Por que você deveria assistir As Marvels?
Por que você deveria assistir As Marvels?
Chegue de coração aberto que pode se surpreender
Depois de uma série de lançamentos de qualidade questionável, os filmes e séries do Universo Cinematográfico da Marvel perderam a confiança do público. Para cada excelente Guardiões da Galáxia Vol. 3, que reacende a esperança em algo mais genuíno, existe um Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania para pôr tudo a perder. Ainda vai demorar um tempo para reconquistar a fama de que a Marvel é sinônimo de uma boa história, que fases anteriores tinham. Mas não deixe que a dúvida te leve a perder a alegria de ver As Marvels. Para quem assiste de coração aberto, o novo filme da Capitã Marvel, pode ser uma grata surpresa.
De primeira, o longa já contorna uma forte crítica que a nova leva de produções da Marvel Studio vem sofrendo — a falta de conexão entre as histórias. As Marvels encara diretamente as consequências das ações da personagem de Brie Larson em Capitã Marvel, de 2019. Não só isso, mas ainda sofre influência de eventos vistos em Vingadores: Ultimato, WandaVision e Ms. Marvel. E ainda tem leves referências a Thor: Amor e Trovão e Invasão Secreta.
Não ter assistido qualquer uma dessas produções não torna impossível entender a trama, claro. Afinal, os filmes do estúdio ainda tem como prioridade entregar histórias que qualquer um pode ver sem precisar entrar no esquema de pirâmide que virou o MCU. Porém, para quem vem acompanhando fielmente essas aventuras, existe uma gostosa sensação de completude, de que tudo se encaixa e que os mistérios preparados lá atrás finalmente fazem sentido.
Qual é a do bracelete de Kamala Khan, a personagem de Iman Vellani? Por que Carol Danvers não voltou para cuidar de Maria Rambeau quando ela ficou doente? O que ela esteve fazendo este tempo todo? Tudo acaba sendo respondido de forma satisfatória, mesmo que por vezes um pouco apressada, ao longo da trama. E não é só a própria estrutura recente dos projetos do MCU que As Marvels corrige — a sequência consegue corrigir os problemas na construção da própria Capitã Marvel.
No primeiro filme, Brie Larson sofreu fortes críticas por “não sorrir o suficiente” no longa. E apesar de ser um questionamento muito fundado em misoginia, nessa ideia torta de que mulheres devem sempre estar sorrindo e fazendo tudo de forma meiga, existe um fundo de verdade nesta reclamação. Não é que ela não sorria o suficiente, mas o filme, preocupado demais em criar a imagem de uma mulher poderosa, não permitia que ela fosse nada além disso.
Personagens femininas são, acima de tudo, personagens e deveriam ser tão diversas quanto os homens da Marvel Studios. O Capitão América não é durão o tempo todo. O Senhor das Estrelas não é obrigado a performar seriedade o tempo todo para ser respeitado. Nem mesmo o Hulk está com raiva o tempo todo, expressando uma grande gama de emoções. Por que a Capitã Marvel então deveria ser limitada a isso pelo roteiro?
Bem, em As Marvels ela não é. Sem estar rodeada de personagens masculinos que poderiam duvidar de sua competência a qualquer sinal de fraqueza, Carol Denvers parece bem mais à vontade cercada de mulheres em sua equipe cósmica feminina. A personagem demonstra um lado muito mais leve de sua personalidade, por vezes brincalhona e bem mais receptiva. Enfim o carisma de Brie Larson tem espaço para fluir e conquistar o público como sempre deveria ter sido.
Outro problema da personagem é a forma como foi utilizada em Vingadores: Ultimato, como essa máquina ultra poderosa de destruição. A heroína simplesmente é capaz de destruir uma gigantes nave de guerra sem um pingo de suor. Com tamanho poder, não existe nenhum suspense em suas ações heróicas. Ela é uma máquina de vencer, não tem porquê torcer para alguém assim. Porém, o roteiro de As Marvels consegue criar ameaças grandes o bastante para que Danvers se sinta impotente. Quando não é possível resolver um problema no soco e decisões difíceis precisam ser tomadas, como ela reage?
Enfrentar o sentimento de fracasso, a sensação de que, apesar das aparências, não é alguém onipotente, como uma deusa seria, está no cerne dos dilemas da personagem. E assim o filme apresenta um arco de evolução tremendo para Carol. Enfim, depois de ser desumanizada como uma pessoa fria que não tem defeitos, a heroína se permite sentir medo, impotência e remorso. Sentimentos bastante humanos que trazem uma carga emocional interessante para a história.
Esse drama se estende para sua relação com Monica Rambeau que, apesar de ser menor do que particularmente gostaria de ter visto, traz um drama muito real à narrativa. Simplesmente faz sentido que exista uma situação a ser resolvida entre as duas. Rambeau não vê Denvers desde que era uma criança. Muitos sentimentos confusos surgem entre as duas, de uma forma que dificilmente a Marvel Studios se permite trabalhar em seus filmes.
E tudo isso sem deixar de entregar sequências de ação frenéticas que um bom filme de herói não pode deixar de ter. Nisso a Nia DaCosta surpreende. A diretora transforma toda a sua bagagem de terror em criatividade na hora de resolver suas cenas de ação. Nada de socos repetitivos, dependência de música para ter algum impacto ou tiros genéricos de um lado para o outro.
O filme já começa com uma divertidíssima cena de ação, que transporta as três heroínas pelo espaço-tempo só para ver elas brigando no meio da sala de estar da Kamala junto da família Khan. Prometo que ver a mãe da Kamala esmurrando guerreiros krees com a mobília é impagável. E ainda tem depois uma cena de perseguição incrível com gatos refugiados do espaço, que tem uma estética meio terror, mas é simplesmente muito divertida.
Diversão é o grande compromisso do filme. As Marvels não tá interessado em saber em como sua trama vai contribuir para a história maior — apesar de contribuir. E nem em trazer participações especiais inusitadas e revelações bombásticas por puro fan service — apesar de ter também. O principal objetivo da diretora e de todos os envolvidos nesse projeto é divertir o público e nisso eles acertam de letra. O roteiro tem um problema ou outro, aqui e ali, mas a atmosfera gostosa que essa aventura cria nunca se perde.
Talvez o melhor exemplo seja o planeta em que o trio visita em que a música é a base de sua cultura: basicamente o Rio de Janeiro em pleno carnaval. E assim que o grupo põe os pés no chão, começa um grandioso número musical digno dos melhores filmes de Bollywood. É bobo, é ridículo, sem forçar demais a barra. Simplesmente um momento descontraído inesperado com uma coreografia ótima e que ainda nos presenteia com a oportunidade incrível de ouvir Brie Larson cantando. Quem assistiu Scott Pilgrim Contra o Mundo sabe exatamente de como ela arrebenta.
No final, As Marvels é simplesmente uma gostosa aventura pelo espaço, passando em diferentes planetas e vivendo o momento com três mulheres fodas. E ninguém entende melhor disso como a Ms. Marvel. Não dava para deixar de falar dela porque, apesar de não ter tanto tempo de tela quanto deveria, ela simplesmente é o coração do grupo. Sempre empolgada de estar vivendo seu sonho de lutar ao lado de sua heroína favorita, a garota está vivendo a emoção, se deixando levar sem medo nenhum — como deveria ser.
E o quesito Rotten Tomatoes?
Talvez você possa estar com receio de dar uma chance para o filme porque ouviu falar que as notas do Rotten Tomatoes não foram boas. E não foram mesmo, entre algumas aspas. Digo isso porque, na verdade, aquele número que o site apresenta não é na verdade uma nota. Representa apenas qual a porcentagem da crítica especializada deu uma nota boa. Ele não mede a qualidade do filme. Apenas o consenso da crítica, que ficou bem dividida nesse filme. E eu nem preciso falar o porquê esse filme divide a opinião pública.
Mesmo entregando tudo que os antigos filmes das fases iniciais da Marvel Studios faziam, há uma resistência maior dos velhos brancos norte-americanos, que dominam a crítica desses sites, em aceitar filmes em que as minorias dominem. As Marvels não perde para nenhum filme do Thor ou do Homem de Ferro e mesmo assim sofre duras críticas por coisas que esses mesmos filmes faziam. Uma possível fadiga com as convenções do gênero também pode explicar esse rancor todo. Só fica meio estranho essa gastura se tornar presente exatamente em um filme de protagonismo feminino, não?
Enfim, se você ainda não assistiu As Marvels, não tem porque não dar uma chance para o filme e formar sua própria opinião sobre essa história deliciosa. Na pior das hipóteses, você vai sair tendo visto gatinhos fofinhos refugiados do espaço, uma ótima canção de uma princesa da Disney e umas cenas de ação frenéticas. O que mais você pode querer? Mutantes?
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