Crítica – M3GAN diverte por não se levar a sério, mas direção morna desperdiça potencial do filme

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Crítica – M3GAN diverte por não se levar a sério, mas direção morna desperdiça potencial do filme

Por Jaqueline Sousa

Uma das coisas mais interessantes no horror é como o gênero subverte elementos que, no senso comum, são tidos como ordinários. Os brinquedos são grandes exemplos disso, basta pensarmos em como Chucky ficou imortalizado no nosso imaginário como o famoso brinquedo assassino – algo que, a princípio, deveria proporcionar alegria às crianças, mas que é o completo oposto disso.

Agora, adicione a tecnologia nessa equação que teremos M3GAN, uma boneca robótica que, antes mesmo de chegar às salas de cinema, já tinha se tornado um ícone das redes sociais. Com roteiro de Akela Cooper e produção de James Wan (a dupla por trás do incrível Maligno), o novo filme do diretor Gerard Johnstone apresenta uma narrativa divertida e autoconsciente que, por mais que não queira se levar a sério demais ao tratar de temáticas pertinentes ao século XXI, poderia facilmente ter saído de um episódio de Black Mirror.

Ficha técnica

Título: M3GAN

 

Direção: Gerard Johnstone

 

Roteiro: Akela Cooper

 

Data de lançamento: 19 de janeiro de 2023

 

País de origem: Estados Unidos da América

 

Duração: 1h 42min

 

Sinopse: M3GAN é uma maravilha da inteligência artificial, uma boneca realista programada para ser a maior companheira de uma criança e a maior aliada dos pais. Projetada pela brilhante empresa de robótica onde Gemma (Allison Williams, de Corra!) trabalha, M3GAN pode ouvir, assistir e aprender enquanto se torna amiga e professora, companheira de brincadeiras e protetora da criança a quem está ligada.

 

Quando Gemma de repente se torna a cuidadora de sua sobrinha órfã de 8 anos, Cady (Violet McGraw, A Maldição da Residência Hill), Gemma fica insegura e despreparada para ser mãe. Sob intensa pressão no trabalho, Gemma decide emparelhar seu protótipo M3GAN com Cady na tentativa de resolver os dois problemas – uma decisão que terá consequências inimagináveis.

Pôster de M3GAN.

Mais do que um brinquedo

Para Gemma (Allison Williams), não há nada melhor do que ocupar sua mente com trabalho e mais trabalho. Funcionária de uma empresa de tecnologia, sua vida muda da noite para o dia quando ela se torna a guardiã da sobrinha Cady (Violet McGraw), que fica órfã aos oito anos de idade após sofrer um acidente com os pais.

Logo, além de lidar com a intensa pressão no trabalho, Gemma precisa encontrar uma maneira de ser a mãe que Cady precisa, mesmo sem ter o preparo ou tempo suficiente para isso. É dessa maneira que M3GAN, um protótipo criado por Gemma, surge como a solução perfeita para o dilema.

Programada para ser a melhor amiga de uma criança e a grande aliada dos pais, a boneca extremamente realista logo cai nas mãos de Cady, um presente que Gemma dá para a sobrinha com o objetivo de ajudá-la a superar o luto. Mas aquilo que parecia ser o melhor dos mundos resulta em consequências perturbadoras para a vida das duas.

M3GAN conta a história de uma boneca robótica que passa a apresentar um comportamento suspeito para proteger uma menina.

Entre uma dancinha feita para viralizar nas redes sociais e a expectativa de que uma nova boneca assassina entrasse no hall de brinquedos aterrorizantes do cinema, M3GAN é autoconsciente o bastante para não se levar a sério. O que chega a beirar o camp em certos momentos, diverte na medida certa com situações estapafúrdias que até poderiam soar ridículas, mas que funcionam dentro da narrativa que está sendo apresentada.

Aqui, o roteiro de Akela Cooper e a produção de James Wan, certamente, fizeram-se necessários para que M3GAN atingisse seu objetivo. Isso porque, apesar de não ser tão ousado e inventivo como Maligno, o filme da boneca robótica que dança é uma jornada espirituosa de altos e baixos que, no pior dos casos, ainda vai ser capaz de arrancar um riso seu com alguns absurdos.

Apesar da direção morna, M3GAN é um filme que diverte.

Por ser um filme centrado em uma máquina criada por inteligência artificial, M3GAN aborda algumas discussões, mesmo que de maneira apenas expositiva, acerca da relação invasiva e nada saudável que seres humanos possuem com a tecnologia.

A menina Cady, por exemplo, é a típica criança que já nasceu com um celular na mão e que desconhece os efeitos nocivos que o uso descontrolado do dispositivo pode causar. Gemma, por sua vez, tenta usar a tecnologia à sua disposição para se livrar das obrigações que supostamente teria como guardiã da sobrinha. Tudo isso para buscar o caminho mais fácil, onde ela possa se dedicar às coisas que “realmente importam”.

São temáticas pertinentes ao século XXI que já foram retratadas diversas vezes por aí, mas que, se vistas por outro ângulo, podem gerar discussões não tão recorrentes assim. M3GAN faz isso ao passo que usa o terror para mostrar como o poder das máquinas não deve ser subestimado no que diz respeito ao desenvolvimento de crianças, principalmente quando pais as tornam reféns de aparelhos tecnológicos ainda no berço.

M3GAN levanta debates sobre a relação dos seres humanos com a tecnologia.

O problema que faz com que M3GAN mais se pareça com um episódio de Black Mirror do que se aproxime de um clássico como o Brinquedo Assassino de Tom Holland é que a direção de Gerard Johnstone não consegue acompanhar essa jornada de forma satisfatória. É possível perceber que há potencial ali, mas ele acaba perdendo a mão quando chega o momento de criar uma atmosfera de suspense, por exemplo.

O tom parece forçado e, muitas vezes, prefere arrancar um riso seu ao invés de explorar a situação colocada ali de um jeito mais interessante e explosivo quando necessário. Com um gênero tão prolífico como o terror em mãos, faltou ousadia para desbravar o melhor que M3GAN tinha a oferecer.

Parte da família

M3GAN não é um filme perfeito (se é que isso existe), mas ainda consegue se destacar com o que tem. Por mais que a trama seja um tanto quanto enfadonha inicialmente, a boneca robótica logo capta a nossa atenção com seus gestos, comentários e até mesmo certas semelhanças com o Exterminador de Arnold Schwarzenegger (há até mesmo uma cena que lembra bastante o confronto final entre a máquina e Sarah Connor na conclusão do filme de 1984). E bem, como não dá para não comentar, também lembra Chucky em Brinquedo Assassino, mas de um jeito mais performático.

Assim, é quase como, ao unir brinquedo e máquina, M3GAN se transformasse em uma grande metáfora do século XXI, onde tudo que fazemos vem acompanhado de um dispositivo tecnológico que, em tese, está ali para facilitar as nossas vidas. Muitos até são vistos como entretenimento similares àqueles que garantem a diversão das crianças.

Acontece que é fácil esquecer que, por trás de um aparelho aparentemente inofensivo, existem motivações maiores – e discussões que nem caberiam aqui por extrapolarem a esfera cinematográfica – que geram consequências ainda mais grandiosas. Basta perguntar se você conseguiria passar um dia sequer longe do seu celular para só começar a entender que o buraco é bem mais embaixo do que parece.

Antes mesmo de chegar aos cinemas, M3GAN viralizou nas redes sociais por causa da boneca robótica.

Mas voltando ao filme do diretor Gerard Johnstone, que não se resume apenas à história de um robô assassino, M3GAN é uma produção que, apesar dos problemas, ainda consegue entreter o bastante para que seja uma jornada até que satisfatória. Mesmo que sofra com uma direção morna e os descompassos no tom da narrativa, a dinâmica entre “mãe e filha” entre as personagens de Allison Williams, que abraça o terror mais uma vez depois do impecável Corra!, e a da jovem Violet McGraw é um dos aspectos mais interessantes de M3GAN, especialmente por levantar debates sobre inseguranças, apegos e limites que carregamos em nossas relações pessoais.

Nesse ponto, mais do que Williams, é McGraw que cresce na narrativa à medida que Cady vai criando um vínculo cada vez mais forte com a boneca. A menina que sofre pela perda dos pais e não consegue se conectar com a tia encontra no protótipo de M3GAN uma segunda mãe, como se buscasse em um aparato tecnológico a compreensão da própria dor.

Allison Williams é um dos destaques do elenco de M3GAN.

A substituição de humanos por máquinas acontece desde os primórdios da Revolução Industrial, por isso é um tema que não se esgota e é sempre interessante vê-lo por outras lentes. Dessa maneira, em M3GAN, o terror escancara o fato de que buscar o amor nas máquinas pode ter resultados catastróficos (o Theodore do filme Ela, que se apaixona pelo sistema operacional de seu computador, bem sabe disso) e, muitas vezes, atrapalha até mesmo o nosso desenvolvimento como seres humanos. Assim, por mais que pareça tentador buscar apoio em uma boneca carismática capaz de fazer tudo por você, as dancinhas dela nem sempre serão a resposta para os seus problemas. Interprete isso da maneira que quiser.

Nota: 3,5/5

M3GAN já está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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