Crítica: O Sequestro do Voo 375 equilibra drama e tensão na história de origem do 11 de setembro
Crítica: O Sequestro do Voo 375 equilibra drama e tensão na história de origem do 11 de setembro
Filme nacional conta a história real de um atentado terrorista que parou o Brasil
Nos últimos anos, não importa a sua visão política, com certeza você já quis matar um presidente. Em um país tão polarizado, o sentimento é inevitável. Porém, a situação era ainda pior em 1988. Com um desastre econômico que levou boa parte da população a situações bastante extremas, como a fome e a miséria, a ideia de acabar com essa figura política tão nefasta não era exatamente um devaneio. E em O Sequestro do Voo 375, novo filme nacional distribuído pela Star Productions (antiga Fox), sentimos na pele o que levou um brasileiro a colocar em prática o plano de matar o presidente.
Ficha técnica
Título: O Sequestro do Voo 375
Direção: Marcus Baldini
Roteiro: Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque
Data de lançamento: 7 de dezembro de 2023
País de origem: Brasil
Duração: 1h 40min
Sinopse: Durante o governo do presidente Sarney, um brasileiro anônimo sequestra um avião comercial com uma centena de inocentes e ameaça o piloto para atirá-lo contra o Palácio do Planalto. Uma história real que inspirou o atentado de 11 de setembro.
A melhor turbulência da sua vida
A trama transforma relatos reais da História, de um atentado que estampou manchetes dos principais jornais do mundo, em uma dramatização muito poderosa. Maior que a chocante reconstrução histórica do evento é o impacto de mergulhar no estado emocional de seus personagens. De nomes em uma notícia para pessoas de carne e osso, esses personagens decolam graças a um trabalho excelente de atuação e roteiro. Todo o elenco, incluindo o sequestrador, está a todo momento à flor dos nervos, criando uma atmosfera de angústia constante. A sensação é que, a qualquer momento, qualquer um pode fazer uma burrice no desespero e as consequências podem ser fatais.
Assim, o roteiro conduz muito bem o seu suspense. Com poucos cenários e diálogos muito simples, havia um risco tremendo em cair no tédio. Afinal, a maior parte do longa acontece dentro da cabine do avião, em uma eterna negociação entre o sequestrador e o piloto. Mas a dupla entrega uma dinâmica tão complexa, de ódio mútuo e ao mesmo tempo empatia, que é praticamente impossível não se conectar de uma forma muito pessoal àqueles personagens.
De um lado está Nonato (Jorge Paz), um retirante nordestino que tentou a vida no sudeste para dar condições melhores para sua família. Um homem que perde o seu emprego por conta da gestão trágica do presidente e decide garantir que nenhum outro brasileiro precise passar por isso ao sequestrar um avião que partia para o Rio de Janeiro. Do outro lado, comandando a aeronave, está Murilo (Danilo Grangheia). Um piloto que, apesar de acatar o pedido de mudar a rota para Brasília, passa todo o percurso tentando garantir a sobrevivência de seus passageiros e de sua tripulação.
Ambos têm motivações bem compreensíveis, o que tira o filme do maniqueísmo clássico que vemos aos montes no cinema. Nem Nonato, nem Murilo são pessoas inteiramente boas ou más. Existem muitas camadas em suas relações. O sequestrador, apesar de pôr a vida de uma centena de pessoas em risco, tem a motivação pura de querer um país melhor e, principalmente, condições dignas de vida para sua filha. O piloto, que também tem um filho, concorda com a necessidade de mudança, mesmo vindo de uma classe social mais privilegiada, só não consegue concordar com seus métodos. Seu objetivo é que nenhum inocente morra.
A trama segue como um eterno cabo de guerra, neste jogo de interesses, com a vida de reféns sempre em perigo. Sempre um lado cedendo um pouco para conseguir algum avanço em troca. E qualquer mínimo movimento que saia do esperado leva a adrenalina a mil, porque geralmente é quando as coisas podem dar errado.
O roteiro faz um bom trabalho em construir bem a base de seus personagens antes do embarque. Assim fica mais fácil se importar com todas aquelas pessoas, mesmo que não tenham o mesmo tempo de tela que os protagonistas. Surge, por exemplo, uma simpatia pela tripulação, por um grupo de estrangeiros japoneses e a mulher que senta ao lado do sequestrador no começo do filme. Ter essas figuras de apego só alimenta o senso de perigo, o medo de que algo aconteça com aquelas pessoas que só foram pegas no meio do fogo cruzado.
Quando a ação sai dos céus para o centro de controle, há uma mudança interessante de paradigma. Não só mexe na dinâmica para tornar o ritmo menos monótono, como há uma sutil mudança de gênero. Troca momentaneamente o suspense por um elegante jogo político de interesses, quase como um Game of Thrones dos bastidores militares do governo Sarney.
Com exceção da operadora de voo Luzia, que representa os mesmos interesses do piloto, cada figura tem os seus próprios objetivos mesquinhos. Não é mais apenas a vida de inocentes que está em jogo, mas também a sede por honra, vingança e por preservar a reputação do presidente que cada um desses personagens carrega. Acrescentar tantos objetivos conflitantes só aumenta a tensão quando o filme volta aos ares.
Entre diálogos fascinantes, as cenas aéreas também contam poucas, mas extremamente bem executadas cenas de ação. Não bastasse as manobras insanas que o avião executa em momentos que a tensão está nas alturas, ver como a tripulação reage e como aproveitam essa oportunidade para tomar atitudes imprudentes é uma forte injeção de adrenalina. E tudo fica ainda mais impressionante graças ao criativo trabalho de direção de Marcus Baldini.
Quem já voou de avião vai se sentir fisicamente aflito só de se imaginar naquelas situações. Baldini consegue capturar muito bem a sensação de desorientação, de perder o próprio peso e a vulnerabilidade de estar nos ares com um jogo de câmera preciso e arriscado. O diretor consegue enquadrar as situações mais caóticas de uma maneira que não fica confuso de entender ao mesmo tempo que bagunça com seus sentidos. É um espetáculo sensorial.
Visualmente, a própria fotografia do filme se distingue bastante da maioria dos projetos nacionais. Há um ar mais sofisticado, claramente resultado de um bom investimento da Star Productions, que conta com a grana da Disney. E Baldini sabe aproveitar seus recursos da melhor forma possível. Para executar todo o malabarismo aéreo que com certeza precisou de muitos efeitos práticos, mesclados com tela verde, o diretor acabou sacrificando um pouco os efeitos digitais menos importantes.
Talvez os únicos momentos toscos do filme sejam os que menos importam: a decolagem e o pouso. Para se aproximar das rodas do avião, a produção faz uso de uma computação gráfica bem sem-vergonha que tira momentaneamente a imersão do projeto. Mas todo o resto é tão bem construído, dos cenários aos figurinos, que não demora a suspender novamente a descrença. E, bem, se essa é a minha maior reclamação em um filme de quase duas horas, acho que isso é um bom sinal.
O Sequestro do Voo 375 eleva o cinema nacional a um novo patamar de excelência técnica, com atuações tão impactantes que parecem ter sua gravidade própria. Danilo Grangheia e Jorge Paz carregam o filme nas costas, trazendo vida dos diálogos mais simples aos mais complicados. E assim, mesmo quem não é muito fã de filmes em aviões, de tragédias ou sequestros acaba sendo fisgado por este drama refinado que se apropria muito bem de um pano de fundo político rico para criar um suspense cheio de camadas. Uma experiência que vale muito a pena ter no cinema.
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