Crítica: The Idol, Temporada 1

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Crítica: The Idol, Temporada 1

Por Jaqueline Sousa

De A Malvada (1950) a Showgirls (1995), o que não falta em Hollywood são sátiras sobre o fantástico universo do entretenimento. O drama de celebridades que precisam vivenciar o Inferno de Dante para, somente assim, conquistarem a fama absoluta é uma pauta recorrente que, em maior ou menor grau, sempre consegue trazer reflexões interessantes sobre o culto exacerbado a figuras públicas, independente de qual ramo ela esteja inserida. Não é esse o caso de The Idol, série da HBO que chegou ao fim neste domingo (2).

Conduzida a partir de uma parceria entre Sam Levinson (Euphoria), Abel Tesfaye, o The Weeknd que você conhece na música, e Reza Fahim, que fez sua estreia como roteirista no programa, The Idol foi massacrada pela crítica quando estreou no Festival de Cannes, em maio deste ano, e também esteve envolvida em uma série de polêmicas de bastidores após a saída da diretora Amy Seimetz (Ela Morre Amanhã), que foi substituída por Levinson posteriormente. Com uma premissa que prometia explorar o mundo do show business de um jeito provocativo, tudo que a série conquista, na verdade, é o oposto disso, já que prefere suprir fantasias masculinas ao invés de desenvolver aquilo que se propôs a fazer.

Ficha técnica

Título: The Idol

 

Criação: Sam Levinson, Abel “The Weeknd” Tesfaye e Reza Fahim

 

Roteiro: Sam Levinson, Abel “The Weeknd” Tesfaye e Reza Fahim

 

Direção: Sam Levinson

 

Ano: 2023

 

Emissora/Streaming: HBO

 

Número de episódios: 5 (Temporada 1)

 

Sinopse: Sam Levinson (Euphoria) e Abel “The Weeknd” Tesfaye apresentam este drama HBO ambientado na indústria fonográfica, estrelado por Lily-Rose Depp como uma sexy e promissora estrela do pop, e Tesfay como um empresário com um passado obscuro.

Pôster de The Idol.

Sexo, drogas e rock ‘n’ roll

Para a estrela do pop Jocelyn (Lily-Rose Depp), nada poderia ser pior do que cair no esquecimento. Mas a jovem cantora, que costumava lotar estádios e emocionar uma legião de fãs com suas canções eletrizantes, não é mais a mesma de antes: após sofrer um colapso nervoso em uma turnê, Joss teve que deixar os palcos para trás em uma tentativa de recuperar sua saúde mental, uma tarefa complicada já que sua carreira poderia desandar de vez num piscar de olhos.

Assim, Jocelyn conta com o apoio de sua equipe para conseguir dar a volta por cima e reconstruir sua imagem na indústria musical, fazendo com que o mundo e, especialmente, seus fãs, a vejam como uma figura respeitada no cenário fonográfico. Só que as coisas acabam se complicando quando Joss conhece Tedros (Abel “The Weeknd” Tesfaye), um empresário misterioso que promete libertar a cantora de suas inseguranças mais profundas.

The Idol conta a história de uma popstar que se envolve com um empresário misterioso.

É essa a premissa que The Idol tenta desenvolver ao longo de cinco episódios. E uso o verbo tentar porque é somente essa ação que o programa dirigido por Sam Levinson consegue fazer a partir da perspectiva de uma cantora fragilizada por suas incertezas. Por mais que no fundo (bem no fundo mesmo), o programa conte com questionamentos interessantes sobre a vivência de uma jovem artista no meio de uma indústria completamente agressiva, desumana e exploratória, tudo é feito de uma maneira tão superficial que até mesmo o resquício de uma possível sátira não consegue atingir um bom resultado.

Grande parte desse problema vem da forma como a câmera de Sam Levinson se comporta diante de Jocelyn. Tudo é feito com um tom degradante que associa a imagem de Lily-Rose Depp a um objeto inanimado apenas para realizar as fantasias sexuais de um homem cisgênero e heterossexual que não consegue olhar para além de seu próprio ego. Nesse caso, a visão vem justamente do trio de criadores de The Idol: Levinson, Tesfaye e Fahim.

“Acredito que, às vezes, coisas que podem ser revolucionárias ultrapassam limites”, o diretor Sam Levinson afirmou durante a coletiva de imprensa da série em Cannes (via Vulture), referindo-se ao teor sexual e potencial “disruptivo” que ele julgava ser o resumo de seu trabalho com The Weeknd e Fahim. No entanto, The Idol é o completo oposto disso: enquanto quer ser “revolucionário”, tudo o que consegue alcançar é uma regressão a estereótipos de gênero que a indústria audiovisual vem perpetuando há décadas e que colocam corpos femininos sob um ponto de vista humilhante e hipersexualizado.

Jocelyn (Lily-Rose Depp) é conduzida na trama a partir de uma perspectiva masculina que a objetifica o tempo todo.

E isso não é algo inédito na carreira de Sam Levinson. Basta colocar qualquer episódio de Euphoria, série criada por ele, e ver como Cassie (Sydney Sweeney) é tratada em cena. Vista a partir de um viés objetificante, a personagem interpretada por Sweeney, que assim como Jocelyn também luta com sua saúde mental, é usada apenas para satisfazer o prazer masculino e nada além disso.

A objetificação feminina está em todos os cantos, mas é no audiovisual que ela se une com um discurso imagético poderoso (e extremamente preocupante) a partir do male gaze, o “olhar masculino” que ainda finca suas garras na indústria do entretenimento. Em The Idol, é esse male gaze que hipersexualiza a imagem de Jocelyn, uma jovem cantora insegura que é vista pela câmera como um mero objeto de desejo.

A visão que Levinson passa é de que ali a mulher só existe para servir aos desejos masculinos. Ela não tem personalidade própria, não tem propósitos e muito menos livre-arbítrio para seguir aquilo que acredita: ela existe para ser um objeto. É dessa maneira que ele mostra Jocelyn, do começo ao fim, mesmo quando passa uma falsa ideia de que a jovem está no comando de suas ações. Mas não é isso que a câmera sugere, já que ela está muito ocupada procurando cada centímetro exposto do corpo da atriz Lily-Rose Depp, e não há jogo de luz ou um bom enquadramento que consiga reparar o dano que isso faz na história da luta feminina contra a opressão patriarcal.

A relação problemática entre Jocelyn e Tedros vem acompanhada de uma hipersexualização de corpos femininos.

E o problema aqui não é usar o sexo como elemento narrativo, já que The Idol busca explorar a sexualidade da protagonista após seu encontro com Tedros. Afinal, sexo não deveria ser um tabu, e é um ato que pode servir como fio condutor de tramas excelentes no audiovisual, como aconteceu com Instinto Selvagem (1992), de Paul Verhoeven.

No entanto, ao contrário de Verhoeven, que sabe melhor do que ninguém como fazer uma sátira do show business e da relação de seres humanos com o sexo, Levinson e companhia estão tão absortos em seus universos particulares que simplesmente não conseguem entregar o mínimo de eroticidade e revolucionismo que dizem possuir.

Tudo é feito de maneira forçada, como se Jocelyn e Tedros estivessem brincando de Cinquenta Tons de Cinza apenas para tentar chocar o público puritano e moralista. O resultado disso é tão desprovido de sensualidade que, honestamente, um simples tocar de mãos na adaptação de Orgulho e Preconceito, do diretor Joe Wright, consegue ser mais erótico do que qualquer cena de The Idol.

O preço da fama

Enquanto cada passo de Jocelyn na trama é fetichizado pela condução de Sam Levinson, não é isso que acontece com Tedros, o personagem que é interpretado por The Weeknd. Com um passado obscuro e métodos controversos, o dono da boate que conquista o coração de Jocelyn com promessas que, em um primeiro momento, parecem ser as respostas que a popstar procurava, é outra construção problemática de The Idol que ajuda a intensificar a perspectiva masculina quando, na verdade, é da trajetória de Joss que estamos falando.

Por meio de uma performance apática, The Weeknd mostra a cada episódio que como ator, ele na verdade é um ótimo cantor. A persona de Tedros é tão superficial que nenhuma tentativa de transformá-lo em uma figura ameaçadora, seja do roteiro ou da direção, consegue resultar em algo minimamente interessante. Sem contar que The Weeknd também não parece nem ao menos se esforçar para entregar algo que vá além do básico e do medíocre.

The Weeknd entrega uma performance apática e forçada em The Idol.

É por isso que sua relação com Jocelyn sempre vem carregada de uma sensação de que falta algo nesse quebra-cabeça de pouquíssimas peças. Não existe desenvolvimento do relacionamento na trama, e ninguém parece estar muito preocupado com a construção disso, afinal o que parece importar para eles, no final do dia, é apenas produzir o “choque pelo choque” usando piadas sobre abuso sexual, como acontece em determinada cena onde a personagem de Lily-Rose diz para sua amiga e assistente Leia (Rachel Sennott) que gostava de Tedros por ele ter uma “energia de estuprador”.

São problemáticas que se arrastam desde os primeiros instantes do capítulo inicial de The Idol e que, por uma péssima condução, ofuscam qualquer brecha que o programa encontra para fazer uma crítica do mundo das celebridades. Há uma cena muito bem construída no segundo episódio (Fantasia em Dobro), por exemplo, onde Jocelyn precisa gravar o videoclipe de seu próximo hit musical, mas falha diversas vezes em acertar a coreografia e o ritmo de sua performance por questões emocionais.

É possível que essa sequência seja a única vez que a câmera olha para Jocelyn com certa sensibilidade, expondo suas fragilidades para que o público conheça um pouco mais de quem ela é por baixo da máscara do sucesso e não apenas para objetificá-la e colocá-la à disposição dos desejos de Tedros. No entanto, tudo isso vai por água abaixo quando uma reviravolta preguiçosa em Jocelyn Para Sempre, o quinto e último episódio da série, tenta subverter a imagem que tínhamos da estrela, mas que, no final, só consegue te arrancar uma revirada de olhos pela jornada até ali ter sido tão desastrosa.

The Idol ensaia fazer críticas interessantes à indústria do entretenimento, mas não consegue sair do medíocre.

Outro ponto que The Idol ensaia trabalhar com certo interesse, mas também peca na execução é na relação de Joss com sua equipe. A atriz Rachel Sennott consegue fazer milagre com o pouco que tem em mãos, assim como os atores Hank Azaria e Da’Vine Joy Randolph, ambos integrantes do time de empresários que orbitam a vida da cantora e que são praticamente sua família. Até mesmo o cantor Troye Sivan tem seus cinco minutos de fama no programa, e Lily-Rose Depp também consegue crescer ao longo da narrativa mesmo que sua personagem seja constantemente tratada com descaso por seus criadores.

Em vista disso, The Idol pode até se apresentar como uma série “revolucionária”, mas a jornada até sua conclusão não poderia estar mais distante disso. A trajetória de Jocelyn, que luta para reencontrar sua relevância na indústria musical, é vazia e desprovida de emoções – ela está ali apenas para ser fetichizada pela visão de três homens que a olham como um objeto cenográfico, enquanto alimentam suas próprias fantasias sexuais apenas para produzir um espetáculo idealizado.

Nota: 1 de 5.

 

A primeira temporada de The Idol está disponível na HBO Max.

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