Crítica – Tartarugas Ninja: Caos Mutante conquista pelo visual e impressiona pela história
Crítica – Tartarugas Ninja: Caos Mutante conquista pelo visual e impressiona pela história
Aposta em criatividade na direção de arte e no roteiro resultam em um grande sucesso
Ao longo dos anos, as Tartarugas Ninja conquistaram o carinho do público explorando diferentes caminhos — desde a ação sombria de seu lado oriental, com a animação de 2003, a completa galhofa do filme live-action de 1990. Porém, só quando a franquia decidiu explorar o lado mais humano dos heróis, no novo Tartarugas Ninja: Caos Mutante, da Paramount, que a saga conseguiu encontrar o equilíbrio perfeito.
Ficha técnica
Título: Tartarugas Ninja: Caos Mutante (Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayheem)
Direção: Matthew López
Roteiro: Micah Abbey, Shamon Brown Jr. e Nicolas Cantu
Data de lançamento: 31 de agosto de 2023
Duração: 1 h 39 min
Países de origem: Estados Unidos da América, Japão e Canadá
Sinopse: Uma família de tartarugas adolescentes enfrenta um misterioso rei do crime para conquistar a aceitação pública da sociedade.
Encontrando ouro em meio aos caos
Desde que a indústria de animação decidiu sair da sombra da Disney para explorar novas possibilidades artísticas, inspirada pelo sucesso de Homem-Aranha No Aranhaverso, parece que os filmes reencontraram a sua alma. Entramos em uma nova Era de Ouro das animações, com cada novo projeto alcançando um novo patamar, seja A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, Os Caras Maus ou O Gato de Botas 2. Tartarugas Ninja: Caos Mutante é apenas a mais nova obra-prima deste movimento.
Visualmente, o longa transborda de personalidade. Os personagens carregam uma rigidez que lembra bastante massa de modelar, como antigos filmes de stop-motion. Os cenários parecem grandiosos graffitis, do tipo que se encontra nas mais movimentadas ruas do mundo. E os efeitos, rascunhos rústicos da mente de um artista independente. Essa mistura gera uma estética bruta, densa e até meio suja, criando uma forte atmosfera urbana que fisga o público para dentro do cenário. A sensação é como enxergar Nova York diretamente dos esgotos em que as Tartarugas Ninja passaram toda a sua vida: uma imersão dificilmente conquistada fora dos videogames.
A relação das Tartarugas com a cidade vai além da estética e também funciona como um grande personagem da história. A trama acompanha o quarteto de irmãos cascudos — Leonardo, Raphael, Michelangelo e Donatello — em sua saga para conquistar o carinho de uma cidade que não está pronta para aceitar como irmãos os animais mutantes. A maneira que encontram para serem acolhidos é derrotando um supervilão misterioso que está espalhando uma onda de crimes pela cidade. Mas a situação vai se complicando quando tentam colocar este plano em ação.
O roteiro foge ao máximo da construção maniqueísta de personagens. Tanto heróis quanto os principais vilões não são desenvolvidos com a ideia simplista de bem ou mal em mente, mas sim explorando diferentes perspectivas de como crescer marginalizado em uma cidade preconceituosa pode afetar alguém. Uma abordagem muito mais honesta e madura dos desdobramentos da origem dos heróis, relegados aos esgotos mesmo sem ter feito nada de errado.
E com isso, o longa consegue propor uma discussão muito mais honesta sobre preconceito e como este estigma afeta as pessoas sem tornar este o assunto principal. Acaba sendo bastante efetivo, especialmente ao ancorar o fio emocional da trama no conto de uma família que surgiu não pelo acaso da ligação sanguínea, mas pelo amor e pela superação de dificuldades juntos. A relação dos meninos com o Mestre Splinter é uma das mais bonitas já retratadas pela franquia. Nesta versão, sua função como mentor de artes marciais é um mero detalhe — sua dinâmica é a de um pai protetor que sofreu muito para prover para os filhos e que teme que eles precisem passar pelo mesmo.
Há um certo conflito geracional que acrescenta algumas camadas à trama. Mas nada disso ficou pesado graças ao tom humorístico surreal, refinado pela curadoria de Seth Rogen. O homem simplesmente é responsável por The Boys e Invincible. Ele sabe fazer uma história de herói ser engraçada. Em Caos Mutante, Rogen tem o cuidado de trazer piadas jovens, com referências atuais à música, memes e outros elementos da cultura digital que simplesmente funcionam. E na versão dublada isso acaba sendo apenas acentuado pelo excelente trabalho de localização.
Os produtores não tiveram medo de incorporar elementos transmídias, como vídeos de YouTube e trechos de filmes live-action, para compor a linguagem visual do projeto. Essa técnica ousada foi testada e aprovada pelo recente Homem-Aranha: Através do Aranhaverso e mostra um domínio da animação como um meio que não limita mais seus criadores sequer a suas próprias regras.
E isso resulta também em ótimas montagens de ação. Pode não ser o grande foco do filme, mas quando é preciso trazer alguma violência para a mesa, as soluções são bastante criativas e impactantes. Uma cena que se destaca é quando as Tartarugas precisam caçar uns mafiosos de nomes engraçados para obter respostas. A sequência se desenrola em uma montagem tão satisfatória que lembra os melhores filmes de Edgar Wright. E mesmo os momentos mais contidos ainda entretém, com uma certa bagunça que destoa do comum.
Mas, no fundo, o grande trunfo da história são seus personagens. As Tartarugas, por si só, já são apaixonantes em suas particularidades. Afinal, as implicâncias com Leonardo, as nerdices do Donatello e o carisma de cada um dos irmãos rapidamente conquista. E quando mais gente chega ao elenco, com formatos, proporções e personalidades brutalmente diferentes, o filme ganha ainda mais vida. Meus personagens favoritos acabaram saindo da equipe dos vilões, o que só prova o poder da trama de criar personagens carismáticos, não importa a sua função na trama.
Tartarugas Ninja: Caos Mutante é um daqueles filmes que consegue emocionar sem esforço algum. Contando uma divertida história sobre irmãos que enfrentam todo o tipo de adversidades para serem queridos, o longa representa o drama de milhares de jovens que cresceram às margens da sociedade. E que agora, graças a ascensão desses heróis do esgoto, podem sonhar com um final mais feliz para as suas histórias.