Crítica – Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1 é a perfeita união entre ação e espionagem

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Crítica – Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1 é a perfeita união entre ação e espionagem

Por Jaqueline Sousa

Há uma cena no Missão: Impossível de 1996 onde Ethan Hunt (Tom Cruise) explica para Luther (Ving Rhames) e Franz (Jean Reno) seu plano absurdo para invadir um cofre da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, a CIA. Todas as chances parecem estar contra a ideia de Hunt, tanto que Luther olha abismado para o agente e pergunta se ele realmente acha que o pequeno grupo conseguirá sair ileso dessa empreitada. É só então que um Tom Cruise no auge dos seus 34 anos encara Luther e afirma, com a determinação que somente uma pessoa que ri da cara da morte tem, que eles definitivamente irão fazer aquilo.

De certa maneira, não há um resumo melhor do que essa sequência para entender o porquê Tom Cruise segue desafiando seus próprios limites com a franquia Missão: Impossível, quase três décadas após a estreia do filme dirigido pelo mestre Brian De Palma nos cinemas. Avance 27 anos no futuro e encontre Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1, o início de uma jornada que coloca Ethan Hunt de frente para um perigo tão assustadoramente atual que faz a mera ação de pular de um penhasco numa motocicleta parecer brincadeira de criança.

Ficha técnica

Título: Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1

 

Direção: Christopher McQuarrie

 

Roteiro: Christopher McQuarrie e Erik Jendresen

 

Data de lançamento: 13 de julho de 2023

 

País de origem: Estados Unidos da América

 

Duração: 2h 43min

 

Sinopse: Ethan Hunt e seu time IMF embarcam na missão mais perigosa até aqui: rastrear uma aterrorizante nova arma que ameaça toda a humanidade antes que caia nas mãos erradas. Com o controle do futuro e o destino do mundo em risco, além de antigos inimigos do passado de Ethan se aproximando, uma corrida mortal ao redor do mundo se inicia. Confrontado por misteriosos e poderosos inimigos, Ethan se vê forçado a considerar que nada é mais relevante do que essa missão – nem mesmo a vida das pessoas com quem ele mais se importa.

Pôster de Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1.

Uma navegação estimada (e impossível)

Após enfrentar traições, vírus mortais, iminentes desastres nucleares, perdas irreparáveis e outras tragédias a mais, é de se imaginar que Ethan Hunt já tenha visto de tudo um pouco. Mas o homem que entregou sua vida nas mãos de uma agência secreta de espionagem está prestes a encarar uma nova missão que pode destruir aquilo que ele entende por impossibilidade e ainda mudar de vez os rumos da história do planeta.

É assim que, juntamente com sua talentosa equipe do IMF – e uma ajuda inusitada no meio do caminho – Hunt parte em uma corrida contra o tempo para rastrear uma poderosa arma que promete revolucionar a vida humana na Terra quando assumir o controle absoluto do futuro. Para piorar a situação, o agente passa a ser assombrado pelo próprio passado, algo que o colocará em um terrível dilema diante das pessoas pelas quais ele mais se importa no mundo.

Tom Cruise retorna como o agente Ethan Hunt em Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1.

Com uma trilha poderosamente comandada por Lorne Balfe, que converge em harmonia com o clássico tema de Missão: Impossível, imortalizado na história do cinema pelo compositor Lalo Schifrin, Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1 é a perfeita união entre ação e espionagem, uma dupla que te conduz por quase três horas de duração com a leveza de uma pena. Não por ser uma obra sutil e delicada, mas por ser tão cuidadosamente orquestrada que você só percebe que está em uma sala de cinema por um bocado de horas depois que os créditos começam a subir na tela. É a magia da sétima arte agindo em seu estado mais transcendente.

Isso porque, na primeira metade dessa nova missão, Tom Cruise prova mais uma vez que não está muito interessado em se contentar com o básico: o espetáculo cinematográfico merece ser contemplado em toda a sua grandiosidade, nem que para isso ele precise resgatar novamente seu Buster Keaton interior e, assim, fazer essa mágica se tornar realidade diante dos nossos olhos.

Cruise já vinha conquistando isso a cada novo filme de Missão: Impossível e, com certeza, deixou claro em Top Gun: Maverick (2022) que, não importa quantas missões impossíveis ele tenha vencido na pele de Ethan Hunt, conseguir proteger o cinema de ameaças diversas segue sendo sua tarefa mais desafiadora até então. Mas é claro que um blockbuster tão grandioso quanto Acerto de Contas não é um trabalho de uma pessoa só, e as engrenagens que permitiram seu interessante funcionamento já começam a se movimentar na escolha do subtítulo do filme.

Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1 é a perfeita união entre ação e espionagem.

Existe um conceito dentro do vasto universo da navegação que calcula a posição atual de um objeto em movimento usando estimativas a partir de sua última posição determinada. Em inglês, o termo usado para a técnica é o mesmo “dead reckoning” que você vê no título original de Missão: Impossível 7, que aqui no Brasil foi traduzido como Acerto de Contas. A tradução não deixa de dialogar com a trajetória de Ethan Hunt na primeira parte do sétimo filme da franquia, mas é sua versão original que perfeitamente encapsula as temáticas abordadas pelo longa dirigido por Christopher McQuarrie.

Para não entrar em muitos detalhes do enredo, basta dizer que Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1 traz uma ótima (e necessária) discussão sobre os avanços perigosos da Inteligência Artificial, um assunto polêmico que segue ganhando cada vez mais desdobramentos na atualidade. Um mundo onde algoritmos conhecem os seus pensamentos mais obscuros, textos são escritos por máquinas inteligentes, robôs jogam basquete e artistas mortos voltam à vida com IA.

Tudo isso parece ter saído de uma história mirabolante de ficção científica – a terceira temporada de Westworld, por exemplo, fez um ótimo trabalho ao mostrar as terríveis consequências do domínio de máquinas sencientes que controlam até mesmo o seu destino. Não precisaria nem mencionar o que as Irmãs Wachowski fizeram com Matrix, afinal já é autoexplicativo. Mas o buraco é bem mais fundo do que isso, já que a situação parece mais real do que deveria ser.

No filme, Ethan Hunt (Tom Cruise) e sua equipe partem em uma busca por uma arma poderosa.

O mais engraçado, e não falo daquele riso sincero após escutarmos uma piada hilária, mas daquele riso nervoso que vem em situações absurdas e que parecem uma grande baboseira, é que o que vemos em Missão: Impossível 7 é tão próximo da nossa realidade que chega a ser mais assustador do que ver Ethan Hunt escalando montanhas sem um único equipamento de segurança em Missão: Impossível 2 (2000). E o diretor Christopher McQuarrie faz questão de mostrar todo esse desconforto – e essa quase incredulidade – em momentos decisivos diante de uma iminente guerra contra máquinas que, se usadas com objetivos egoístas por pessoas ainda mais autocentradas, poderiam se tornar donas da verdade num piscar de olhos.

McQuarrie usa e abusa de planos holandeses, uma técnica que marcou o trabalho de Brian De Palma no primeiro filme de Missão: Impossível e que, no novo longa da franquia, foi uma escolha certeira para transmitir toda a instabilidade ao redor dos personagens, que se viram diante de uma luta que, pela primeira vez em suas vidas, realmente parecia impossível.

 

Tom Cruise luta contra as máquinas em Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1.

Afinal, como derrotar uma máquina que conhece a sua trajetória futura baseando-se apenas no ponto onde você previamente esteve? E mais: o livre-arbítrio seria algo real, já que esse grande algoritmo usa conhecimentos pré-determinados para estimar onde cada pessoa estará daqui a duas horas ou a cinco anos?

São questões que pairam na cabeça de Ethan Hunt ao longo de toda a narrativa, mas que também não deixam de dialogar com debates mais metalinguísticos, principalmente com a atual ameaça da IA dentro do cinema e da indústria do entretenimento em geral.

É por isso que a primeira parte de Acerto de Contas consegue elevar ainda mais o nível da franquia que carrega o nome de Tom Cruise consigo. Não somente por ser um excelente filme de espionagem e ação, mas também por usar tropos do gênero a seu favor, apresentando novas perspectivas e discussões na medida certa. Tudo é tão bem coreografado que, por mais que não alcance a excelência rítmica de um John Wick 4: Baba Yaga, ainda assim consegue ter seus próprios méritos, já que o conjunto da obra cumpre seu propósito com maestria.

Sangre, lágrimas e paixão

Assim como fora das telonas, a equipe de Ethan Hunt também teve que trabalhar e muito para dar o ponto de partida em mais uma missão. Cruise, como sempre, é uma força da natureza por si só e, mesmo quando você acha que não tem mais como se surpreender com as situações insanas nas quais ele se coloca, o astro ri da sua cara novamente, enquanto pula de mais um penhasco.

É essa entrega que faz Missão: Impossível continuar crescendo a cada novo filme lançado nos cinemas. Há uma sequência de ação em um trem, por exemplo, que facilmente é uma das mais impecáveis de toda a franquia, algo extremamente contrastante com uma cena similar do recente Indiana Jones e a Relíquia do Destino.

Por mais que o filme de James Mangold reforce toda a imponência de Harrison Ford e apresente uma aventura divertida, seus visuais chapados e mal iluminados, como na sequência inicial onde vemos um Indy mais jovem em um trem, acabam tirando certo mérito do longa, algo que não acontece em Missão: Impossível 7. A condução de Christopher McQuarrie, com seus ângulos holandeses e seu jogo de closes bem trabalhados, é tão revigorante que, até mesmo quando o uso de efeitos visuais extrapola a tela, o filme não perde sua força.

A excelente montagem e a sagacidade em usar o espaço cenográfico a seu favor em todos os momentos é o que torna Acerto de Contas um blockbuster fora da curva, principalmente em um momento hollywoodiano tão desgastado e apático onde tudo parece mais do mesmo. É como se o eletrizante Missão: Impossível – Fallout (2018) fosse apenas um aperitivo daquilo que a dupla McQuarrie-Cruise ainda estaria preparando para o público no futuro. E isso já diz muito sobre a franquia em si.

Além disso, a adição de Hayley Atwell (Agente Carter) e Pom Klementieff (Guardiões da Galáxia) no elenco foi outro grande acerto da produção. Juntamente com performances excelentes dos veteranos Rebecca Ferguson (Duna), Simon Pegg (Todo Mundo Quase Morto) e Ving Rhames (Pulp Fiction), as duas atrizes entregam ótimas performances em cena, especialmente Atwell, que usa todo o seu carisma para construir uma personagem interessantíssima. Sua dinâmica com Cruise é tão natural que parece que ela sempre esteve presente naquele universo.

Hayley Atwell é um dos grandes destaques do filme, e sua dinâmica com Tom Cruise é maravilhosa.

E que universo. Desde o Missão: Impossível de Brian De Palma, a franquia parece estar competindo consigo mesma, testando seus próprios limites e buscando novas maneiras de explorar o gênero, para continuar criando histórias espetaculares. É um jogo que só terá fim quando Tom Cruise decidir pendurar seu paraquedas de uma vez por todas, ou quando forças maiores entrarem no caminho. Enquanto isso, é um privilégio continuar acompanhando como o cinema sempre consegue encontrar jeitos de se reinventar, mesmo quando máquinas inteligentes tentam roubar a essência humana da coisa.

Diante desse cenário, Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1 é o perfeito exemplo de um filme com grande alcance de público que é autoconsciente o bastante para não subestimá-lo. Tom Cruise, Christopher McQuarrie e todos os envolvidos nessa empreitada sabem como construir um espetáculo cinematográfico que, muito mais do que ser apenas um grande amontoado de explosões e sequências de tirar o fôlego (não que isso seja ruim), possui alma e paixão, e isso já é o bastante para compreender sua relevância e importância em um mundo que se torna cada vez mais automatizado.

Nota: 5/5

Missão: Impossível – Acerto de Contas, Parte 1 estreia no dia 13 de julho nos cinemas brasileiros, com sessões especiais disponíveis a partir do dia 8 de julho.

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