Crítica: The Last of Us, Temporada 1
Crítica: The Last of Us, Temporada 1
A nova produção da HBO não está tentando “quebrar a maldição das adaptações de video games”, mas apenas ser uma boa série. E isso é mais que o suficiente.
Uma das maiores obras do mundo dos video games, The Last of Us foi adaptado como uma série pelo HBO Max que traz Pedro Pascal como Joel e Bella Ramsey como Ellie, uma dupla improvável que precisa atravessar um Estados Unidos devastado após mais da metade da população morrer ou ser infectada por um fungo letal.
The Last of Us estreia em breve no HBO Max; graças ao streaming, tive a oportunidade de assistir a primeira temporada completa da série. Nem todos episódios estavam concluídos e alguns, principalmente os últimos três, não tinham quase nenhum efeito visual finalizado. Como esta é uma crítica de uma série que ainda está em pós-produção, tocarei mais nos elementos narrativos, escolhas de produção e trabalho de atuação. Vamos lá?
- Ficha Técnica:
- Quando na escuridão, busque pela luz
- Ellie e Joel, Joel e Ellie
- Somos todos histórias
- O problema são os outros
- Não importa o que aconteça…
https://www.youtube.com/watch?v=VHNzi1CjDb0&ab_channel=HBOMaxBrasil
Ficha Técnica:
Título: The Last of Us
Criação: Craig Mazin & Neil Druckmann
Ano: 2023
Emissora/Streaming: HBO e HBO Max
Número de episódios: 9 (1ª temporada)
Sinopse: Vinte anos após a queda da civilização, Joel é contratado pra tirar Ellie de uma zona de quarentena perigosa. O que começa como um pequeno trabalho, logo se transforma em uma jornada brutal pela sobrevivência.
Quando na escuridão, busque pela luz
Antes de começar a análise de forma propriamente dita é importante deixar claro que sempre fui um grande fã de The Last of Us; o primeiro jogo me pegou de uma forma que eu não esperava em um momento pessoal bastante complexo e, desde então, essa se tornou minha franquia favorita no mundo dos jogos e realmente possuo uma conexão bem grande com esses personagens e esse universo.
The Last of Us se passa em um mundo em que após uma grande infecção do fungo Cordyceps mais de metade da população morreu ou foi infectada, fungo este que agora se espalha conectando todos os infectados no que é quase uma mente compartilhada.
A trama começa quando Joel (Pedro Pascal) e Tess (Anna Torv) são contratados por Marlene (Merle Dandridge), uma líder da organização paramilitar chamada “Vagalumes”, para escoltar Ellie (Bella Ramsey). Quando tudo dá errado, eles descobrem que Ellie é imune ao Cordyceps e Joel deve levar a garota em uma jornada belíssima e visceral através dos EUA, ao mesmo tempo em que enfrenta demônios de seu passado e vai criando uma ligação paternal com a garota.
Em histórias sobre o fim do mundo é comum vermos locais completamente devastados e cinzas, com monstros assustadores esperando no canto para atacar no último segundo. The Last of Us tem sim momentos exatamente assim, porém o jogo sempre se destacou pela beleza que também havia nesse universo e é exatamente esse o sentimento que Craig Mazin e Neil Druckmann conseguem trazer para a série.
Quando tudo explode e vai para o espaço, quando mais de metade das pessoas no mundo morrem por uma doença desconhecida, quando tudo parece perdido – a vida continua. A humanidade, de certa forma, continua também. Já disse o Dr. Malcolm, personagem de Jeff Goldblum em Jurassic Park, “A vida encontra um jeito”… E The Last of Us é a personificação perfeita disso em um mundo apocalíptico.
Através da jornada de Joel e Ellie na série vamos acompanhando os mais diferentes personagens em uma trama que algumas vezes parece até ser procedural, mas ela está ali amarrando essas figuras e universo até mesmo nos momentos em que eles sequer se encontram. Através dos relacionamentos e das histórias desses personagens secundários que aparecem na jornada dos protagonistas fica claro o que Mazin e Druckmann querem fazer… E eles verdadeiramente fazem isso bem.
Ellie e Joel, Joel e Ellie
De início, admito que mesmo tendo gostado muito da escalação de Pedro Pascal como Joel, fiquei com um pé atrás em relação à Ellie de Bella Ramsey, tendo visto seu trabalho apenas em Game of Thrones e His Dark Materials, não estava muito confiante na sua habilidade em lidar com uma personagem tão complexa, interessante e divertida como a Ellie. Fiquei muito feliz por estar completamente errado.
É impossível não exaltar a atuação de Bella Ramsey como Ellie. Enquanto no jogo temos bastante tempo para simpatizar com a personagem, Ramsey consegue entregar o melhor de Ellie já em suas cenas iniciais – e a partir daí é apenas um show atrás do outro.
Ellie é divertida e trágica. Seus momentos fazendo piadas e trocadilhos ruins são excelentes, mas Ramsey se destaca em todas as suas cenas dramáticas. Com um rosto expressivo e olhares concentrados, Ellie ganha uma nova vida nesta adaptação e Ramsey se consagra como uma das melhores atuações em uma produção baseada em um jogo.
Já sobre Joel, Pedro Pascal está fenomenal como este senhor rabugento que poderia matar uma cidade inteira sozinho e aos poucos vai tendo seu exterior duro e irritadiço quebrado pela insistência de Ellie. A transformação do personagem ao decorrer da série é excelente e os poucos momentos em que vemos ele quebrando – e chorando ou rindo – são de partir o coração. Não é exagero dizer que essa é a melhor atuação de Pedro Pascal até o momento.
O ponto alto da série – algo que os showrunners compreendem muito bem – é a ligação e química entre os atores. É através da conexão que vemos sendo criada entre eles que passamos a nos importar com a narrativa e esse universo. É daí também que, nos jogos, vem uma das questões mais importantes da trama que, na série, acaba ficando de lado: o utilitarismo contra o individualismo.
Na série, talvez também pelo último episódio ser o menor da temporada, todas as questões filosóficas da história acabam se perdendo e o que temos é um enredo corrido, porém que consegue fechar bem o primeiro ano da série.
Somos todos histórias
Em The Last of Us da HBO, diferente do jogo, a trama é tanto de outros personagens quanto de Joel e Ellie. Em sua jornada atravessando os Estados Unidos os dois encontram diferentes figuras e, em vários momentos, suas histórias são contadas através de flashbacks. E aqui é que The Last of Us consegue fazer algo que muito tempo atrás ouvi ser dito sobre uma série que abandonei na metade: “não é sobre os zumbis, é sobre as pessoas”. Enquanto The Walking Dead nunca conseguiu me passar esse lado humano, The Last of Us mostra que é sim possível existir beleza e humanidade mesmo quando tudo parece perdido.
O senso de urgência da série é excelente. Os infectados estão bastante semelhantes aos dos jogos e o tempo todo você tem medo de que um vai pular de algum canto do nada, ainda assim, isso raramente acontece e os poucos sustos que temos são muito bem executados. O roteiro nunca para exatamente para explicar e falar sobre eles e suas diferentes formas, o que faz sentido já que nesse universo não deve haver muitos estudos sobre os infectados. E nem é preciso, tudo é muito simples e bem mostrado na série.
Tempos atrás, em uma palestra da quadrinista G. Willow Wilson, criadora da Ms. Marvel Kamala Khan, ela falou sobre The Last of Us, Jogos Vorazes e as narrativas modernas do “fim do mundo”, citando como quase todas elas não são realmente sobre o fim, mas sim um novo começo. Após tantos problemas, catástrofes climáticas, retorno de movimentos fascistas e um grande movimento de desumanização visto em primeira mão pela humanidade, a única forma de seguir em frente é destruir tudo e começar do zero.
The Last of Us não é uma série sobre infectados agindo como zumbis em hordas gigantes correndo atrás dos personagens, não é sobre uma cura milagrosa para um mundo destruído, não é sobre cenas de ação imparáveis cheias de adrenalina. The Last of Us é sobre caminhar em uma floresta vazia, fazer carinho em girafas e, acima de tudo, é sobre esperança e sobre as pessoas.
O terceiro episódio da série, que particularmente é o meu favorito junto do sétimo, consegue encapsular toda essa questão maravilhosamente bem. Através da história de Bill (Nick Offerman) e Frank (Murray Bartlett) podemos claramente ver reflexos de todos os outros relacionamentos da trama – seja Joel e Tess, Joel e Ellie, ou até mesmo Tommy (Gabriel Luna) e Maria (Rutina Wesley).
É justamente através das histórias desses personagens que vamos encontrando no caminho que The Last of Us mostra sua força, sua forma, sua humanidade. Essa verdadeiramente é uma série sobre pessoas e como a esperança continua viva mesmo após as piores coisas acontecerem e, através dessas histórias, somos lembrados daquilo que realmente importa.
Talvez por isso Craig Mazin e Neil Druckman decidiram dar uma grande importância para a frase dos vagalumes na série. “Quando na escuridão, busque pela luz”. Mesmo Joel odiando os vagalumes nos jogos, é inegável o efeito da frase e como ela se relaciona bem com a narrativa, não apenas de Joel como também de boa parte daqueles que ele e Ellie encontram no caminho.
O problema são os outros
Porém, mesmo sendo uma ótima série e uma excelente adaptação, The Last of Us possui sim alguns problemas. Os maiores talvez sejam os episódios quatro e cinco. Em nenhum momento a série tenta ser uma “adaptação do jogo” no sentido que estamos tão acostumados a ver em outras obras e em seus melhores momentos, ela emula narrativas do game ao mesmo tempo em que cria algo novo, diferente e muitas vezes melhor e mais aprofundado.
Porém, justamente no meio da série, o que temos é o que mais parece ser uma tentativa de agradar os fãs dos jogos que estavam ali apenas pelos tiros e cenas de ação – isso, porém, não é feito de uma forma natural e parece muito mais um roteiro que acabou não sendo finalizado a tempo e jogado ali no meio apenas para fazer volume.
O mais triste é como a excelente Melanie Lynskey, que tem demonstrado toda sua versatilidade na atuação em Yellowjackets, acaba sendo desperdiçada nesses episódios, que tentam expandir um momento do jogo que, honestamente, não precisava de tanto desenvolvimento assim. O tempo utilizado na trama, inclusive, poderia ter sido utilizado para desenvolver melhor Henry (Lamar Johnson) e Sam (Keivonn Woodard), que acabam ficando de lado na própria história.
Já outro ponto que poderia ter sido mais explorado, o condado de Jackson e Tommy (Gabriel Luna), acaba tendo um tempo de tela tão pequeno que é até triste pensar em como toda essa trama é pouco explorada. Gabriel Luna se encaixa perfeitamente com a personalidade mais calma e charmosa de Tommy, de forma que em futuras temporadas espero que o personagem, assim como Maria (que aqui é interpretada por Rutina Wesley, de True Blood), tenham o destaque merecido na adaptação.
Não importa o que aconteça…
Como adaptação, The Last of Us é formidável. A produção entende que não é possível trazer todos os momentos, cutscenes e falas do game. O foco aqui é adaptar a sensação do jogador ao conhecer esse mundo. Vez ou outra, a série faz várias pequenas referências que apenas quem jogou vai entender – como Ellie batendo sua lanterna para ela funcionar, ou Joel a impulsionando para outro andar para que ela jogue uma escada -, mas em momento nenhum isso fica como um segredo ou um easter egg inútil.
The Last of Us é sim a melhor adaptação de um video game para as telas. Contudo, julgando-a apenas como uma série, ela possui seus problemas – e está tudo bem. Eles ainda estão descobrindo esse universo e enredo em uma nova mídia.
No fim, The Last of Us se destaca como série justamente pela sua humanidade na hora de mostrar e tratar o “fim do mundo”. Enquanto tantas outras produções estão mais focadas na ação, problemas e sobrevivência, o que vemos aqui são pessoas que continuam vivendo sua vida – claro, algumas de formas bastante brutais… mas sempre humanas.
Através de personagens como Joel, Marlene, David e Bill, vemos que as coisas continuam exatamente as mesmas. Mesmo quando tudo está acabado, a vida encontra uma forma. A esperança também. Pode ser uma narrativa piegas, clichê talvez. Mas particularmente acredito que estamos precisando de histórias bonitas sobre como a humanidade não está perdida, não totalmente.
The Last of Us estreia no HBO Max em 15 de janeiro.
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