Opinião: Como o horror está salvando o cinema
Opinião: Como o horror está salvando o cinema
No crepúsculo dos super-heróis, Hollywood ainda pode contar com seus monstros e fantasmas!
Os últimos anos tem sido um tanto quanto turbulentos para a indústria cinematográfica norte-americana. Primeiro, veio a pandemia do COVID-19, que manteve as salas de cinema fechadas por mais de um ano. Junte isso à ascensão das plataformas de streaming, e logo tivemos uma queda exorbitante de público, que acompanhou a derrocada da aposta do momento, os filmes de super-heróis. Porém, sempre poderemos contar com o cinema de horror para manter a Sétima Arte viva!
Não é novidade: o terror sempre foi um gênero lucrativo. Há vários motivos por trás disso, mas o principal é o custo/benefício das produções mais assustadoras. Se os estúdios investem milhões de dólares todos os anos para dar continuidade às suas grandes franquias de propriedades intelectuais, o horror é um gênero de baixa manutenção, ao menos em relação aos seus orçamentos.
2023 trouxe uma queda absurda no lucro dos filmes de heróis e combatentes do crime. Para se ter uma ideia, tanto a Marvel quanto a DC Comics lançaram, juntas, seis filmes esse ano (com mais dois a caminho). Destes, só dois filmes trouxeram resultados dignos nas bilheterias, Guardiões da Galáxia Vol. 3 e Homem-Aranha: Através do Aranhaverso.
Por outro lado, as baixas foram imperdoáveis. Enquanto Shazam! Fúria dos Deuses e Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania fizeram uma baixa renda compatível com o amor por suas respectivas franquias, até The Flash, que passou meses sendo alardeado como um dos maiores filmes de super-heróis de todos os tempos (pelo menos, de acordo com a própria Warner), acabou sua corrida na bilheteria com menos de US$ 270 milhões.
E apesar dessa queda brusca ser mais perceptível nas adaptações de quadrinhos, parece que Hollywood, como todo, passa por uma crise enorme. Além das greves dos roteiristas e dos atores, que continuam paralisando toda a indústria enquanto estúdios não se comprometem em pagar um valor justo para seus artistas, até mesmo grandes apostas acabaram decepcionando nas bilheterias, vide Missão: Impossível – Acerto de Contas: Parte Um.
Mas o horror continua prosperando.
Para se ter uma ideia, em 2023 foi lançado Sobrenatural: A Porta Vermelha, quinto filme da franquia criada por James Wan, que trouxe de volta personagens apresentados nos dois primeiros longas, dando continuidade à história da Família Lambert e sua assombração. Apesar das críticas negativas, o longa arrecadou estupendos US$ 182,4 milhões nas bilheterias.
Vendo esses números brutos, você pode até se questionar: “mas pera, The Flash fez muito mais dinheiro que isso!” e você não estaria de todo errado. Se nossa matemática não estiver equivocada, de fato 270 milhões é maior que 182,4 milhões. Mas não podemos desconsiderar os custos de produção nessa equação – e é aqui que a mágica acontece, já que Sobrenatural 5 custou apenas US$ 16 milhões para ser feito, enquanto The Flash custou US$ 300 milhões.
A discrepância é assustadora, e mostra uma lição valiosa que Hollywood esqueceu pouco a pouco ao longo dos seus últimos anos, sobretudo com o sucesso desenfreado de franquias como Star Wars, Jurassic World, Universo Cinematográfico da Marvel e, é claro, Avatar: apesar desses filmes custarem caro para ser produzidos, nem todos podem ser sucessos absolutos.
Isso ficou cada vez mais claro em 2023, com o fracasso retumbante de apostas consideráveis, como Indiana Jones e a Relíquia do Destino e Transformers: O Despertar das Feras. Claro, ainda podemos contar com Barbie aqui e Super Mario Bros.: O Filme acolá, mas a indústria dos blockbusters está lentamente implodindo graças à necessidade de agradar a todos com grandes espetáculos cheios de pirotecnia e efeitos visuais duvidosos.
O horror, aliás, tem se tornado um território fértil para a proliferação de ideias originais, e não apenas das franquias de sempre, voltando à vida eternamente. Apesar de termos citado Sobrenatural: A Porta Vermelha acima, vale lembrar que um dos maiores sucessos do ano passado foi o filme Sorria, dirigido por Parker Finn e baseado em um curta que ele mesmo havia dirigido. Nada de propriedade intelectual ou continuação de algum sucesso da década de 80. Vitória para as ideias novas.
Originalmente planejado como um original de streaming, o filme mandou tão bem nas sessões teste que recebeu a “promoção” do estúdio e acabou sendo lançado nas salas de cinema. O resultado foi bem positivo: 217 milhões de dólares arrecadados mundialmente, e tudo com base em um orçamento de US$ 17 milhões.
Esse sucesso, bem como o de tantos outros lançados ao longo dos últimos meses, como Pânico VI, Fale Comigo, M3GAN e A Morte do Demônio: A Ascensão, tem sido um lembrete marcante do quanto a indústria de filmes perdeu ao tirar o espaço de obras com orçamento pequeno e médio para focar apenas nas superproduções. Quando os custos são mais altos, a aposta também é – e qualquer aposta tem chance de falhar.
E não é que o horror não falhe, ocasionalmente. Pelo contrário, só esse ano tivemos estreias bem decepcionantes nas bilheterias, como Drácula: A Última Viagem do Deméter e Renfield: Dando o Sangue pelo Chefe, mas é nítido que o fracasso de um filme que custou US$ 40 milhões é bem menos impactante do que o fracasso de um que custou US$ 300 milhões.
Por outro lado, todo esse papo de números só ressalta a podridão capitalista da indústria, então vamos falar de outra coisa: arte.
O horror sempre foi fincado como um “parque de diversões” para que grandes cineastas e artistas pudessem não só mostrar do que eram capazes, mas também experimentar e refinar sua própria arte. Antes de se tornar o diretor de filmes de super-heróis, Sam Raimi havia trazido a franquia Uma Noite Alucinante ao mundo, e até o próprio Steven Spielberg concebeu Tubarão muitos anos antes de E.T: O Extraterrestre e seus outros clássicos.
Como essa área de playground, o gênero oferece a diretores de diferentes backgrounds a possibilidade de descobrir e refinar suas próprias técnicas cinematográficas – e não é à toa que, hoje, os grandes estúdios se voltam para nomes descobertos pelo horror para conduzir suas grandes franquias. James Wan, James Gunn e até Taika Waititi são só alguns dos que passaram pelo crivo das trevas antes de comandarem sagas de super-heróis.
Em parte, essa é uma das graças do nicho. Você não precisa agradar todo mundo e, portanto, é mais livre para fazer o que quiser, em termos de criação e concepção artística. Claro, estúdios interferem o tempo todo (vale lembrar do já falido Universo Sombrio da Universal, ou até mesmo a franquia Invocação do Mal). Ainda assim, o clima maior que paira é o de liberdade criativa e efervescência artística.
Até mesmo obras potencialmente controversas, como a nova trilogia de Halloween dirigida por David Gordon Green, têm sua cota de adeptos. Embora muitos tenham criticado o desenvolvimento da franquia em Halloween Kills e Halloween Ends, pode-se notar claramente que Gordon Green teve a oportunidade de fazer o que queria em seus filmes, algo que cada vez se ausenta mais das produções de grande porte e escopo.
Muitas das produtoras que se especializam no gênero, como a Blumhouse, a Ghost House e até a A24, por sua vez, são conhecidas por incentivar a liberdade de seus artistas e deixá-los no controle de seus trabalhos. O resultado nem sempre é positivo, como tudo nessa vida, mas certamente é melhor do que um filme enlatado feito por algoritmos e sem a menor preocupação artística, como os que têm lotado o cinema mainstream.
Fora isso, ainda há o motivo emocional que nos persegue desde que o primeiro susto foi dado em uma sala de cinema – as pessoas gostam de sentir medo. Nem todas, definitivamente, mas uma boa parte do público está ávido por um gostinho do maligno, do macabro, do sobrenatural. É como entrar em uma montanha-russa, onde o perigo até parece real, mas no fundo você sabe que está seguro.
E mesmo que as ideias originais e o lado artístico não fossem importantes, até mesmo as grandes franquias estão se abrindo para possibilidades cada vez mais divertidas. Halloween trouxe uma trilogia no mínimo ousada, enquanto Pânico encontra um novo sopro de vida nos cinemas após a morte de seu criador, Wes Craven. Até mesmo o tal do Brinquedo Assassino está tendo a chance de se reerguer na televisão, com a série do Chucky.
Tudo isso só comprova como o gênero tem estado cada vez mais firme e forte. Longe das amarras dos estúdios e das corporações, o horror tem crescido de uma maneira formidável, levando pessoas ao cinema quando isso parecia um desafio hercúleo. É um gênero que constantemente se renova e muda diante dos olhos do público, revelando medos, ansiedades e feridas que até então não haviam sido descobertas.
Se você está cansado da mesmice criativa que abalou Hollywood nos últimos anos, talvez deveria dar uma chance ao horror. É onde estão surgindo nomes novos, diretores cheios de visão e de presença. É também onde figuras como Jordan Peele, Ari Aster, John Carpenter, Wes Craven, Kevin Williamson, Jennifer Kent, Nia da Costa e tantos outros fizeram seu lar, pintando as paredes do cinema com sangue e aflorando nossos próprios demônios e fantasmas.
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