochimaru, as antigas Guerras Ninjas, a trágica história dos Uchiha e até as recentes evoluções tecnológicas de Boruto: tudo vira combustível para algo completamente novo. 

E dessa forma, o enredo acaba forçando os jogadores a revisitarem em sua memória os momentos exatos em que aqueles conceitos foram introduzidos. Aqui, por alguns instantes, Connections consegue cumprir a sua missão de proporcionar uma gostosa viagem pela nostalgia de Naruto. O único preço a se pagar é ter que aguentar os dois capítulos tediosos que iniciam essa campanha. Mas, felizmente, vale a pena. O problema é que olhando para fora desta pequena bolha de acertos, os demais aspectos do título também parecem pouco inspirados — para dizer o mínimo.

A seleção de personagens apresentada tem um gosto levemente amargo. Apesar de conter o maior número de lutadores selecionáveis da história da franquia, ultrapassando a marca de 130 ninjas disponíveis, o elenco de Connections não é muito diferente do visto em Naruto Shippuden: Ultimate Ninja Storm 4: Road to Boruto no Nintendo Switch. Para quem não teve contato algum com os games de Naruto, a vastidão do elenco pode impressionar. Afinal, a oportunidade de escolher entre ninjas que vêm desde a era clássica, do Naruto mirim, até as encarnações adultas introduzidas em Boruto parece um sonho. Contudo, para quem sempre teve uma variedade parecida a esta, fica difícil justificar o lançamento de um novo jogo que poderia ter sido apenas mais uma expansão.

O número de personagens inéditos adicionados em Connections não passa de dez, quantidade similar a outros jogos de luta. E apesar dos criativos membros da Organização Kara serem, de fato, alguns dos personagens mais absurdos do game, as demais adições são versões alternativas de personagens conhecidos com muito poucas mudanças — isto é, quando sequer tem alguma — para justificar a existência de novos lutadores. 

As versões adultas de Shikamaru e dos demais amigos de Naruto, por exemplo, usam os mesmos ataques de suas formas Shippuden. Sem nenhuma diferença. Enquanto isso, muitas personagens aguardadas do público continuam de fora: como Kurenai e Anko, presentes nos clássicos de PlayStation 2, e Shikadai e Inojin, que estão presentes na história do game, mas nunca aparecem em batalha.

Batalhar com pequenas equipes ninjas em arenas clássicas do anime continua sendo bastante satisfatório. Os combos podem ser simples de aprender, mas há um elemento estratégico crucial em aperfeiçoar o tempo certo de defender para reconquistar a vantagem da partida. Afinal, substituição, um jutsu comum no universo do anime, ainda é a base das lutas. No final, acaba sendo uma batalha de gerenciamento de recursos com um visual tão exagerado e eletrizante que é impossível não se sentir como o mais poderoso dos ninjas.

E essa sensação de poder aumenta levemente com as novidades que chegam ao combate. Pequenas mudanças de balanceamento, apesar de terem o potencial de incomodar a parcela mais competitiva do público, tornam as partidas ainda mais dinâmicas. O tempo de recarga automática do chakra — a energia necessária para ativar golpes especiais — foi acelerado, por exemplo. Os itens, agora, voltam a estar disponíveis mesmo depois de utilizados após uma breve recarga, ampliando as opções ofensivas e defensivas do jogador. E acessar um jutsu secundário, antes conhecido apenas por jogadores mais avançados, desta vez se tornou muito mais intuitivo também. 

De forma geral são melhorias sutis que tornam a experiência de combate ainda melhor. Porém, alterações de natureza tão pequena costumam ser implementadas em uma leve atualização gratuita em qualquer jogo da era moderna. Assim como as demais novidades de Connections, não deixam de ser adições bem-vindas, mas não justificam a existência de um jogo completo por si só.

Nota: 5/10

No final, por mais que Naruto x Boruto: Ultimate Ninja Storm Connections tente parecer uma genuína celebração da história da franquia, não passa de mais uma expansão de Naruto Shippuden: Ultimate Ninja Storm 4 que não tem a coragem de assumir o que é. Uma pena para os fãs de longa data da saga, que poderiam ter recebido uma verdadeira homenagem em suas mãos. Mas ao menos quem nunca teve uma experiência com a franquia ainda pode se divertir um pouco.

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