Crítica: Vermelho, Branco e Sangue Azul sequer tenta fazer história e se contenta em ser um romance fofo
Crítica: Vermelho, Branco e Sangue Azul sequer tenta fazer história e se contenta em ser um romance fofo
Preocupação em não cortar nada do livro atropela o ritmo do romance
Baseado no livro de Casey McQuiston, Vermelho, Branco e Sangue Azul entra para a seleta lista de boas comédias românticas LGBTQ+, quase que ao lado de Com Amor, Simon e Alguém Avisa?. Disponível no Prime Video, o longa acerta na química de um casal que vêm de mundos muito diferentes, mas atropela o próprio ritmo do que poderia ser um perfeito conto de fadas, levemente safado, ao tentar se manter fiel demais à obra original.
Ficha técnica
Título: Vermelho, Branco e Sangue Azul (Red, White and Royal Blue)
Direção: Matthew López
Roteiro: Matthew López e Ted Malawer
Data de lançamento: 11 de agosto de 2023
Duração: 1 h 58 min
Sinopse: Os herdeiros políticos das nações mais poderosas do mundo ocidental se apaixonam e enfrentam as dificuldades de enfrentar a tradição e as responsabilidades de uma vida pública.
O Plano JK das adaptações de livro
Mesmo que a premissa pareça sair dos sonhos molhados de uma adolescente fogosa, o absurdo da proposta funciona muito bem. Alex Claremont-Diaz (Taylor Perez), filho da Presidenta dos Estados Unidos (Uma Thurman), acaba envolvido em um incidente diplomático com seu maior rival político: o Príncipe Henry da Inglaterra (Nicholas Galitzine). Para evitar um escândalo em meio a uma eleição acirrada, o jovem é forçado a conviver com o britânico mimado, por quem rapidamente desenvolve sentimentos.
Não existe muita nuance nessa escalada de emoções. Apesar de lançar mão do clichê conhecido como enemy to lovers, em que pessoas que se odeiam acabam se apaixonando com o tempo, o roteiro ignora exatamente o que torna esse artifício tão popular: a cuidadosa conversão de emoções negativas em algo genuinamente puro. E Vermelho, Branco e Sangue Azul não tem tempo para ser cuidadoso em nada que se propõe.
O grande foco do projeto é garantir que os momentos mais emblemáticos e apaixonantes do livro sejam traduzidos para a tela e isso o longa faz muito bem. As cenas mais impactantes parecem tiradas diretamente da imaginação dos leitores, como o beijo sob um céu repleto de fogos de artifícios e a dança noturna no museu. E estes momentos carregam uma química tão explosiva entre os atores principais que fica difícil não se apaixonar pelo casal.
Alex e Henry funcionam muito bem juntos. O casal não brilha apenas nos momentos mais quentes, mas especialmente em suas trocas cheias de vulnerabilidade que fisgam a atenção do público. Por viverem uma vida de contrastes, suas conversas convidam a navegar por dois mundos bastante distintos. E a maneira como ambos tentam entender e respeitar as limitações um do outro é muito sincera e cativante.
Nicholas Galitzine, que faz o príncipe, entrega um show de versatilidade em sua atuação, fluindo de um cara distante para alguém sensível com uma naturalidade absurda. Até mesmo nos momentos mais safados o britânico consegue entregar uma nuance bastante convincente, que não está presente na interpretação de seu parceiro de cena, Taylor Perez.
Como o filho da presidenta, o ator faz um trabalho um tanto inconsistente. Em momentos, está em controle absoluto da cena, em outros, parece estar em um teatro do colégio. Fica ainda mais discrepante quando esses deslizes acontecem enquanto contracena com a experiente Uma Thurman, que é um espetáculo à parte. Quebra um pouco a fantasia de seu personagem, que deveria estar sempre seguro de si, mas está longe de ser o maior problema do longa.
Em sua ânsia para entregar todas as cenas memoráveis do livro, o diretor Matthew Lopez destrói completamente o ritmo da história. Quase como se comandasse um frenético filme de ação, não existe qualquer respiro para as emoções aflorarem. Da forma corrida que foi feita, este projeto encaixaria muito melhor no formato de série. Muitas situações que não acrescentam muito à trama poderiam ser cortadas ou substituídas por momentos que acrescentassem mais peso à narrativa.
Faltou coragem para permitir que os conflitos internos do casal, e também externos, construíssem alguma tensão para culminar em um desfecho mais impactante. Há uma preocupação tão grande em alongar as cenas alegres, mostrar a felicidade do casal e proteger ao máximo esta rara representação positiva de um romance LGBTQ+ que acaba esvaziando todo o drama típico de comédias românticas.
Tudo é muito fácil e sem grandes consequências. Questões que poderiam ser trágicas dado o contexto dos personagens são resolvidas em questões de poucos minutos. Os personagens encaram a situação como se fosse o fim do mundo para na cena seguinte tudo estar bem novamente. O roteiro introduz diversas oportunidades de construir um drama, uma reviravolta para fisgar a atenção do público, mas não se compromete com nenhuma.
No livro, a grande força que mantém a narrativa sempre em movimento é a disputa política pela presidência dos Estados Unidos, que foi completamente esvaziada pelo diretor por uma visão míope de como gerenciar uma história de romance. Em uma tentativa de ressaltar o amor entre Alex e Henry, Matthew Lopez cortou qualquer questão paralela que não envolvesse diretamente o relacionamento do casal. E assim, descartou os melhores personagens, as melhores tramas e toda a nuance que fazia de Vermelho, Branco e Sangue Azul uma história emblemática.
O romance entre o filho da figura política de maior poder no novo mundo com o herdeiro da instituição tradicional de maior destaque do velho mundo é inerentemente política. As visões de como cada personagem encara estas instituições, tão presente nos livros, acaba refletindo de certo modo quem estes personagens são como pessoa, suas crenças e valores. Ao optar por deixar esses detalhes de escanteio, a história não só abandona muito de sua complexidade, como também perde o ritmo de um dos finais mais arrebatadores da ficção. No livro, a noite da eleição é a colisão de tudo que o enredo construiu. No filme, apenas uma nota de rodapé na vida de dois jovens adultos nada comuns.
Para piorar, os produtores não fizeram o melhor trabalho na hora de gerenciar o orçamento limitado do projeto. Enquanto temos cenários bem detalhados para a família real, muitas cenas precisaram lançar mão de uma computação gráfica bem meia-boca para economizar. Parece que, em algum momento, o prazo começou a apertar, o orçamento já estava no limite e decidiram gravar múltiplas cenas de qualquer maneira de frente para um fundo verde, com a certeza que tudo ficaria bem na pós-produção. O resultado não ficou nada natural e fica gritante na maioria das cenas a céu aberto, que escancaram o problema atual da indústria de efeitos visuais.
Como comédia romântica, Vermelho, Branco e Sangue Azul faz um bom trabalho ao trazer aquela faísca de um casal apaixonado que não consegue se desgrudar, mas falha em construir motivos para o público realmente se importar com seu desfecho. Tudo é muito previsível e sem peso. Nem mesmo a temível Coroa Britânica parece se importar tanto quanto o Príncipe faz parecer.
Já como adaptação, o longa falha espetacularmente em entender o que fez a obra original ser um romance tão rico, que cativou uma geração LGBTQ+ em um momento político em que sua existência estava ameaçada pela ascensão de políticos extremistas ao redor do mundo. Vermelho, Branco e Sangue Azul tinha em mãos a oportunidade de ser o refúgio de todos aqueles que tiveram medo um dia de amarem livremente, porém acabou sendo apenas um romance mediano digno de Sessão da Tarde. História? Não conseguiram fazer.
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