Crítica: The Witcher, Temporada 3 – Parte 1
Crítica: The Witcher, Temporada 3 – Parte 1
Retorno da série da Netflix recupera o fôlego, apesar de tropeços da trama
Quando The Witcher estreou no fim de 2019, as expectativas de muitos eram de que a Netflix tivesse encontrado sua versão de Game of Thrones: um mundo de fantasia intrigante, com personagens carismáticos ainda que não fossem necessariamente boas pessoas, e situações difíceis nas quais mesmo a vitória dificilmente tem esse sabor. Apesar dos efeitos especiais de mais baixo orçamento que a gigante da HBO, a série estrelada por Henry Cavill, Anya Chalotra e Freya Allan conquistou o público e a crítica, elevando ainda mais as expectativas para seu futuro.
Em seu terceiro ano, a produção precisa se recuperar após uma segunda temporada fraca, enrolada e que desperdiçou todo o potencial da série. Felizmente, a primeira leva de novos episódios mostram que a equipe por trás do projeto parece ter aprendido com alguns erros – e, ainda que insista em outros, o saldo é majoritariamente positivo no fim.
Ficha técnica
Título: The Witcher
Criação: Lauren Schmidt Hissrich
Roteiro: Mike Ostrowski, Tania Lotia, Haily Hall, Rae Benjamin e Clare Higgins
Direção: Stephen Surjik, Gandja Monteiro e Loni Peristere
Ano: 2023
Emissora/Streaming: Netflix
Número de episódios: 5 (Temporada 3 – Parte 1)
Sinopse: Enquanto monarcas, feiticeiros e feras do Continente competem para capturá-la, Geralt mantém Ciri de Cintra escondida, determinado a proteger sua recém reunida família de todos que ameaçam destrui-la.
A força na união
Às vezes, uma família pode ser uma feiticeira extremamente poderosa, um caçador de monstros com coração de ouro e uma princesa perdida com poderes mágicos capazes de destruírem o mundo. Desde a primeira temporada da série, o público ansiava para que Geralt, Yennefer e Ciri se reunissem e, no início da terceira temporada, finalmente vemos o trio começar a ser uma família.
Em meio a desafios, perseguições e lições de magia, relações quebradas começam a ser reparadas, enquanto os laços entre o trio se tornam cada vez mais estreitos. É principalmente nestes momentos em que The Witcher mais brilha, dando espaço para seus personagens se desenvolverem como mais que simples peças em um tabuleiro. Por meio dessas relações, cheias de erros e desentendimentos mesmo após a reunião do trio principal, a série demonstra todo seu potencial em fazer com que os espectadores se importem com o que estão assistindo.
É uma pena que os três não permaneçam juntos por muito tempo, mas a separação em duplas acaba servindo apenas para desenvolvê-los ainda mais. Yennefer e Ciri finalmente têm espaço para se conhecerem mais a fundo e se conectarem, tudo colocado de forma orgânica que move a trama adiante sem narrativas sem sentido e descartáveis, como foi o caso na temporada anterior. Ao mesmo tempo, as relações individuais das duas com Geralt não perdem a importância, e na simplicidade desses laços a obra é capaz de cativar, estabelecendo de fato o porquê dos desafios e desventuras que acompanhamos importarem.
Infelizmente, essa força não permeia todos os núcleos e personagens da série, que conta com diversos outros núcleos em sua terceira temporada. Alguns, como a corte da Redânia, conseguem se sobressair, trazendo um quê do melhor que Game of Thrones oferecia com intriga política, segredos e punhaladas nas costas, ainda que de modo muito mais contido e simples que a obra da HBO. Ainda assim, essa versão simplista vem como algo positivo, talvez autoconsciente do que o público deseja ver e das capacidades da própria série, que nunca se propôs a ser exatamente o mesmo tipo de coisa que a série baseada nos livros de George R. R. Martin.
Nesse meio, é principalmente o Sigismund Dijkstra do talentosíssimo Graham McTavish quem rouba a cena. Ainda que a série tente dar destaque ao Príncipe Radovid (Hugh Skinner), ou mesmo que Philippa Eilhart (Cassie Clare) seja apresentada como uma jogadora a ser temida, ninguém brilha mais que o responsável pelo Serviço Secreto Redaniano. Sua presença em cena atrai todos os olhos para ele, principalmente nos momentos em que Djikstra tem a oportunidade de mostrar quão inteligente e perigoso realmente é.
O restante dos personagens secundários, no entanto, não acompanha os pontos fortes da temporada. Elfos e nilfgaardianos permanecem em tramas arrastadas, dando voltas cansativas sem chegar a qualquer lugar que desenvolva a história ou os personagens na maior parte do tempo, enquanto as feiticeiras e feiticeiros fazem um péssimo trabalho de se mostrarem minimamente competentes em suas ambições políticas – ou mesmo em manter a casa em ordem.
Ainda assim, a nova temporada consegue se manter relativamente estável, permitindo que seus protagonistas cresçam e colocando as peças no tabuleiro para grandes acontecimentos. É uma pena que a primeira parte termine antes do clímax dessa situação, deixando a história logo antes de finalmente apresentar uma resolução, mas a série é bem-sucedida em deixar o espectador ansioso pelo que virá a seguir, estando ou não familiarizado com a história dos livros em que a obra se baseia.
Ainda no fim do quarto episódio, a série começa a brincar com diálogos interessantes e diferentes perspectivas, finalizado de modo que já estabelece o tom do que vem a seguir, e trouxe certamente o momento mais marcante do episódio. O ponto mais alto, porém, é o episódio final da parte 1 da temporada – um dos melhores de toda a série, elevando o padrão ao brincar com perspectivas e com as informações que o público e os personagens têm a cada momento. A construção (e desconstrução) de tensão e expectativas é feita com maestria, tornando cada passo da jornada interessante.
O monstro no meio do caminho
The Witcher não traz um “monstro da semana” por episódio, seguindo um caminho semelhante aos livros de Andrzej Sapkowski, que tem início com coletâneas de contos antes de se tornarem romances de fato. De modo semelhante, a série também acerta ao dar tanto espaço para Yennefer e Ciri quanto para Geralt, as estabelecendo como protagonistas de fato e sabendo utilizar suas forças no decorrer dos acontecimentos. É um desenvolvimento que parece natural quando comparado à primeira temporada, trazendo a sensação de retorno a essas raízes sem que a nova leva de episódios seja reduzida somente a isso.
Outro aspecto que se destaca, nesse sentido, são as sequências de ação. Grande chamariz da primeira temporada, a ação da terceira temporada se assemelha mais às coreografias impressionantes que conquistaram os fãs, além de saber mesclar muito bem os talentos de witcher do protagonista com o uso de suas espadas. Ainda falta algo que coloque a temporada no mesmo nível de cenas icônicas como o episódio que mostra Geralt em Blaviken; mas, pela primeira vez em algum tempo, há uma fagulha cheia de promessa no que é apresentado nos novos episódios.
Dificilmente The Witcher voltará a contar com o carinho dos fãs dos livros após se distanciar deles na segunda temporada, mas a primeira parte do terceiro ano mostra que a equipe por trás da série de fato escutou às muitas reclamações sobre a leva anterior de episódios. Mesmo que siga caminhos diferentes, como continua a fazer por exemplo por meio de Radovid, a trama é mais cuidadosa em apresentar situações que façam sentido com a construção de seus personagens, além de que acrescentem à trama como um todo e de fato tenham algo de interessante, ao invés de estarem focadas em justificar possíveis derivados (mesmo situações que acenam para um spin-off já em desenvolvimento não é descarada e mal feita como toda a situação relacionada aos monólitos na segunda temporada).
O resultado final é bastante positivo. A divisão de episódios levanta questões, e pode acabar sendo prejudicial a ambas as partes por não entregar uma conclusão agora, um dos pontos negativos da temporada. Além disso, embora quesitos técnicos, como os figurinos particularmente ruins, deixem a desejar, ou mesmo aspectos narrativos, como alguns dos núcleos da história acabem se tornando extremamente desinteressantes, na maior parte do tempo a série acerta – de modo muito além do esperado para mim, que sequer planejava retornar para a produção após a segunda temporada.
É a recuperação que a obra precisava após seu período turbulento e futuro incerto, com a partida de Henry Cavill – e que, ao mesmo tempo em que demonstra que há mais em The Witcher que o bruxo principal, levanta questões sobre o que o futuro aguarda para o projeto.
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