Crítica: Os Banshees de Inisherin é uma comédia dramática agridoce e bela
Crítica: Os Banshees de Inisherin é uma comédia dramática agridoce e bela
“Não há como superar certas coisas. E eu acho isso bom.”
Com nove indicações ao Oscar de 2023, Os Banshees de Inisherin é uma das maiores apostas da premiação. Dirigido e roteirizado por Martin McDonagh (Três Anúncios para um Crime), o filme traz Colin Farrell e Brendan Gleeson como dois amigos de longa data que se encontram em um impasse quando um deles decide terminar a amizade bruscamente, o que traz consequências sombrias e grotescas para ambos.
Se passando no fim da Guerra Civil Irlandesa em 1923, o filme tem como cenário uma ilha fictícia, chamada Inisherin, e traz uma direção inspirada alinhada com um roteiro excelente, uma fotografia belíssima e atuações espetaculares. E esses sequer são os melhores pontos do longa.
Ficha Técnica:
Título: Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin)
Direção e roteiro: Martin McDonagh
Data de lançamento: 2 de fevereiro de 2023
País de origem: Irlanda, Reino Unido e Estados Unidos
Duração: 1h 54min
Sinopse: Dois amigos de longa data encontram-se em um impasse quando um deles decide abruptamente terminar sua amizade, com consequências alarmantes para ambos.
Os Banshees de Inisherin é uma história melancolicamente absurda sobre o fim
Os Banshees de Inisherin conta a história de dois homens, interpretados por Farrell e Gleeson, que há anos são amigos e se encontram todos os dias para beber e conversar no único bar da pequena ilha em que vivem. Quando um deles decide terminar essa amizade, as coisas acabam saindo de controle rapidamente e escalando para uma série de situações grotescas, estranhas, engraçadas e tristes.
Outros certamente já falaram sobre tudo o que Os Banshees de Inisherin é e não é, cada aspecto técnico do longa já foi analisado, algumas de suas cenas chegaram a viralizar no TikTok e o longa está indicado em várias categorias do Oscar deste ano. Então se você veio até aqui esperando uma longa e extensa análise sobre os principais pontos técnicos (que acredito serem todos impecáveis), sinto muito… Mas a vida é cheia de decepções.
Antes de assisti-lo, ouvi por aí que esse “não era um filme para todo mundo”. Não tinha muita ideia da história além da sinopse básica, mas de certa forma concordo que este não seja um desses filmes que qualquer um que assistir vai gostar; Os Banshees de Inisherin parece ressoar mais com aqueles que já tiveram seu coração partido algumas vezes. O roteiro deixa muito claro o que o diretor e roteirista Martin McDonagh estava querendo dizer ali: términos são bagunçados, seja o fim de um romance, uma amizade ou uma vida. E ainda assim, a gente segue em frente, justamente porque, como o filme deixa claro, “Não há como superar certas coisas”.
Talvez para um espectador que não conheça muitas obras do gênero ache estranho a maneira como o longa está sempre sendo citado como uma comédia – e talvez seja mórbido rir de um homem cortando os próprios dedos e os jogando na porta de seu antigo amigo – mas relações são complicadas, difíceis e complexas. Através da surrealidade da convivência é que Os Banshees de Inisherin se destaca não apenas como um filme excelente, engraçado e dramático, mas também como uma trama perfeitamente humana sobre dois homens em um impasse tão grande e desconfortável, que é impossível saber como agir.
Não existe um manual de instruções para lidar com a morte, com um término, com a mágoa. O longa leva tudo isso para o caminho mais melancolicamente absurdo e é impossível não dar boas risadas ao mesmo tempo em que você sente seu coração apertar e diminuir cada vez que acaba se reconhecendo, ou se lembrando, em cada uma dessas situações absurdas.
Em determinado momento do filme, um padre questiona: “How’s the despair?” (“como estão suas aflições?“, em uma tradução livre), enquanto a última palavra pode ser traduzida como “aflição” ou “desespero”, a palavra tem um significado bem mais profundo, é o sentimento de mágoa, falta de esperança e o ressentimento causado por isso. É esse momento de mudança em que você não sabe mais o que fazer, como lidar com tudo o que está acontecendo ao seu redor.
“Eu só não gosto mais de você”
Com apenas uma frase, o violinista Colm (Brendan Gleeson) encerra sua amizade de anos com Pádraic (Colin Farrell) e dá início a uma série de eventos que, aos poucos, vai destruindo tudo o que esses dois homens construíram nos últimos anos juntos. Todo o sentimento de companheirismo e amizade é deixado de lado por Colm, que acredita que estava apenas se distraindo ao passar tempo com o fazendeiro; ele quer fazer coisas maiores, ele quer ser lembrado quando morrer e então decide voltar a compor músicas. Colm quer ser grandioso e quer que sua vida tenha tido um impacto no mundo, tudo o que Pádraic queria, contudo, era ser uma boa pessoa e passar os seus dias conversando e bebendo com o velho amigo.
É impossível dizer que a atuação de qualquer um dos excelentes atores que compõem o elenco é menos do que espetacular, e por mais que discorde e critique premiações como a da Academia, é justo que Farrell e Gleeson estejam indicados junto de Kerry Condon, que interpreta a irmã de Pádraic, Siobhán, e Barry Keoghan, que dá vida ao estranho e adorável Dominic.
É notável como o roteiro de McDonagh consegue dar tantas nuances para esses personagens. Em um dos momentos mais divertidos do filme, Pádraic mente para um dos novos amigos de Colm, dizendo que o pai dele foi atropelado por um caminhão de leite – apenas para ele dizer que sua mãe havia sido morta da mesma forma e sair desesperado da ilha. Mais tarde, ao contar a história para Dominic, o garoto fica chocado e bravo, ele via Pádraic como uma das únicas pessoas boas da ilha e o momento divertido se torna agridoce.
Os Banshees de Inisherin sabe muito bem que a risada pode rapidamente virar um choro, ao mesmo tempo em que utiliza perfeitamente seus momentos dramáticos e grotescos para criar humor. Existe um motivo pelo qual as “videocassetadas” continuam sendo exibidas ano após ano todo domingo – o filme leva isso para um lado ainda mais assustador, mas não menos engraçado.
Mesmo com esse humor ácido e mórbido, Banshees é uma excelente representação de como uma vida pode ser completamente afetada por outra através da amizade e o abrupto fim dela. Confrontado pela própria mortalidade, Colm deseja ser lembrado por aqueles que virão – um sentimento que Pádraic não consegue compreender. Tentando se afastar do antigo amigo, Colm recorre às medidas mais extremas o possível – e ainda assim, Pádraic se importa, se questiona, tenta mudar, ser como o violinista gostaria que ele fosse.
Enquanto Colm age, Pádraic reage – e é interessante que Farrell seja o protagonista dessa história porque, assim como alguém que tem seu coração partido, ele não tem ideia do que está acontecendo, os motivos e explicações de Colm não fazem sentido para o personagem. Como ele diz diversas vezes durante a história, ele é apenas um “bom homem” cujo melhor amigo mudou completamente. Mas através das atitudes do personagem de Gleeson, o adorável fazendeiro também vai mudando. “Não há como superar certas coisas”.
E talvez, realmente não exista como superar. Mas você pode seguir em frente com sua vida, com uma mudança desconfortável, claro, mas o que é possível fazer se não seguir em frente?
Na mitologia celta, banshees são criaturas que prenunciam uma morte, mas Os Banshees de Inisherin compreende que uma morte nem sempre precisa ser literal. Quando chegamos ao fim, fica claro que a morte aqui não é necessariamente o fim de uma vida, mas sim de uma fase. Uma partida inesperada nem sempre é a morte batendo à porta, mas também pode ser apenas dizer adeus para algo, ou alguém, que não está mais no mesmo momento.
É exatamente isso que Pádraic compreende nos momentos finais. “Não há como superar certas coisas. E eu acho isso bom” diz o personagem de Farrell… E ele está certo.
“Diante de um coração partido
nenhum outro pode falar
sem ter tido o grande privilégio
de igualmente ter sofrido.”
– Emily Dickinson