Por que o Oscar ignora os filmes de terror?
Por que o Oscar ignora os filmes de terror?
Ainda que seja extremamente popular, o gênero é frequentemente esnobado na premiação!
Entra ano, sai ano, uma certeza permanece: é mais fácil chover canivete que ver o Oscar indicando – ou premiando – filmes de terror. A cerimônia, que todos os anos se gaba por reconhecer os “melhores filmes” lançados, quase não abre margem para que obras de horror sejam sequer citadas ao longo da premiação.
Muito disso tem a ver com o próprio histórico da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e também a percepção da elite de Hollywood a respeito do próprio gênero. E para entrar em todas essas nuances e detalhes, aqui explicamos por que o Oscar ignora filmes de terror!
Horror esquecido no churrasco
O cinema de horror existe, de forma abrangente, desde 1896. Foi nesse ano que George Méliès, cineasta francês lembrado até hoje como o “mágico do cinema“, lançou O Solar do Diabo (no original, Le Manoir du Diable), tido por muitos como o primeiro filme de horror da história. De lá para cá, as tecnologias avançaram, a linguagem mudou e o horror evoluiu para abarcar diversos subgêneros e temáticas, mas o gênero continua sendo ignorado pelo Oscar.
2022 foi um ano bem interessante para o horror, e talvez o melhor ano para o gênero em muito tempo. Após todo o conturbado período da pandemia, os cinemas reabriram com uma escassez de público, e os filmes de terror viraram uma espécie de “porto seguro” para a indústria audiovisual, especialmente considerando que esse tipo de filme custa um baixo investimento e arrecada pequenas montanhas de fortuna nas bilheterias.
Filmes como Pearl, Não! Não Olhe!, o novo Pânico, Noites Brutais e até mesmo Até os Ossos mostraram ao mundo que o horror está vivo e é capaz de atrair um bom público para os cinemas, ainda que tenham que lidar com a barreira intransponível que são as classificações indicativas, que costumam “repelir” parte do público mais novo – isto é, em países onde existe algum tipo de monitoramento a respeito de quem entra e sai das salas de cinema.
Ainda assim, nenhum desses filmes foi indicado ao Oscar deste ano, nem mesmo os mais bem-quistos. Pearl, uma prequel de X: A Marca da Morte, conta com uma atuação brilhante de Mia Goth, que foi reconhecida em vários festivais e premiações menores, mas o nome da atriz nem sequer foi sussurrado pela Academia. Já Não! Não Olhe! é o mais novo filme de Jordan Peele, e é considerado por muitos como o melhor de sua carreira. Mesmo assim, o filme sequer foi indicado nas categorias que todos acreditavam que seria, como Melhor Som e Efeitos Visuais.
Um brevíssimo histórico da Academia
Fundada em 11 de maio de 1927 – há 95 anos -, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas é a grande responsável pela intolerância ao horror no Oscar. Vale lembrar que são eles os responsáveis não apenas por sediar, organizar e “vender” as transmissões da premiação, mas também por votarem nos filmes que serão indicados e, após isso, decidir os vencedores.
Todas as pessoas que possuem um vínculo de membro com a Academia fazem parte dos quadros de votantes, e existe atualmente três maneiras principais para isso: ou se é um jornalista especializado em cinema, ou você recebe indicações de, pelo menos, dois membros da Academia que são da mesma área de atuação que você, ou, por fim, você recebe uma indicação ao Oscar.
Nos últimos anos, a Academia passou por uma série de mudanças em prol da diversidade e da amplitude de gêneros. Tudo isso começou a ganhar tração após 2016, o ano do “Oscar So White“, no qual todos indicados às categorias principais eram, sem exceções, pessoas brancas. Com essas mudanças, temos visto pequenos passos positivos aqui e acolá. Nomes cada vez mais diversos aparecem entre os indicados todos os anos e a Academia parece ter perdido um pouco do seu ódio por blockbusters.
No entanto, o desdém pelo cinema de horror se mantém inalterado, e há uma série de motivos para isso. Primeiro, há uma visão profundamente elitista na Academia a respeito de gêneros considerados “populares“. Basta perceber que, durante anos, filmes de super-heróis, ficção científica e fantasia raramente conseguiam espaço na premiação. E segundo, a Academia em si é majoritariamente composta por pessoas que trabalham com artes dramáticas.
Pense bem: se um dos maiores métodos de compor a equipe de votantes da Academia é justamente sendo indicado por ela, e se todos os anos os mesmos tipos de filmes são indicados e ganham a premiação, parece lógico que não há muita participação de cineastas, atores, atrizes, roteiristas e artistas associados ao horror. Além disso, há a questão do lobby, já que boa parte dos filmes indicados são fruto de campanhas multimilionárias dos estúdios. Não é como se “compensasse” investir esse dinheiro em um gênero comumente esnobado na cerimônia.
Esnobadas recentes…
Engana-se quem acha que o desdém do Oscar por filmes de horror é algo recente. Na verdade, a premiação já teve a chance de reconhecer grandes clássicos e deixou a oportunidade passar. Basta pensar em Frankenstein, de 1931, o filme de James Whale cuja influência é sentida até hoje, sobretudo na forma como vários aspectos da linguagem cinematográfica foram cravados.
Entretanto, nos últimos anos várias produções tentaram trazer uma abordagem mais “sofisticada” e “técnica”, ainda que tenham sido descartados igualmente como os clássicos de locadora dos anos 2000. Hereditário, de 2018, nos fez tremer na cadeira com a atuação sólida de Toni Collette, fato repetido no ano seguinte por Lupita Nyong’o e suas duas personagens em Nós. Ambas não chegaram sequer a ser indicadas.
Até mesmo fora do campo da atuação, alguns projetos também sofreram com o descaso da Academia. O próprio Nós foi, durante meses, levantado pelos fãs como um possível concorrente às categorias de Melhor Direção e Melhor Roteiro Original, mas mesmo a força de Jordan Peele no mercado cinematográfico atual não foi o bastante para fazer isso acontecer.
Outros projetos famosos e influentes ignorados pela Academia – e que hoje são clássicos absolutos – são Psicose (de 1960), O Massacre da Serra Elétrica (de 1974), O Iluminado (de 1980) e O Enigma de Outro Mundo (de 1982). Mais recentemente, filmes como O Babadook (2014), Midsommar (2019) e O Farol (2019) também não tiveram muito reconhecimento, embora este último tenha sido indicado a Melhor Fotografia.
Mas claro, como tudo na vida… há exceções!
As exceções que provam a regra
Desde sua origem, o Oscar parece ter mostrado um desprezo aos filmes de terror, mas isso não significa que alguns não tenham encontrado espaço na premiação. Recentemente, Corra!, o primeiro filme de Jordan Peele, acabou não apenas sendo indicado às categorias de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Ator (Daniel Kaluuya), como também levou para casa a estatueta de Melhor Roteiro Original, para o próprio Peele.
Em seus 94 anos de existência, o Oscar inclusive indicou 6 filmes de horror à categoria principal. Foram eles O Exorcista (1973), Tubarão (1975), O Silêncio dos Inocentes (1991), O Sexto Sentido (1999), Cisne Negro (2010) e, como mencionado acima, Corra! (2017). No entanto, apenas O Silêncio dos Inocentes levou a estatueta dourada para casa, em uma das edições mais subversivas da premiação.
Sediada em 1992, a 64ª edição do Academy Awards premiou não apenas O Silêncio dos Inocentes como melhor filme do ano, mas também deu prêmios para Melhor Direção (para Jonathan Demme), Melhor Ator (para Anthony Hopkins), Melhor Atriz (para Jodie Foster) e Melhor Roteiro Adaptado. No entanto, logo se construiu uma baita polêmica ao redor do filme, já que inúmeros estudiosos e acadêmicos do cinema recusam-se a chamá-lo de um filme de horror, enquadrando-o em categorias como “thriller psicológico” e “suspense“.
Essa barreira do pedantismo impede que até mesmo os grandes filmes de terror sejam reconhecidos como tal, e é um dos motivos pelos quais, nos últimos anos, insistiu-se no termo errôneo e pedante do “pós-horror“, alimentado por diversas das produções da A24 e de outros estúdios independentes. A lógica do “pós-horror” é que esses filmes são “mais refinados, não dependem de sustos e tocam em temas sociais”. Ora, O Bebê de Rosemary, O Iluminado, Inverno de Sangue em Veneza, O Exorcista e tantos outros fazem isso há décadas.
Alternativas para os fãs de horror…
Ainda que o Oscar continue deixando a desejar no campo do horror, há outras premiações que se dedicam não só ao gênero, mas também à fantasia, à ficção científica e outros gêneros que não costumam ser celebrados pela premiação – como, por exemplo, o Saturn Awards, prêmio americano fundado em 1973 que é chefiado pela Academia de Filmes de Ficção Científica, Fantasia e Horror.
Eles não apenas possuem vinte e duas categorias dedicadas exclusivamente ao cinema, como também prêmios para a televisão, o streaming e até mídia física, fora uma ou outra categoria especial.
Além disso, uma outra opção é o Fangoria Chainsaw Awards, premiação no ar desde 1992, votada e organizada pela Fangoria, uma revista muito popular nos Estados Unidos dedicada exclusivamente ao cinema de horror. Por isso, ainda que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas continue menosprezando o gênero – fato que não deve mudar tão cedo -, ainda há um espaço para que os artistas do terror possam ser reconhecidos por seu talento e suas contribuições para o cinema.
O Oscar será exibido no dia 12 de março.
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