Crítica: Triângulo da Tristeza naufraga em suas próprias ambições

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Crítica: Triângulo da Tristeza naufraga em suas próprias ambições

Por Gus Fiaux

Recém-lançado nos cinemas brasileiros e disponível no Prime VideoTriângulo da Tristeza é um dos dez filmes indicados ao Oscar de Melhor Filme em 2023. Dirigido pelo sueco Ruben Östlund, cineasta famoso pelas sátiras Força Maior The Square: A Arte da Discórdia, o novo longa surfa nas discussões de classe ao retratar os conflitos entre milionários hospedados em um iate e a equipe de serventes que lá trabalha.

Ainda que conte com boas atuações e um ótimo trabalho técnico, o filme se estende além do necessário e não é capaz de articular sua trama fora da sensibilidade “de prestígio” que já se espera de premiações, tornando o que poderia ser um divertido comentário social sobre o choque de valores em um exercício vazio e redundante. Aqui, você pode ler a nossa crítica do filme!

Ficha Técnica:

Título: Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness)

 

Direção e roteiro: Ruben Östlund

 

Data de lançamento: 16 de fevereiro de 2023

 

País de origem: Suécia, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e França

 

Duração: 2h 27min

 

Sinopse: Um iate para um super-ricos afunda, deixando alguns sobreviventes, incluindo algumas celebridades da moda. Todos ficam presos em uma ilha.

Triângulo da Tristeza está em cartaz nos cinemas e também está disponível no Prime Video.

Uma (literal) avalanche de merda e vômito

Triângulo da Tristeza abre com uma cena em que vários modelos masculinos são entrevistados. Durante o curso dessa sequência, eles precisam mostrar como devem se comportar com marcas caras, como a Balenciaga, e também como devem se comportar ao fazer peças para marcas mais baratas. E já na sequência, temos um prenúncio do que está por vir: um mundo de aparências e futilidades.

Veja bem, não é de hoje que o cinema trabalha luta de classes e a enorme disparidade entre o 1% dos milionários que detém a maior parte das riquezas humanas e os mais desabastados – basta lembrar de Metropolis, de Fritz Lang, que disseca os conflitos entre proletariado e burguesia, isso no auge de 1927. Contudo, desde a vitória de Parasita no Oscar de 2019, o conceito de “eat the rich” se tornou um terreno prolífico para várias produções cinematográficas.

Agora, Ruben Östlund, que já havia dirigido os ótimos Força Maior The Square: A Arte da Discórdia – ambos os filmes inevitavelmente tocam no conflito de classes – tateia novamente essa ideia através de seu mais novo longa… e o resultado é, acima de tudo, irregular.

A história começa quando um casal movido por aparências – o modelo Carl (Harris Dickinson), que havia aparecido na sequência de abertura, bem como sua namorada (e também modelo) Yaya (Charlbi Dean) – são convidados para uma viagem em um iate de luxo, acompanhados por outras figuras influentes e, obviamente, cheias de privilégio e de grana.

O que parece então ser uma ótima oportunidade para explorar os delírios e loucuras da elite logo se transforma em um banho escatológico, no dia em que todos vão para o jantar do comandante (vivido por Woody Harrelson) e lá, são alimentados com comida estragada, o que provoca uma literal chuva de vômito e merda e acaba escalonando até um pequeno “apocalipse” dentro dessa proposta inicial.

E se a cena onde velhos multimilionários e peruas encrustadas de joias deixam fluir seus dejetos parece engraçada a princípio, ela logo determina todos os problemas do filme. Afinal, cinco minutos de gorfo e diarreia passando pela tela até garantem uns risos de nervoso, Östlund não sabe a hora de parar, e a sequência não só perde a graça como também torna-se enfadonha e desinteressante.

As dinâmicas só realmente encontram um ponto interessante lá pelo terceiro ato do filme, ambientado em uma ilha onde uma pequena parcela das pessoas do iate vão parar depois que o navio afunda. Ali, o diretor começa a tratar de dinâmicas de poder e como a ruptura das estruturas sociais ainda assim não freia os interesses humanos por poder e dominância.

Isso é bem representado por Abigail (Dolly De Leon), uma das faxineiras do iate, que ao se ver presa junto de dois outros trabalhadores do navio e cinco ricos abobalhados, logo se transforma em uma dominatrix, exigindo não só respeito e submissão de seus “súditos”, como também favores sexuais de um deles. Porém, parece que Triângulo da Tristeza não consegue não passar do ponto em diversos aspectos.

O mais curioso, no entanto, é como o filme pega uma premissa dessas, junta em uma comédia ácida e, ainda assim, não consegue abraçar o camp inerente das relações entre ricos deslumbrados e pessoas “normais”. O máximo que temos é uma cena onde uma das convidadas do iate exige que toda a tripulação nade em horário de trabalho, o que por si só se torna o catalisador de toda a desgraça que veremos adiante.

E para piorar, a ausência do camp não se justifica porque todos os personagens, exceto por Abigail, são caricaturas pura e simplesmente. Eles não têm nuance, personalidade e não são humanizados o bastante para que gostemos de suas histórias. São apenas figuras malformadas que tentam gritar com o público que “os ricos são maus e cruéis e devemos odiá-los“.

E veja bem, não é que eu, este que vos escreve, defenda milionários e sua gana insaciável – muito pelo contrário, na verdade. No entanto, era de se esperar que, vindo do roteirista e diretor que nos apresentou Força Maior, houvesse uma mínima intenção de criar personagens complexos o bastante para estabelecer contradições entre os seus mais insanos comportamentos. E infelizmente, não é o que acontece.

Essa falta de um norte emocional, de uma figura com a qual possamos simpatizar, obviamente faz parte da premissa do filme, que tenta apostar no niilismo das relações humanas e como, quando temos poder, somos completamente cruéis com aqueles ao nosso redor. Mas ainda assim, falta nesse niilismo um contraponto que indique evolução para os personagens – os que saem vivos, pelo menos.

Ostlund obviamente tem seus méritos. O diretor sabe filmar muito bem, algo que fica evidente em toda a sequência que o iate passa por uma tempestade e vemos o barco balançar vertiginosamente, pendendo para os lados. Ali, ele consegue criar um senso de turbulência e nos provocar um enjoo aliado aos vômitos intermináveis. O problema é que, por se estender demais, a cena vai lentamente perdendo seu próprio peso.

É bem interessante que o roteiro, de forma geral, evite atritos em sua primeira metade. Afinal, voltando ao tema que nos é apresentado na sequência de abertura, essa é uma história de aparências, e todos querem passar seu melhor lado quando estão sendo observados – por isso, a parte em que todos vão para a ilha absorve um pouco de O Senhor das Moscas, de William Golding, e nos mostra o fim da civilização como conhecemos.

Porém, apesar de ser uma comédia, o filme raramente entrega humor de fato. Óbvio, o estilo de Ruben não parte de piadas e alívios cômicos, e sim da situação, mas mesmo assim, são momentos muito esparsos entre si e que acabam sendo comprometidos pela duração do filme, que se estende além da boa vontade do público.

O resultado final é um longa que sacrifica tudo que há de mais interessante na filmografia de Ruben Östlund, tudo para passar a imagem de “prestígio” em premiações – e pelo visto está funcionando, tendo em vista que Triângulo da Tristeza ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e já está na corrida para levar a estatueta de Melhor Filme no Oscar desse ano. Porém, a que custo?

Sem conseguir sair do superficial, o filme acaba sendo fiel à sua cena de abertura e entrega apenas aparências, seja pelos seus personagens rasos como um pires ou por sua própria “crítica social foda“, que ao não oferecer nenhum tipo de contraponto, acaba se tornando uma repetição vazia e redundante que nunca atravessa os limites do “bom gosto”.

E no fim, Triângulo da Tristeza acaba soando como todos aqueles que critica. Bonitinho, mas ordinário.

Nota: 2/5

Triângulo da Tristeza está em cartaz nos cinemas e também está disponível no catálogo do Prime Video.

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