Crítica – O Pior Vizinho do Mundo: Nem mesmo a rabugice do protagonista é capaz de apagar o carisma de Tom Hanks

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Crítica – O Pior Vizinho do Mundo: Nem mesmo a rabugice do protagonista é capaz de apagar o carisma de Tom Hanks

Por Jaqueline Sousa

Talvez não seja exagero dizer que Tom Hanks é um dos últimos astros genuínos de uma atual Hollywood marcada pela ausência de grandes estrelas do cinema. O nome por trás de Forrest Gump não é o tipo que precisa de muitas apresentações, por isso é sempre interessante vê-lo em projetos diferentes, como o odioso Coronel Tom Parker em Elvis e, agora, o rabugento Otto em O Pior Vizinho do Mundo.

Inspirado no livro best-seller Um Homem Chamado Ove, do escritor Fredrik Backman, o filme dirigido por Marc Forster é um remake da produção sueca de Hannes Holm, lançada em 2015, e traz Tom Hanks na pele de um senhor que parece odiar tudo e todos. Com uma mistura de drama e comédia, O Pior Vizinho do Mundo diverte e emociona ao tratar de temáticas como o luto e o conflito entre gerações, mas acaba perdendo sua força por não executar um desenvolvimento satisfatório da narrativa e das motivações de seu protagonista.

Ficha técnica

Título: O Pior Vizinho do Mundo

 

Direção: Marc Forster

 

Roteiro: David Magee

 

Data de lançamento: 26 de janeiro de 2023

 

País de origem: Estados Unidos da América

 

Duração: 2h 6min

 

Sinopse: A história de Otto Anderson, um viúvo rabugento que é muito apegado ao modo de vida que estabeleceu para si. Quando uma família jovem e cheia de vida se muda para a casa ao lado, ele conhece uma a esperta e extremamente grávida Marisol, e eles desenvolvem uma amizade improvável que vai virar seu mundo de cabeça pra baixo.

Pôster de O Pior Vizinho do Mundo.

Um homem chamado Otto

Otto Anderson (Tom Hanks) poderia facilmente ser descrito como o amargurado Ebenezer Scrooge de Um Conto de Natal, o clássico de Charles Dickens. Rabugento, mal-educado e sensível são apenas alguns dos adjetivos que lhe caem muito bem, e a situação só piora depois que ele aceita uma aposentadoria forçada. Sozinho e com mania de organização, Otto passa seus dias a partir disso apenas mantendo a ordem na vizinhança, odiando qualquer morador ou intruso que ameace sua tão prezada paz.

Tudo isso muda quando os três fantasmas do Natal de Otto se personificam em Marisol (Mariana Treviño) e sua família, que se mudam para a casa na frente da dele. Embora relute em deixar seu temperamento difícil de lado, o velhinho ranzinza acaba formando um laço peculiar com a jovem matriarca, que logo se transforma em uma amizade capaz de fazê-lo enxergar o lado bom da vida.

Mesmo interpretando um personagem rabugento, o carisma de Tom Hanks é imbatível.

À primeira vista, O Pior Vizinho do Mundo parece ser mais uma comédia com uma velha narrativa de redenção. Um vizinho insuportável, uma família feliz que vai mudar a perspectiva de vida do dito cujo e uma motivação surpreendente que vai te mostrar o porquê ele odeia tanto o mundo daquela maneira. E, sim, o filme de Marc Forster é exatamente o que você espera que ele seja, mas é o carisma de Tom Hanks que garante alguns pontos a mais para a adaptação do livro de Fredrik Backman.

Enquanto o filme sueco mantém um tom mais dramático, embora tenha seus momentos mais humorísticos, O Pior Vizinho do Mundo aposta mais na comédia para captar o coração do público, com a ajuda de uma excelente performance de Tom Hanks. O ator consegue transparecer todos os conflitos de Otto, que ao longo da narrativa vão se mostrando bem mais intensos do que um simples mau humor matinal (ou constante, no caso de Anderson).

Hanks é uma estrela por si só, e grande parte do apelo do filme estadunidense fica nas mãos dele e de sua dinâmica com a atriz Mariana Treviño. A intérprete de Marisol é uma surpresa bastante agradável na produção – e não somente no que diz respeito ao arco de sua personagem. Em muitos momentos, Treviño até mesmo se sobressai perante Hanks, mostrando um entusiasmo contagiante, o que faz com que quem está do outro lado da tela se identifique ainda mais com as temáticas que o filme apresenta.

A dinâmica entre Tom Hanks e Mariana Treviño é o grande charme do filme.

Por mais clichê que O Pior Vizinho do Mundo se mostre ao público, às vezes são histórias assim que nos lembram de que, por mais que as circunstâncias sejam difíceis, tudo o que um ser humano busca no mundo é amor. Qualquer que seja a motivação, a espécie humana está sempre à procura do compartilhamento de vivências e, consequentemente, da sensação de ser querido por alguém.

Nesse quesito, a direção de Marc Forster até se beneficia de sua própria experiência com a temática, algo que pode ser visto em Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível, filme dirigido por ele. Ambos retratam a busca por algo que foi perdido, a suas respectivas maneiras, e como aquilo que acontece conosco ao longo da vida pode mudar a nossa trajetória para sempre. Bom, até que alguém especial – ou um vizinho – apareça para reverter o nosso ponto de vista em relação às coisas de novo.

Tom Hanks, o cara mais legal do mundo

O Pior Vizinho do Mundo emociona quando faz com que nos identifiquemos com as questões existenciais enfrentadas pelo personagem de Tom Hanks na narrativa, mas perde sua força por não executá-las tão bem assim. Diferente da adaptação sueca, que consegue equilibrar os momentos mais divertidos com aquelas que exigem uma carga mais dramática, o roteiro de David Magee se apoia em demasia na expertise de Tom Hanks quando precisa assumir um tom mais sombrio, por exemplo.

À medida que o filme vai desvendando os mistérios do motivo pelo qual Otto é tão rabugento, somos apresentados a uma versão mais jovem do protagonista por meio de flashbacks. O intérprete do Otto do passado, então, passa a ser Truman Hanks, o filho de Tom na vida real, e é pelos olhos dele que vamos acompanhando o que aconteceu para que Otto se transformasse em um velhinho com tanto ódio no coração.

Filme se apoia na expertise de Tom Hanks para cativar o público.

 

O problema é que os flashbacks sofrem com a falta de carisma de Truman que, diferente do pai, não consegue oferecer nada além de uma única expressão no filme. Além disso, as cenas que mostram o passado de Otto não sustentam o impacto das sequências mais fortes quando o protagonista, nas mãos de Tom Hanks, chega ao seu limite.

Isso faz com que situações mais dramáticas – e aqui é importante dizer que há passagens que podem gerar gatilhos sobre suicídio – fiquem forçadas na narrativa. É como se ela estivesse ali apenas para chocar o público e nada mais, já que a motivação por trás daquilo não foi bem executada.

Outro ponto difícil em O Pior Vizinho do Mundo é que o filme parece inchado com alguns arcos secundários que só estão ali para serem usados como uma justificativa no final. A sensação que fica é que, além do alívio cômico, o roteiro não soube muito bem como encaixar cada peça a ponto de que tudo parecesse natural.

O Pior Vizinho do Mundo emociona, embora apresente problemas na construção da narrativa.

O conforto só retorna quando vemos mais uma interação divertida entre Tom Hanks e Mariana Treviño, ou quando um gatinho fofo aparece para colocar um sorriso no rosto de Otto. E talvez esta seja a grande graça de O Pior Vizinho do Mundo: acompanhar um período da vida de um senhor rancoroso, conforme ele vai relembrando como a gentileza e o carinho pelos outros, sejam eles familiares ou amigos, são importantes para continuarmos vivendo.

Assim, apesar dos problemas, O Pior Vizinho do Mundo é um filme competente naquilo que se propõe a fazer, de certa forma. Não é revolucionário e nem quer ser, mas, às vezes, ver Tom Hanks sendo rabugento enquanto imita a voz de um urso para alegrar a vida de duas crianças é tudo o que precisamos para ser feliz, nem que seja por duas horas, em uma sala de cinema.

Nota: 3,5/5

O Pior Vizinho do Mundo estreia no dia 26 de janeiro de 2023 nos cinemas brasileiros.

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