Crítica – Shazam! Fúria dos Deuses é mais uma vítima da atual mediocridade do gênero de super-heróis no cinema
Crítica – Shazam! Fúria dos Deuses é mais uma vítima da atual mediocridade do gênero de super-heróis no cinema
Embora resgate a diversão do primeiro filme, a sequência de Shazam! sofre com visuais genéricos e perda no foco na narrativa
Existe um mito grego bastante popular que foi o responsável por disseminar a expressão “carregar o mundo nas costas”. O dito cujo que deu origem ao ditado, segundo a crença, é o poderoso titã Atlas que, após lutar contra os deuses do Olimpo, foi condenado por Zeus a literalmente segurar o céu por toda a eternidade. De certa maneira, é esse mito de Atlas que acaba dialogando com a jornada de Billy Batson (Asher Angel) em Shazam! Fúria dos Deuses, a aguardada sequência do longa de 2019.
Com o retorno de David F. Sandberg na direção, o segundo capítulo de Shazam! passou por poucas e boas até finalmente ver a luz do dia. Entre reformulações e períodos conturbados na franquia da DC, a continuação da história do garoto preso em um corpo de um herói adulto tenta resgatar a diversão do filme anterior, adicionando um pouco mais de ambição para apresentar a fúria dos deuses à família Shazam de um jeito bastante cartunesco. Seria uma pena se os visuais genéricos, a própria cultura massificada dos super-heróis e o tal do “querer carregar o mundo nas costas” acabassem ofuscando o melhor que o filme tem para oferecer.
Ficha técnica
Título: Shazam! Fúria dos Deuses
Direção: David F. Sandberg
Roteiro: Henry Gayden e Chris Morgan
Data de lançamento: 16 de março de 2023
País de origem: Estados Unidos da América
Duração: 2h 10min
Sinopse: Deuses antigos chegam à Terra em busca da magia roubada deles há muito tempo. Shazam e seus aliados são lançados em uma batalha por seus superpoderes, suas vidas e o destino do mundo.
É tudo sobre família
Para o jovem Billy Batson, poder contar com o apoio de uma família que cuide dele em todos os momentos é a mesma coisa que ter ganhado na loteria. Já ser um herói superpoderoso que combate o crime nas horas vagas é apenas um mero detalhe.
Desde que foi abandonado pela mãe, tudo que Billy sempre quis foi se sentir acolhido, e ele encontrou isso quando Rosa (Marta Milans) e Victor (Cooper Andrews) lhe ofereceram abrigo. Mas foi só a partir de sua amizade com Freddy Freeman (Jack Dylan Grazer) e seus irmãos adotivos que o adolescente respirou aliviado. Finalmente, ele tinha uma família para chamar de sua.
Alguns anos e Shazams a mais, Batson e seus companheiros agora tentam conciliar a vida de adolescente com os poderes incríveis que chegaram em suas mãos através do Mago (Djimon Hounsou). Ao som de Holding Out for a Hero, o céu é o limite para um grupo de crianças desajustadas que tiveram a chance de virar super-heróis da noite para o dia.
Porém, como a calmaria é apenas uma transição até a tempestade na vida de um superpoderoso, Shazam e seus aliados acabam virando alvo das Filhas de Atlas, assim que o trio de deusas chega à Terra em busca de uma arma que pode condenar a humanidade ao caos.
Existe um aspecto no universo de Shazam! que, de certa forma, faz você relembrar um período inofensivo nos anos 2000 quando o gênero dos super-heróis era apenas uma grande diversão. Esqueça multiversos, participações especiais que não acrescentam em nada e um eterno “vem aí” que te coloca dentro de um círculo vicioso de antecipações. Embora produções como a trilogia do Homem-Aranha de Sam Raimi e até o Heróis (2009) de Paul McGuigan buscassem um lado mais “sério” da coisa, eram filmes como Sky High: Super Escola de Heróis (2005) que conseguiam captar toda a atmosfera contagiante de jovens superpoderosos que precisavam salvar o mundo de um vilão horripilante.
E é exatamente essa energia que está contida em Shazam! Fúria dos Deuses. A sequência do divertido filme de 2019 conta com o apoio de um humor pastelão e performances caricatas, algo que já havia sido feito na estreia do herói vivido por Zachary Levi, que transformam a coisa toda em uma jornada cativante de pouco mais de duas horas de duração. Por não estar preocupado em preparar o terreno para futuras produções da DC Studios, o filme tem a liberdade para seguir o seu próprio rumo e ao menos tentar dar uma continuidade digna para a história do garoto que ganhou a oportunidade de ser um super-herói.
Neste segundo capítulo, Billy já está um pouco mais velho e enfrenta uma grande dificuldade no que diz respeito ao apego que sente com sua nova família. Ele sabe que está crescendo e que, eventualmente, terá que seguir com sua própria vida. Mas como um garoto que carrega nas costas um trauma de abandono conseguiria deixar a única família que o acolheu de verdade escapar de suas mãos?
É esse dilema que percorre toda a narrativa de Shazam! Fúria dos Deuses, e por mais que o ator Asher Angel não tenha muita oportunidade para demonstrar isso, Zachary Levi consegue conduzir bem a trama até sua conclusão. Não é uma narrativa tão coesa e alinhada como poderia ser e certos tópicos apresentados – como o conflito de Billy – são tratados de maneiras superficiais, mas há um brilho em Shazam! que transforma toda a aventura em uma jornada divertida, mesmo que ela tenha lá suas ressalvas.
O grande trunfo da DC (até o momento) era justamente criar universos únicos e deixá-los livres para terem essências próprias. Aconteceu isso com o primeiro Shazam!, o ótimo Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa (2020) e até mesmo o medíocre Coringa de Todd Phillips. E é por isso que filmes como Shazam! Fúria dos Deuses merecem certo mérito.
Mas é claro que a DC não está livre do mal que corrompeu o gênero dos super-heróis. O segundo filme de Shazam!, embora tenha uma narrativa que se sustente por si só, ainda precisa puxar uma ponte para universos compartilhados, crossovers e projetos futuros para conquistar os gritos alucinados dos fãs nas salas de cinema, mesmo que brevemente. É o tal do “parque de diversões” que Martin Scorsese criticou (com razão) e que faz com que apenas um formato seja aceito pela grande indústria de Hollywood. Bom, não é à toa que chamamos isso de “indústria”.
Entre deuses e heróis
Shazam! Fúria dos Deuses é uma jornada exagerada. Isso porque, diferente da aventura um tanto quanto comedida do primeiro filme, agora Shazam e seus aliados precisam enfrentar as temidas Filhas de Atlas, deusas que estão dispostas a fazer de tudo para recuperar um poderoso artefato. Isso por si só já é um desafio maior do que encarar o Doutor Silvana (Mark Strong) no primeiro capítulo dessa saga.
Vividas pelas atrizes Helen Mirren, Lucy Liu e Rachel Zegler, as Filhas de Atlas configuram a principal ameaça de Fúria dos Deuses. Aqui, são Helen Mirren e Lucy Liu que demonstram um maior domínio daquilo que elas têm em mãos, proporcionando ao público performances caricatas e que combinam com a energia cartunesca que Shazam! oferece. Zegler, por sua vez, até se esforça, mas não consegue convencer nem um pouco no papel.
Ainda assim, mesmo no meio de duas gigantes como Helen Mirren e Lucy Liu, é Jack Dylan Grazer quem mais se destaca em Shazam! Fúria dos Deuses. Freddy é um dos personagens mais interessantes desse universo e muito disso vem da performance do jovem ator, que conquistou todo mundo quando apareceu na adaptação de It: A Coisa, em 2017. Assim como em Shazam!, Grazer consegue fazer milagre com o que tem em mãos, apresentando os conflitos do melhor amigo de Billy de um jeito muito competente. Até mesmo quando o roteiro sofre para encontrar um foco, Jack acompanha as exigências da cena, parecendo bastante confortável com a dinâmica.
Mas não é o “conforto” que percorre o filme do começo ao fim. O grande problema com Shazam! Fúria dos Deuses é justamente querer abraçar muitas coisas ao mesmo tempo sem conseguir direcionar o foco para aprofundar apenas aquilo que de fato seja relevante. Muitas vezes, apontamentos são feitos apenas para serem ignorados logo em seguida (um exemplo é a questão envolvendo Mary Bromfield e seu conflito por já ter passado dos 18 anos em um lar adotivo), o que não acontece com frequência no primeiro filme.
Em Shazam!, é perceptível que há um desenrolar coerente na narrativa, mesmo que ela não se aprofunde totalmente nas questões que levanta. Não é isso que acontece em Fúria dos Deuses, e os personagens secundários acabam perdendo um pouco do encanto que os tornaram interessantes anteriormente.
Além disso, Shazam! Fúria dos Deuses sofre com visuais nem um pouco inventivos. Tudo é extremamente genérico, desde os efeitos (que, honestamente, parecem ridículos agora que temos algo como Avatar: O Caminho da Água para comparar) até a composição de sequências mais enérgicas. E tais problemáticas não condizem com a energia despretensiosa que Shazam! entrega ao público.
A sensação que fica no final das contas é de potencial desperdiçado. Em um mundo onde já estamos cansados de ouvir sobre a saturação do gênero de super-heróis, Shazam! Fúria dos Deuses nem ao menos tenta trazer algo de novo, como aconteceu com o Batman de Matt Reeves – um filme sobre um dos heróis mais populares da cultura pop e que, mesmo assim, conseguiu apresentar uma perspectiva diferente no meio da mesmice.
Em vista disso, o segundo filme de Shazam acaba sendo mais uma vítima de uma indústria cultural que está mais preocupada em fazer você vibrar com uma referência engraçadinha do que, pelo menos, tentar inovar um formato que parece se esgotar a cada novo projeto que chega aos cinemas. Shazam! Fúria dos Deuses tem lá seus momentos divertidos e não é desastroso como Adão Negro, mas enquanto a mediocridade continuar ditando as regras do cinema de super-heróis, é o mediano (ou pior do que isso) que vamos continuar recebendo.
Shazam! Fúria dos Deuses estreia no dia 16 de março de 2023 nos cinemas.
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