Crítica: Indiana Jones e a Relíquia do Destino traz despedida de Harrison Ford em aventura emocionante e agridoce
Crítica: Indiana Jones e a Relíquia do Destino traz despedida de Harrison Ford em aventura emocionante e agridoce
Com direção de James Mangold, o quinto filme da saga de Indiana Jones conta com a despedida de Harrison Ford da franquia para explorar a passagem do tempo, assim como as fragilidades do arqueólogo
Há uma sensação bastante agridoce que vem com a passagem do tempo e com o fato de que, independente dos nossos esforços, o relógio continuará interruptamente caminhando em direção ao futuro (seja lá o que isso signifique), algo que segue perturbando a mente humana em diferentes aspectos. É por isso que a ficção sempre serviu como uma espécie de analgésico para paralisar essa “dor”, nem que seja por apenas duas horas no escuro de uma sala de cinema. Mas há certas vezes em que nem mesmo uma história consegue fazer a gente esquecer que o tempo passa e, com ele, nós passamos também.
Indiana Jones e a Relíquia do Destino, o quinto filme de uma das franquias mais bem-sucedidas de Hollywood, chega aos cinemas 15 anos após o lançamento do divisivo O Reino da Caveira de Cristal (2008) justamente para explorar o tempo, abordando em suas nuances a dicotomia entre o antigo e o moderno. Com direção de James Mangold (Logan, Ford vs. Ferrari), o longa é o primeiro da saga sem o comando do mestre Steven Spielberg, uma ausência que pesa na condução da nova aventura de Indy, mas que se sustenta por meio da imponente presença de Harrison Ford que, aos 80 anos de idade, diz adeus a um de seus personagens mais queridos durante uma jornada emocionante, aventuresca e, acima de tudo, amorosa.
Ficha técnica
Título: Indiana Jones e a Relíquia do Destino
Direção: James Mangold
Roteiro: James Mangold, Jez Butterworth, John-Henry Butterworth e David Koepp
Data de lançamento: 29 de junho de 2023
País de origem: Estados Unidos da América
Duração: 2h 34min
Sinopse: Encontrando-se em uma nova era, aproximando-se da aposentadoria, Indy luta para se encaixar em um mundo que parece tê-lo superado. Mas quando os tentáculos de um mal muito familiar retornam na forma de um antigo rival, Indy deve colocar seu chapéu e pegar seu chicote mais uma vez para garantir que um antigo e poderoso artefato não caia nas mãos erradas.
O chamado do destino
Era 20 de julho de 1969, e a humanidade pisava na Lua pela primeira vez na história, aquela com “H” maiúsculo. O mundo parecia finalmente ter entrado em contato com o futuro, mas isso não significava absolutamente nada para o Dr. Henry Jones Jr. (Harrison Ford).
Prestes a se aposentar da carreira como professor de Arqueologia, Indiana Jones já não carrega mais consigo aquela força para vivenciar novas aventuras. Afinal, o avanço da idade vem com algumas limitações, e aqueles dias de glória em que ele pulava de pontes, escalava montanhas e combatia nazistas nas horas vagas ficaram para trás. O que resta agora, então, para Indy, um homem apegado ao passado que luta para se encaixar em tempos modernos, onde ninguém parece muito interessado no que ele tem a dizer?
A resposta é simples: um chapéu e um chicote. Diante de uma nova era, Indiana Jones se vê mais uma vez no centro de uma perigosa tarefa: impedir que um poderoso artefato caia nas mãos de um antigo inimigo, que retorna ainda mais aterrorizante e sem escrúpulos do que antes. Mas, claro, ele não precisa fazer isso sozinho, já que uma ajudinha especial – e bastante familiar – acaba cruzando seu caminho.
Quando vemos Harrison Ford pela primeira vez em Indiana Jones e a Relíquia do Destino, e não estou falando da sequência de abertura onde o ator aparece rejuvenescido por computação gráfica, é algo extremamente anticlimático. Sentado em uma poltrona, o aventureiro esbanja fragilidade e um certo ar destoante do mundo ao seu redor, algo completamente diferente daquela figura heroica que conhecemos em Os Caçadores da Arca Perdida (1981), em que apenas uma sombra era capaz de demonstrar toda a sua imponência.
É dessa forma, com todas as fragilidades da passagem temporal, que Indiana Jones e a Relíquia do Destino decide resgatar a imagem de Harrison Ford como o famoso arqueólogo, sem medo de mostrar que, assim como você, eu, ou qualquer outra pessoa, todos nós somos vítimas do tempo, inclusive grandes estrelas do cinema que marcaram a nossa vida de diferentes maneiras. Ora, até mesmo Tom Cruise encarou sua idade em Top Gun: Maverick (2022), mas sem deixar com que isso diminuísse sua força na frente das câmeras. Muito pelo contrário, na verdade.
Esse é o mesmo caso de Ford. Basta que os primeiros acordes da clássica trilha temática de John Williams invada os nossos ouvidos para sentirmos que, independente de qualquer coisa, Indiana Jones é muito mais do que um simples cara que combate forças malignas para salvar artefatos antigos de um fim indigno. E não tem passagem de tempo alguma que tire isso do ator que imortalizou personagens tão importantes para o cinema, como Han Solo e Rick Deckard.
Seja em momentos em que demonstra uma maior fragilidade emocional ou em sequências em que ele sobe em cima de um cavalo para escapar do perigo, Harrison Ford consegue levar Indiana Jones do ponto A para o ponto B com uma leveza e simplicidade impressionantes. Isso chega até a ser surpreendente em certos momentos, pegando-nos de surpresa por estarmos acostumados com a persona meio rabugenta que o artista construiu ao longo da carreira.
Portanto, é bonito ver Indy demonstrando suas inseguranças sem receio de como aquilo vai transparecer para o seu interlocutor, e Ford capta essa nuance com sagacidade para que aquilo não pareça forçado na frente das câmeras. É algo que ele fez na primeira temporada da dramédia Falando a Real, série da Apple TV+ na qual interpreta um psiquiatra emocionalmente indisponível que é diagnosticado com a doença de Parkinson. Embora os dois personagens estejam em gêneros e formatos diferentes, em ambos Ford consegue entregar uma sutileza tão sincera que é praticamente impossível não ser fisgado por aquele universo que ele te apresenta.
“Desconstruir” uma figura tão imponente e representativa dos ideais estadunidenses é uma tarefa arriscada se levarmos em consideração as expectativas dos fãs mais assíduos e fiéis da franquia. E falo desconstruir não no sentido de reverter totalmente a imagem do Indiana Jones que amamos mas, sim, apresentar facetas do personagem que, por limitações diversas, ainda não conhecíamos com muita proximidade.
Talvez o único, até agora, que tenha conseguido mostrar esse lado mais humano do personagem com maior destaque seja o excelente A Última Cruzada (1989), onde Ford divide a tela com o lendário Sean Connery em um emocionante conto de pai e filho. É por isso que A Relíquia do Destino, mesmo nadando contra a correnteza de cenários limitantes, como a tendência hollywoodiana de se apoiar em uma nostalgia exagerada, ambientações pessimamente iluminadas e efeitos visuais duvidosos, consegue conquistar um espaço interessante (e divertido, afinal é de um filme do Indiana Jones que estamos falando) no meio da mesmice dos blockbusters da atualidade.
Uma lenda diz adeus
Se Indiana Jones e a Relíquia do Destino consegue êxito naquilo que se propõe a fazer, muito disso, claro, vem da presença de Harrison Ford em cena, uma das últimas grandes estrelas de cinema vivas que, felizmente, ainda temos o privilégio de acompanhar nas telonas. Mas o mérito não é somente dele, pois há uma outra figura que capta a nossa atenção a todo momento: Helena Shaw, a afilhada de Indy que é brilhantemente interpretada pela atriz Phoebe Waller-Bridge.
Conhecida por ter criado e protagonizado a obra-prima chamada Fleabag, Waller-Bridge continua consolidando seu nome como uma das artistas mais versáteis e interessantes de sua geração a cada novo projeto no qual se envolve, e isso é algo que transparece em cada segundo seu no quinto filme de Indiana Jones. No final de tudo, a sensação que fica é de que não havia uma parceira melhor para Harrison Ford se despedir de Indy do que ela.
Isso porque Phoebe Waller-Bridge tem uma persona tão cativante e única que é praticamente impossível não querer que ela esteja presente em todos os instantes do filme. Assim como Ford, a atriz soube trabalhar a personagem com leveza, abrindo espaço para que suas motivações e desejos mais profundos aparecessem em suas expressões, algo que se beneficia muito da abordagem de Harrison Ford em cena. Ambos são a alma e o coração de A Relíquia do Destino, servindo como pontes para o clima aventuresco, familiar e amoroso que encontramos em todos os filmes de Indiana Jones.
Mas, como nada nessa vida é perfeito, o quinto filme da franquia tem lá seus problemas. Visualmente falando, o longa sofre com uma falta de inventividade que deixa muito a desejar, sem contar que, por mais bem-feita que uma computação gráfica possa parecer, rejuvenescer atores em tela faz com que tais momentos pareçam tão artificiais que é praticamente impossível sentir qualquer apreço por aquilo. Prefiro mil vezes ver Harrison Ford no auge de seus 80 anos solucionando mistérios e destruindo simbologias estadunidenses do que ter a falsa ideia de que podemos reviver o passado.
São escolhas narrativas, claro, e felizmente o jovem Jones é usado apenas para contextualizar a premissa do filme. Contudo, o que mais incomoda em Indiana Jones e a Relíquia do Destino é justamente essa ausência, que transborda até mesmo na direção. Afinal, por mais que James Mangold faça um bom trabalho, só existe um único Steven Spielberg nesse mundo, e foi este último quem conseguiu criar ambientações e sequências tão majestosas que, sem dúvida, colaboraram para colocar o nome de Indiana Jones no imaginário popular.
Ainda assim, Mangold acerta ao transmitir a essência do aventureiro para o público, e o roteiro, que foi escrito pelo diretor em parceria com Jez Butterworth, John-Henry Butterworth e David Koepp, soube brincar com a ideia da nostalgia, mas sem deixar com que isso se transformasse em algo vazio e desprovido de sentimentos. Pelo contrário, ele aproveita isso para explorar o contraste entre o velho e o novo, colocando Indiana Jones no centro de uma caçada para, além de provar o valor dos artefatos que impulsionaram seu propósito de vida, conseguir provar para si mesmo que ele também tem seu valor.
No final das contas, tudo que esperamos de uma clássica história de Indiana Jones está ali: a missão quase impossível para resgatar um objeto histórico, os parceiros carismáticos (as cenas com Antonio Banderas, inclusive, são ótimas), as perseguições eletrizantes, os mapas que invadem a tela, os vilões caricatos (Mads Mikkelsen entrega um ótimo trabalho como o Dr. Jürgen Voller) e por aí vai. O diferencial, desta vez, é que tudo vem acompanhado de uma sensação agridoce de despedida como se, no meio de todas as variáveis, o filme procurasse um possível “final” para a jornada de Indy.
Sempre há algo muito tranquilizador em acompanhar conclusões satisfatórias na ficção, principalmente em uma indústria onde nada parece ter fim. Por isso que ver Harrison Ford pendurando o chapéu é uma ação que vem acompanhada de um suspiro de alívio. Se a Disney vai deixar a franquia em banho-maria até encontrar uma nova abordagem para a história de Indy nos cinemas, é uma análise para outra ocasião. O que importa no momento é que, independente do que aconteça, saber que Harrison Ford, certa vez, colocou uma jaqueta marrom para vivenciar as mais inusitadas e bizarras aventuras já é o suficiente para entender o porquê algumas pessoas simplesmente conseguem superar o tempo, nem que seja somente por meio do olhar de uma câmera.
Indiana Jones e o Chamado do Destino estreia no dia 29 de junho nos cinemas brasileiros.
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