Guy Pearce pede desculpas após controvérsia ao questionar escalação de atores trans em filmes

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Guy Pearce pede desculpas após controvérsia ao questionar escalação de atores trans em filmes

Por Gus Fiaux

Nos últimos anos, muito se tem falado sobre questões ligadas à representatividade e representação de minorias na mídia, seja na TV, no cinema ou em outras expressões. Esse debate tem se estendido especialmente para a causa de pessoas trans, uma vez que poucos atores e atrizes trans são chamados para papéis, enquanto pessoas cisgênero (ou seja, cuja identidade coincide com seu sexo biológico) sempre são chamadas para esses papéis.

Recentemente, Guy Pearce causou uma baita polêmica ao falar desse tópico no seu perfil do Twitter. Em um post – que já foi apagado – o ator questionou uma discussão levantada sobre como papéis trans deveriam ser interpretados exclusivamente por pessoas trans. Ele fez o seguinte comentário:

“Uma pergunta: se as únicas pessoas que podem interpretar personagens trans são pessoas trans, então estamos sugerindo também que pessoas trans só podem interpretar personagens trans? Isso certamente vai limitar sua carreira como ator, certo? O papel de um ator não é interpretar qualquer pessoa fora de seu próprio mundo?”

Após sua postagem ter circulado e trazido diversas discussões na rede social, o astro postou um extenso pedido de desculpas, onde disse que não gostaria de ter causado uma briga por conta de seus comentários. Ele ainda pediu perdão à comunidade trans por ter “jogado o assunto” para cima dela:

“Eu vejo que levantar uma questão de identidade de gênero dentro do processo de escalação em uma plataforma como o Twitter não foi uma boa ideia. Por isso, eu peço desculpas. Eu reconheço que isso só ajudou a inflamar o debate […]. Eu assumo responsabilidade por isso e, mais uma vez, peço desculpas por ter começado um incêndio. Esse é um assunto que precisa ser discutido cara a cara, de pessoa para pessoa e com tempo bom para tudo ser ouvido e compreendido. O ponto que eu estava querendo levantar era sobre defender a definição de atuação e nada mais. Jogar o assunto para um grupo minoritário específico foi desnecessário, especialmente vindo de um homem como eu, que tem todos os privilégios.”

Confira o pedido de desculpas de Pearce, na íntegra:

https://twitter.com/TheGuyPearce/status/1640825189054251008

Em seu texto, Pearce reconhece os problemas de representação envolvendo comunidades minoritárias, mas ainda questiona o papel e o trabalho de um ator, e como isso não deve ser limitado pelas características pessoais:

“Está claro que muitas comunidades minoritárias são pouco representadas nas telas, assim como os atores dessas comunidades. Mas eu não acredito que artistas deveriam anunciar sua identidade pessoal, preferência sexual, lado político, deficiências ou credos religiosos para conseguir trabalhar.”

No fim, o ator ainda falou sobre como esse debate deveria ser expandido pela classe artística, mesmo que isso traga muitas discussões inflamadas. Pearce diz que não gostaria de ver nenhum ator perdendo papéis por conta de suas próprias vivências:

“Eu acredito que sugerir que ‘atuação’ pode vir apenas de nossas próprias experiências aniquila a nossa imaginação. Eu não gostaria de ver essas restrições sendo levadas a nenhum ator que faz parte de uma minoria, ou nenhum ator qualquer que seja, eu incluso. […] A comunidade artística deve debater e desenvolver isso dentro de si mesma, sim, mesmo que envolva um pouco de gritaria.”

Pearce já havia interpretado um personagem LGBTQ+ em Priscilla, a Rainha do Deserto, clássico filme do new queer cinema que traz, em seu elenco, nomes como Hugo Weaving Terence Stamp. No filme, Stamp – que é um homem cisgênero – interpreta uma mulher trans, em uma época onde pessoas trans eram completamente invisibilizadas dentro e fora das telas.

Guy Pearce em Priscilla, a Rainha do Deserto.

A questão da representação trans no cinema é delicada e envolve um ponto fundamental: os estúdios, sobretudo os grandes, não costumam chamar pessoas trans para trabalhar em seus filmes, seja em papéis de pessoas transgênero ou não. É assim que surgiu o transfake, tática de colocar atores cisgênero para interpretar personagens trans, como vista em filmes como A Garota DinamarquesaClube de Compras Dallas Meninos Não Choram.

O que muitos ativistas do movimento defendem é que, enquanto as condições não forem igualitárias para artistas cis e trans, personagens trans deveriam ser vividos unicamente por artistas transgênero, já que nem sequer a chance de interpretar papéis cis eles possuem, ao menos não no esquema atual da indústria cinematográfica. Isso tem mudado um pouco nos últimos anos, mas a batalha por representação continua.

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