Crítica – O Continental: Do Mundo de John Wick, Temporada 1

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Crítica – O Continental: Do Mundo de John Wick, Temporada 1

Por Jaqueline Sousa

Construções antigas sempre despertam um interesse naqueles que a olham de longe. Afinal, as histórias que as paredes daquela estrutura, seja ela impressionante ou não, contam facilmente renderiam horas e mais horas de conversas. É um efeito quase hipnótico, algo que o misterioso hotel Continental da franquia John Wick soube trabalhar muito bem nos quatro filmes estrelados por Keanu Reeves. Assim, era de se esperar que a minissérie que leva o nome do icônico edifício usasse isso a seu favor. Mas o que acontece é o oposto.

Usando o subtítulo Do Mundo de John Wick, O Continental chegou ao Amazon Prime Video nesta sexta-feira (22) com a promessa de expandir a mitologia da popular saga de ação, explorando aspectos que os filmes de Chad Stahelski não estão muito preocupados em explicar, como a própria história do hotel Continental. O que encontramos em três episódios é, na verdade, uma minissérie que tenta construir o seu próprio caminho e até tem bons momentos, mas que não consegue sustentar a enxurrada de subtramas que apelam para uma empatia inexistente do público, e nem ao menos sabe como usar a riqueza desse universo para fazer jus ao que o hotel de assassinos tem a oferecer.

Ficha técnica

Título: O Continental: Do Mundo de John Wick

 

Criação: Greg Coolidge, Kirk Ward e Shawn Simmons

 

Roteiro: Greg Coolidge, Kirk Ward, Shawn Simmons e Ken Kristensen

 

Direção: Albert Hughes e Charlotte Brändström

 

Ano: 2023

 

Emissora/Streaming: Amazon Prime Video

 

Número de episódios: 3 (Temporada 1)

 

Sinopse: O Continental é uma minissérie que revela a origem violenta do icônico hotel para assassinos do universo de John Wick. Nos anos 70, em Nova Iorque, Winston Scott recruta uma equipe para enfrentar uma vasta conspiração desencadeada pelo ataque de seu irmão ao Continental. O drama de ação sangrento explora a colisão entre amor familiar, destino e vingança.

Pôster de O Continental: Do Mundo de John Wick.

Bem-vindos ao Continental

No ritmo das canções dançantes de Donna Summer, ou na batida suja do Stooges, a década de 1970 foi um período extremamente transformador, em diversos aspectos. Muito mais do que os anos “paz e amor” que marcaram o período, as entrelinhas da história daquela época também escondiam caos, destruição, guerras e atitudes individualistas. No meio de tudo isso, em Nova York, estava o Continental, um hotel misterioso e bastante incomum que tinha apenas um requisito para aceitar hóspedes: que eles fossem assassinos.

É ali que Winston Scott (Colin Woodell) decide reunir uma equipe um tanto quanto inusitada para lidar com as consequências de um ataque orquestrado por seu irmão, Frankie (Ben Robson), que invade o Continental e desaparece com um artefato extremamente importante para a Alta Cúpula. A ação logo desperta a fúria do caricato Cormac (Mel Gibson), o gerente do hotel que pretende fazer de tudo para recuperar o que foi roubado debaixo de seu nariz.

O Continental expande a mitologia ao redor do icônico hotel para assassinos de John Wick.

Percorrendo temáticas presentes nos filmes de John Wick, como vingança e relações familiares, O Continental até pode tentar te convencer que realmente vem “do mundo de John Wick”, mas não é exatamente isso que a minissérie produzida pela Peacock, em parceria com o Prime Video, consegue concretizar no final do programa. Isso porque a sensação que fica é a de que acompanhamos apenas uma cópia barata daquilo que a franquia estrelada por Keanu Reeves vem construindo ao longo de quase 10 anos.

Apesar de O Continental apostar em uma personalidade própria, seguindo um ritmo completamente diferente dos longas da franquia (o que não é algo ruim, pelo contrário), a minissérie não consegue sustentar aquilo que apresenta ao público. Começando pelo próprio protagonista, uma versão mais jovem de Winston Scott, que nos filmes de Keanu conta com o carisma da figura de Ian McShane a seu favor.

Na minissérie, por outro lado, quem vive o futuro gerente do hotel é o ator Colin Woodell que, por mais que se esforce, não consegue se destacar na trama, gerando uma falta de interesse descomunal em relação às suas motivações que, honestamente, são trabalhadas de um jeito medíocre (para dizer o mínimo). Tudo piora quando o enredo tenta te vender um drama entre dois irmãos afastados que não é nada além de tedioso, já que seu desenvolvimento não consegue ultrapassar a superficialidade.

A trama acompanha uma missão perigosa de Winston Scott (Colin Woodell), que lida com as consequências de atos de seu irmão.

O mesmo problema se repete nas demais subtramas, que apresentam personagens a todo instante sem que eles sejam trabalhados devidamente. A assassina Yen (Nhung Kate), por exemplo, é uma das figuras mais interessantes de O Continental, mas não há espaço (ou tempo) suficiente para que sua jornada de vingança atinja um ápice satisfatório – até porque a minissérie não está muito preocupada em construir uma estrada convincente para que isso ocorra.

O desejo pela complexidade, então, acaba se transformando em algo raso, com uma trama onde cada personagem existe apenas para cumprir uma função meramente narrativa. E mesmo quando a série consegue explorar arcos interessantes, como o início da relação entre Winston e Charon, personagem que foi interpretado pelo brilhante e inesquecível Lance Reddick nos filmes de John Wick e agora recebe uma performance singela de Ayomide Adegun no programa, não é algo que se prolonga por muito tempo. No final de tudo, a série acaba se tornando apenas um amontoado de coisas vazias.

Do mundo de John Wick (ou quase)

Apesar dos (muitos) deslizes, O Continental: Do Mundo de John Wick tem seus momentos interessantes, e boa parte deles vem da direção de Albert Hughes. O diretor consegue ser bastante inventivo na condução de sequências de ação, como a cena da escada no primeiro episódio (Irmãos de Armas), que até lembra um pouco uma sequência semelhante no Demolidor da Netflix.

É justamente nesses instantes que O Continental consegue fazer jus ao “do mundo de John Wick” que carrega em seu nome. Não que o ritmo mais lento da série, que preza por diálogos ao invés da pancadaria perfeitamente coreografada que é a marca registrada dos filmes, seja algo ruim – nesse caso, o programa até se beneficia disso para expandir sua mitologia – mas, quando isso é feito de maneira preguiçosa, não há legado no mundo que consiga ser sustentado.

Na minissérie, acompanhamos um pouco da relação inicial entre Winston e Charon (Ayomide Adegun).

Além disso, não basta apenas se escorar em uma ótima trilha sonora, que dialoga muito bem com os momentos mais eletrizantes da série, e esperar que o restante se resolva por si só. Se, por um lado, é admirável que O Continental pelo menos tente não apenas replicar o que deu certo em John Wick para seguir seu próprio rumo, por outro, o resultado deixa a desejar, e até mesmo o icônico hotel da franquia acaba perdendo seu apelo místico e peculiar que os filmes apresentam.

Talvez O Continental só tenha caído em mais uma “maldição dos spin-offs”, ou sua duração enxuta tenha causado uma limitação em seu desenvolvimento. Ou talvez não seja nada disso, mas a sensação de que nos deparamos com uma produção oca deixa um gosto bastante amargo na boca no final dessa jornada.

Não pela ânsia de ver uma minissérie que replique toda atmosfera de John Wick para o formato do seu próprio jeito e com sua própria personalidade, isso nem entra em questão. Afinal, cada obra é uma obra. O grande problema com O Continental é que ela parece estar completamente deslocada da franquia, como se alguém de fora estivesse tão entediado a ponto de querer ter um John Wick para chamar de seu.

Subtramas, como a vingança de Yen (Nhung Kate), não são aproveitadas em seu potencial.

Assim, toda a mágica ao redor da misteriosa mitologia de John Wick se perde nas paredes do Continental da minissérie, que aparentemente não tem tanta história interessante para contar (ao menos, é essa a ideia que o programa transmite). Às vezes, isso é apenas um indicativo de que a graça por trás de todo o deslumbramento, independente de qual seja, está nas lacunas que a nossa imaginação vai preenchendo, onde os corredores de um hotel para assassinos pode habitar os territórios mais sombrios da nossa mente, já que o mistério parece ser muito mais cativante do que qualquer outro tipo de explicação.

A primeira temporada de O Continental: Do Mundo de John Wick está disponível no Amazon Prime Video.

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