Crítica – Wonka é uma ode à imaginação e ao poder de concretizar sonhos
Crítica – Wonka é uma ode à imaginação e ao poder de concretizar sonhos
Timothée Chalamet encanta em versão mais ingênua e sonhadora de Willy Wonka no musical de Paul King
Seja em A Fantástica Fábrica de Chocolate de Mel Stuart ou a de Tim Burton, é nítido que por trás de toda a excentricidade de Willy Wonka há uma certa sensação sombria que o envolve. Se na versão de Gene Wilder isso se esconde atrás de uma suave melancolia, o filme de Burton certamente abraça o lado mais obscuro da história criada por Roald Dahl com representações caricatas e um humor ácido.
São duas interpretações imortalizadas na mente do público que Wonka, filme prequel da franquia, prefere “ignorar” do melhor jeito possível ao destacar um lado mais ingênuo, sonhador e esperançoso do personagem. Tudo isso a partir de uma presença extremamente carismática de Timothée Chalamet (Duna), que constrói uma persona diferente de Willy sem se intimidar com o que veio antes – muito pelo contrário. Com direção de Paul King (As Aventuras de Paddington), Wonka é uma surpresa tão agradável que, com suas músicas contagiantes e seu ótimo senso de humor, celebra algo que há muito guia os seres humanos ao impossível: a imaginação.
Ficha técnica
Título: Wonka
Direção: Paul King
Roteiro: Paul King e Simon Farnaby
Data de lançamento: 7 de dezembro de 2023
País de origem: Estados Unidos da América e Reino Unido
Duração: 1h 56min
Sinopse: A jornada do icônico personagem até se tornar dono da maior fábrica de chocolate do mundo. Apaixonado por invenções, Willy será guiado por aventuras extraordinárias. Além disso, o protagonista encontra seus fiéis ajudantes: os famosos Oompa-Loompas, interpretados por Hugh Grant.
Tudo é possível, basta sonhar
Todas as coisas boas deste mundo começaram com um sonho. É através do ensinamento da mãe que Willy Wonka (Timothée Chalamet) parte em direção ao desconhecido para apresentar às pessoas suas doces invenções. Com apenas um chapéu e uma cabeça movida por suas esperanças, o futuro dono da maior fábrica de chocolate do mundo usa seu otimismo e determinação para alcançar seus objetivos, mesmo que alguns obstáculos peculiares apareçam no seu caminho.
Para quem conhece o trabalho de Paul King em As Aventuras de Paddington, não é de se admirar que o diretor conseguiria levar para Wonka todo o teor imaginativo da franquia do pequeno urso peruano. Com uma explosão de cores especial que destoa dos visuais apáticos e monocromáticos que vem acometendo Hollywood nos últimos anos, Wonka brinca com o surrealismo ao desconsiderar uma lógica realista (mais um aspecto que vem dominando a indústria), usando a imaginação, a idealização e o apreço por um universo mágico que, juntos, transformam-se em uma verdadeira ode às infinitas possibilidades que apenas uma imaginação fértil consegue projetar.
São aspectos que já estavam presentes nas duas primeiras versões de A Fantástica Fábrica de Chocolate, mesmo que de maneiras distintas, mas que ganham uma nova “roupagem” em Wonka. No filme de King, a sensação de “tudo é possível se você sonhar” está presente a todo momento, inclusive quando Willy e companhia enfrentam os mais diversos perigos.
Ao se voltar para elementos clássicos do cinema, especialmente do gênero musical, Wonka retoma uma aura de ilusionismo já estabelecida por nomes como Georges Méliès em uma arte que não precisa se limitar às regras da realidade para criar histórias fascinantes e lúdicas. Assim, quando Wonka estabelece que tudo é possível, o universo criado por Paul King e Simon Farnaby (Ghosts), que assinam o roteiro do filme com base nos escritos de Roald Dahl, é muito fácil de embarcar na magia que a trama nos apresenta.
E é exatamente isso que transforma essa nova versão de Willy Wonka, um jovem vulnerável, ingênuo e esperançoso, em algo tão único. Claro que muito de seu apelo vem da performance brilhante de Timothée Chalamet, que canta, dança e encanta com uma persona distinta daquela que estamos acostumados a vê-lo. Para quem se emociona com papéis mais dramáticos do ator, como em Me Chame Pelo Seu Nome (2017) e Querido Menino (2018), a surpresa de acompanhá-lo em um trabalho completamente oposto aos que sua filmografia apresenta na maioria é a chance de entender o porquê seu nome vem sendo cotado como uma das grandes estrelas recentes de Hollywood.
Mas antes de fazer considerações sobre a interpretação cativante de Chalamet, vamos voltar ao universo onírico de Paul King e a maneira como diretor encontra, até mesmo nos detalhes, um jeito de transmitir aquilo que Wonka estabelece desde o princípio: que você só precisa de um sonho para começar coisas boas. É uma mensagem usada em demasia na ficção voltada para o público infantojuvenil (como Roald Dahl bem sabia), mas que consegue ocupar um espaço no coração de espectadores mais velhos por justamente resgatar um encantamento da infância que sempre vem acompanhado de boas doses de nostalgia.
Em uma história como A Fantástica Fábrica de Chocolate, então, isso fica ainda mais evidente à medida que o universo adocicado de Willy Wonka conduz o público para longe de um realismo exacerbado, um mal que persegue produções hoje em dia que insistem em usar efeitos digitais para tentar emular o que já existe com “fidelidade”. Wonka, por sua vez, percorre o caminho oposto, usando a técnica para explorar a tal da “mentirada”, onde personagens voam com a ajuda de balões e uma fonte de chocolate pode aparecer na sua frente a qualquer momento.
Isso porque, assim como a trama de Wonka deixa claro, tudo é possível no cinema. E o filme de Paul King abraça essa ideia de corpo e alma sem ter medo de parecer piegas ou exagerado, servindo como um respiro de otimismo e magia em uma indústria que parece ter se esquecido de seu propósito.
Entre fantasia e imaginação
Se as duas versões de Willy Wonka que ficaram imortalizadas no imaginário do público apresentam um lado menos vulnerável do personagem, a de Chalamet está longe de ser assim. Otimista em demasia, o jovem Willy chega a ser até mesmo ingênuo ao confiar demais na bondade alheia. É uma vida antes dele se tornar o dono da maior fábrica de chocolate do mundo, onde ele ainda precisaria passar por muita coisa até se tornar o famoso Wonka que passamos a conhecer.
Logo, desde os primeiros instantes do filme de Paul King, é difícil não se entregar totalmente ao carisma de Timothée Chalamet. Ele consegue combinar uma série de elementos, como gestos, expressões e até mesmo a entonação de sua voz para criar um Willy Wonka só seu.
Mesmo que Timothée tenha buscado referência no que já existia, é muito interessante ver como o astro usou o que tinha em mãos para se destacar juntamente com toda a magia da trama, mostrando que, sim, ele não é apenas mais um nome famoso em Hollywood. Ainda há um longo caminho para percorrer, claro, mas Chalamet tem uma versatilidade muito interessante que faz com que ele se destaque cada vez mais, e Wonka só evidencia isso.
Chalamet é o fio condutor do filme, mas ele não age sozinho. Sua dinâmica com a jovem atriz Calah Lane (O Dia Vai Chegar), que interpreta a órfã Noodle, é encantadora do começo ao fim. Mesmo quando o enredo se agarra a artifícios de narrativa para solucionar obstáculos, a dupla consegue fazer com que você se apegue às mensagens e ao divertimento que todas as situações proporcionam com uma relação que vai crescendo conforme a trama se desenrola.
O mesmo se repete com o Oompa Loompa de Hugh Grant. Apesar de ser um tanto quanto “desperdiçado” no longa, Grant consegue usar seus breves momentos para arrancar uma risada sua com um cinismo contagiante. Isso só engrandece Wonka, já que o musical acaba ganhando uma vida própria à medida que vai criando sua própria mitologia.
Tudo isso também se beneficia do gênero ao qual o filme se insere – o musical. Dando continuidade ao formato explorado pelos dois longas de A Fantástica Fábrica de Chocolate, em maior ou menor grau, Wonka usa um dos gêneros mais clássicos do cinema para criar essa atmosfera mágica ao seu redor, onde até mesmo o ato de expressar sentimentos ganha um caráter imaginativo. É um estilo tão rico em possibilidades que ele não poderia ter sido mais eficiente do que foi ao explorar o lado fantástico da trama, usando suas coreografias e canções de um jeito bastante competente.
Assim, Wonka pode até apresentar um arco simples e que, vez ou outra, apoia-se em resoluções rápidas de roteiro, mas nada disso tira o brilho colorido que Paul King deu ao filme. Com um grande apreço ao universo dos sonhos, da magia e das possibilidades, o longa estrelado por Timothée Chalamet conquista pela singeleza de suas mensagens e pela maneira como deixa a imaginação ser livre, como ela sempre deve ser.
Wonka está em cartaz nos cinemas.
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