Crítica: The Witcher, Temporada 3 – Parte 2
Crítica: The Witcher, Temporada 3 – Parte 2
Divisão prejudica segunda metade do terceiro ano da série, apesar de sua conclusão sólida
The Witcher teve sua terceira temporada finalizada com a chegada dos três últimos episódios apresentados em sua segunda parte. Concluindo as tramas introduzidas e dando a deixa do que vem aí para seus personagens após enormes mudanças no estado do mundo, a série consegue apresentar cenas bonitas e bons monólogos, embora seja prejudicada pela divisão dos episódios e atormentada por seus erros anteriores.
O saldo, ainda assim, é positivo: e promissor no que diz respeito ao futuro da série, especialmente após o tratamento dado a Ciri (Freya Allan) nos novos episódios.
Ficha Técnica
Título: The Witcher
Criação: Lauren Schmidt Hissrich
Roteiro: Mike Ostrowski, Troy Dangerfield, Matthew D’Ambrosio e Javier Grillo-Marxuach
Direção: Loni Peristere e Bola Ogun
Ano: 2023
Emissora/Streaming: Netflix
Número de episódios: 3 (Temporada 3 – Parte 2)
Sinopse: Enquanto monarcas, feiticeiros e feras do Continente competem para capturá-la, Geralt mantém Ciri de Cintra escondida, determinado a proteger sua recém reunida família de todos que ameaçam destruí-la.
O problema na divisão
Quando escrevi sobre a primeira parte da nova temporada de The Witcher, apontei como um dos maiores destaques a força encontrada pela série na união de seu trio principal. Desta vez, a crítica precisa ser iniciada apontando o problema na divisão – não dentro da história, e sim na forma como o lançamento dos episódios foi estruturado.
A primeira parte da terceira temporada termina em um “cliffhanger”, com o início do Golpe de Thanedd, levantando questões sobre o porquê dessa decisão. Infelizmente, o lançamento da segunda parte não justifica essa decisão e, pior ainda, torna gritante o quão prejudicial ela foi.
Isso porque, nos últimos três episódios da temporada, o que temos é apenas a conclusão dos eventos apresentados anteriormente. Não há, aqui, construção e clímax (esses já foram apresentados na parte 1), apenas consequência e resolução. Ambas são partes importantes de qualquer história, claro, mas apresentadas sozinhas perdem sua força, sendo muito menos impactantes pelo corte do fluxo natural da trama. É possível e provável que os espectadores que assistam a todos os episódios como uma única temporada, ignorando a divisão em partes, a vejam de modo mais positivo, sentindo menos a quebra nada natural apresentada pela divisão adotada pela Netflix.
Esse, porém, está longe de ser o único problema “herdado” pela primeira leva dos novos episódios. Se a união do trio principal e seu destaque se mostraram um ponto forte, recuperando parte do fôlego de que a série necessitava, seu descaso com seus personagens secundários se torna ainda mais aparente com a finalização da temporada. Aqui, fica evidente o esforço para que o público se importe com o desfecho e futuro de certos personagens, sendo que a construção até isso foi mínima, algo que não muda até o episódio final.
Com a introdução de diversas personagens, principalmente no núcleo de Aretuza, chega a ser difícil lembrar quem é quem, uma vez que muitas personagens mal têm tempo de brilhar para além de uma breve introdução. Outras, como Sabrina Glevissig (Therica Wilson-Read) exemplifica, tem caracterização tão fraca que é difícil questionar o que é coerente com a personagem, mesmo quando seus objetivos e lealdades mudam a cada cinco minutos.
Conforme a série expande seu universo por conta das tramas políticas, a fragilidade da base da história se torna cada vez mais aparente. A título de comparação, em uma produção como Game of Thrones, mesmo personagens que apareceram pouco, como Lysa Arryn, tinham personalidades e motivações próprias, apresentadas de modo claro. Não é o que acontece aqui, onde as “peças” do jogo parecem não importar para nada além de fazer volume no tabuleiro, seja por Philippa (Cassie Clare) precisar de aliados ou Yennefer (Anya Chalotra) necessitar de alguém a acompanhando enquanto faz um discurso inspirador.
Por ser uma parte voltada para desfechos, a falha se torna ainda mais gritante. Que bom que a série não deixa sem solução núcleos como o dos Scoia’tael, mas é difícil sentir o impacto da resolução entre a situação de Fringilla (Mimi Ndiweni) e Francesca (Mecia Simson), deixada de lado ao longo da temporada apenas para ser apresentada como importante no fim. As exceções se apresentam justamente nos personagens que acabaram tendo mais espaço e melhor construção em temporadas anteriores, como é o caso principalmente de Tissaia de Vries (MyAnna Buring), que consegue comover por causa da forte presença da personagem desde o início, e que talvez se beneficie também da proximidade com Yennefer, evidenciando o problema que persiste quando a trama tenta apresentar outros núcleos mas não desenvolvê-los em pé de igualdade.
Ainda assim, a questão do foco dado pela narrativa também tem influência dos bastidores, algo muito perceptível na parte final da terceira temporada. Não é segredo há algum tempo que Henry Cavill está deixando o posto de protagonista da série, e que será substituído por Liam Hemsworth no quarto ano do projeto. Aqui, fica claro que a resposta encontrada para a mudança foi destacar as forças das outras protagonistas, que ganham mais espaço que Geralt na reta final.
A série parece empenhada em se justificar, colocando a dupla como principal razão pela qual esse universo ainda vale a pena, e motivo para o público insistir nessa história mesmo com a saída de sua grande estrela. Felizmente, tanto Anya Chalotra quanto Freya Allan brilham em todas as suas cenas, mais que justificando o destaque que recebem. Se o relacionamento entre Yennefer e Ciri se destacou na parte 1, aqui elas passam por desenvolvimento individual mas necessário, tendo tempo para lidar com as circunstâncias cada vez mais terríveis em que se encontram.
Ciri, em particular, finalmente é colocada em uma posição que começa a torná-la mais que um motivador. Ainda que muitos possam ver a sequência de “sonho febril” pela qual ela passa como desinteressante ou arrastada, fica claro que o momento é essencial para que a garota finalmente questione seus poderes e seu papel – o que deve servir de base para sua jornada daí em diante. É uma escolha acertada deixar que uma história que desde o início gira em torno de Ciri finalmente seja protagonizada por ela, e a terceira temporada faz bem em dar maior destaque a ela.
Ainda que The Witcher soe desesperada em evidenciar que tem mais a oferecer que Cavill, o fato é que, realmente, a série não se resume ao ator. O problema está justamente na vontade de se justificar, ao invés de expandir seu foco e construir sua força nesse universo como um todo. Há muito a ser explorado em um universo tão rico, com protagonistas tão fortes e um elenco majoritariamente competente, e na maior parte do tempo a terceira temporada consegue mostrar isso, mas se sairia muito melhor tomando mais cuidado com seus núcleos secundários – e permitindo a Geralt mais espaço ao lado das outras protagonistas, ao invés de deixá-lo de lado.
Na parte técnica, a série se esforça para incluir cenas belas ou simbólicas, especialmente em seus dois últimos episódios. Quando se trata das batalhas e coreografias, porém, há poucos momentos memoráveis, e alguns nos quais a qualidade não se compara aos melhores momentos da série entre inúmeros cortes de câmera, presentes em cenas nas quais a filmagem é propositalmente instável. A questão é que, em uma produção que já se destacou tanto por suas coreografias épicas de luta, esses elementos só prejudicam que a obra encontre sua força nos momentos de ação, os tornando genéricos e cansativos.
Narrativamente, a obra consegue apresentar uma história coerente, que continua desenvolvendo seus personagens. Objetivamente, é possível olhar para a trama e apontar que a história parece “andar em círculos”, mas isso não seria justo diante de tudo que foi apresentado. O mundo mudou, os personagens cresceram, passando por desenvolvimentos cruciais acerca de como se relacionam não só uns com os outros mas com o mundo como um todo. Seja a neutralidade de Geralt ou o papel de Yennefer, ou mesmo a exploração de Ciri acerca de seus poderes, herança e caminho para o futuro, muita coisa mudou, com a devida construção e cuidado para que isso se justifique.
A escrita também se destaca em certos momentos, principalmente nas cartas e monólogos apresentados. O olhar mais íntimo para certos personagens é um acerto em cheio, e garante algumas das poucas oportunidades de ver as mudanças pelas quais o elenco secundário também passou.
O resultado, no fim, é bastante positivo. Não há problemas inerentes à segunda parte da temporada que não tenham suas raízes em escolhas anteriores, com exceção da infeliz escolha de divisão adotada pela plataforma de streaming. Ainda assim, a terceira temporada apresenta um desfecho satisfatório para suas tramas em seus três episódios finais, levando o tempo necessário para permitir que o impacto dos grandes acontecimentos seja sentido e seus personagens se reajustem a seus respectivos lugares no mundo.
Com a promessa de lidar com os efeitos das derrotas sofridas pelos personagens nesse ponto da história, a quarta temporada tem muito o que desenvolver. Seu sucesso não precisa depender exclusivamente do quão bem Hemsworth se integrará ao elenco e ao protagonista – mas a série precisa aprender que não basta se segurar ao trio principal, superando os problemas que a permeiam desde seu segundo ano.
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