Crítica – Oppenheimer é um espetáculo visual que carece de humanidade
Crítica – Oppenheimer é um espetáculo visual que carece de humanidade
Novo filme de Christopher Nolan segue repetindo problemáticas recorrentes na filmografia do diretor
Quando uma bomba atômica chamada Little Boy foi lançada na cidade de Hiroshima, no Japão, às 8h15 do dia 6 de agosto de 1945, o mundo mudou para sempre. Em um período de apenas 43 segundos, o tempo que levou até a explosão, tudo aquilo que a humanidade conhecia foi dizimado por uma nuvem radioativa que piorou ainda mais quando Nagasaki, uma outra cidade japonesa, foi atingida por uma nova bomba atômica três dias depois. A mente por trás dessa devastadora criação? J. Robert Oppenheimer, o físico norte-americano que intitula o novo filme de Christopher Nolan.
Imortalizado na história da humanidade como o “pai da bomba atômica”, Oppenheimer dedicou toda a sua vida à ciência, uma escolha que culminou em anos de pesquisas, trabalhos e contribuições acadêmicas no universo da física, principalmente a nuclear. E é por meio de uma performance impressionante de Cillian Murphy que vamos conhecendo um mundo quase mitológico, onde a dimensão histórica é tão pesada e densa que se encaixa perfeitamente naquilo que Nolan sempre mostrou em sua filmografia, com seus discursos demasiadamente expositivos e uma verborragia excessiva que não deixa quase nada para as entrelinhas, esquecendo-se de explorar a humanidade de aspectos centrais para a trama.
Ficha técnica
Título: Oppenheimer
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Data de lançamento: 20 de julho de 2023
País de origem: Estados Unidos da América e Reino Unido
Duração: 3h
Sinopse: O físico J. Robert Oppenheimer trabalha com uma equipe de cientistas durante o Projeto Manhattan, levando ao desenvolvimento da bomba atômica.
O Prometeu americano
Sempre visto com seu cigarro, J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) vive em um mundo à parte da realidade. Com fórmulas matemáticas e elementos químicos fervendo em seus pensamentos a todo momento, dormir é um luxo e conseguir manter relações amigáveis com outras pessoas é uma tarefa ainda mais desafiadora. Afinal, vale tudo, até mesmo sacrificar a si mesmo, para conseguir entrar para a história, aquela com um “H” maiúsculo.
Mas sua vida toma um rumo ainda mais caótico quando uma corrida por armamentos nucleares se inicia durante a Segunda Guerra Mundial, e Oppenheimer se vê como o diretor do Projeto Manhattan, o grupo de pesquisa que criou as primeiras bombas atômicas do mundo. É assim que, aquilo que era apenas um fascínio e um desejo de vencer um conflito bélico, acaba se transformando na própria morte.
Fazendo uma alusão ao mito de Prometeu já em sua abertura, Oppenheimer percorre os campos mais seguros da filmografia de Christopher Nolan para condensar, em três horas, os capítulos mais marcantes da trajetória de J. Robert Oppenheimer, um físico que, após roubar o fogo dos deuses sem medir as reais consequências, passou o restante de sua vida acorrentado e dilacerado pelo peso da culpa.
Inspirado na biografia Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, dos escritores Kai Bird e Martin J. Sherwin, Nolan roteirizou e dirigiu o longa estrelado por Cillian Murphy pensando no melhor que a experiência cinematográfica poderia oferecer. Com um rolo de filme IMAX de 272 quilos que quase não coube nos projetores estadunidenses, Oppenheimer realmente é um espetáculo sonoro e visual, mesmo que Dunkirk (2017) ainda seja o melhor trabalho de Nolan nesse quesito.
Seja nos closes introspectivos nas expressões consternadas de Murphy, ou nas sequências em preto e branco que exploram o julgamento que o físico vivenciou durante uma forte repressão comunista nos anos 50 (ele chegou a flertar com ideias do partido vermelho em seu passado), Nolan usa tudo que está a seu alcance para construir um universo tecnicamente espetacular, com montagens interessantes que vão convergindo com a jornada de Oppenheimer ao longo da narrativa.
Para chegar a esse resultado, houve um trabalho poderoso da mixagem de som no filme que, apesar de todo o teor didático da trama, consegue recuperar seu fôlego nas brechas que encontra pelo caminho. Juntamente com isso, a trilha sonora composta por Ludwig Göransson, apesar de ser insistente, consegue incorporar toda a atmosfera do longa para garantir uma experiência ainda mais imersiva.
É um conjunto de fatores que consegue transformar Oppenheimer em uma cinebiografia tão realista que quase não dá para perceber a linha que separa a ficção da realidade. Mas, embora o aspecto técnico não deixe a desejar, como aconteceu com o decepcionante Tenet (2020), é a performance de Cillian Murphy como o físico que possibilitou o surgimento de armamentos nucleares que capta a sua atenção a cada segundo.
Um colaborador de longa data de Christopher Nolan, Murphy finalmente saiu da posição de coadjuvante nos filmes do cineasta para ganhar um papel de destaque em Oppenheimer, seu primeiro projeto na frente das câmeras após a conclusão de Peaky Blinders, série que colocou seu nome no hall da cultura pop por causa de Thomas Shelby.
Sempre com uma presença extremamente marcante em cada produção na qual se envolve, o ator não decepciona em Oppenheimer, muito pelo contrário: mesmo em momentos em que Nolan exagera nos diálogos expositivos, Murphy consegue se impor em cena com tanta precisão que é impossível desviar o olhar.
Agora eu me tornei a Morte, a destruidora de mundos
Com um trabalho impressionantemente bem executado, Cillian Murphy é a força que ajuda Oppenheimer a não ser uma cinebiografia qualquer. Mas o extremo preciosismo de Nolan com a construção de suas narrativas, por mais que se faça necessária para que a obra não se transforme em um grande amontoado de fatos históricos, acaba provocando uma mecanicidade tão grande que chega a ser incômoda em vários momentos.
Por não explorar nuances e o poder que detalhes podem proporcionar a uma obra cinematográfica, Nolan recorre mais uma vez a uma veia verborrágica que até pode funcionar em projetos como Interestelar (2014), com suas extensas explicações científicas, mas que transformam algo como Oppenheimer, que já possui uma carga teórica por si só, em um show de diálogos em que tudo precisa ser verbalizado e exposto.
De certa maneira, isso até interfere na performance de Cillian Murphy, um ator que já mostrou diversas vezes que gestos, expressões e olhares podem ser mais poderosos do que uma frase dita aos quatro ventos. Não é à toa que ele conseguiu tanta aprovação por Peaky Blinders.
Até existem tentativas de trazer algo mais interpretativo em algumas sequências (o que já destoa de muitos trabalhos do cineasta), mas a narrativa sempre acaba caindo nas mesmas armadilhas impostas por Nolan. Um exemplo é a maneira como a personagem de Emily Blunt, Kitty, é tratada na trama. A esposa de Oppenheimer é jogada para escanteio, assim como muitas personagens femininas da filmografia do diretor, aparecendo apenas para orbitar ao redor do físico como uma “mulher compreensiva” cujos problemas pessoais não parecem tão relevantes quanto os do marido.
Em vista disso, Blunt precisou fazer milagre com o pouco que tinha em mãos, algo que Florence Pugh também vivenciou com sua personagem. Contudo, apesar das limitações, ambas estão excelentes em cena e protagonizam algumas das sequências mais interessantes da produção.
Por outro lado, Robert Downey Jr. também consegue se destacar em Oppenheimer com sua interpretação de Lewis Strauss, um dos principais nomes envolvidos na política de energia nuclear dos EUA nos primeiros anos da Guerra Fria. É através dele que acompanhamos o desenvolvimento do julgamento de Oppenheimer, que passa a ser visto como uma possível ameaça ao país por começar a se opor ao armamento nuclear depois da tragédia em Hiroshima e Nagasaki.
Com sequências em preto e branco, a audiência revela fragilidades e inseguranças de Oppenheimer que, mesmo encaixotadas nos clássicos tropos da carreira de Christopher Nolan, tenta se aprofundar mais no estado psicológico do físico, principalmente por passar a conviver com o peso de ter criado uma arma capaz de destruir mundos. Mas não há força o bastante para deixar essa humanidade transparecer na tela.
Assim, no final das contas, Oppenheimer tem lá seus momentos de glória, sendo que muitos estão calcados em questões técnicas e na poderosa entrega de Cillian Murphy em cena, mas há uma perda no meio do caminho causada por ações mecânicas e uma intensa exposição que acabam desperdiçando grandes potenciais da história. Uma problemática que não existiria se Christopher Nolan não tivesse medo de abraçar a sensibilidade que existe nas nuances.
Oppenheimer estreia no dia 20 de julho de 2023 nos cinemas brasileiros.
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