Crítica: Heartstopper, Temporada 2

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Crítica: Heartstopper, Temporada 2

Por Jaqueline Sousa

Primeiros amores, mudanças constantes e sentimentos de eternidade. A adolescência é provavelmente a fase mais transformadora da vida humana, e Heartstopper abraça essa ideia da maneira mais singela possível. Inspirada na série em quadrinhos criada por Alice Oseman, a primeira temporada do programa original da Netflix conquistou o coração do público em 2022 com a história de amor entre dois jovens cujas batalhas pessoais se entrelaçam de maneira inesperada.

Neste ano, os dois retornam ao serviço de streaming com um segundo capítulo que, além de manter a qualidade inicial, aproveita os oito episódios inéditos para desenvolver ainda mais as tribulações, sensações e características de seus personagens, indo muito além de Charlie (Joe Locke) e Nick (Kit Connor). É assim que, aproveitando-se de tropos do gênero mais uma vez, a segunda temporada de Heartstopper mostra o porquê a série é a grande pérola da Netflix.

Ficha técnica

Título: Heartstopper

 

Criação: Alice Oseman

 

Roteiro: Alice Oseman

 

Direção: Euros Lyn

 

Ano: 2023

 

Emissora/Streaming: Netflix

 

Número de episódios: 8 (Temporada 2)

 

Sinopse: Com provas, uma viagem escolar a Paris e a formatura chegando, Nick, Charlie e a turma se preparam para lidar com novos desafios de romance, amizade e da vida.

Pôster da segunda temporada de Heartstopper.

Que o mundo veja o que é o amor

Nós aceitamos o amor que achamos que merecemos. Essa é provavelmente a frase mais popular de As Vantagens de Ser Invisível, livro de Stephen Chbosky que ganhou uma adaptação cinematográfica em 2012 e que se enquadra naquilo que chamamos de coming of age, aquelas histórias protagonizadas por adolescentes que estão enfrentando a doce amargura do amadurecimento. Por mais clichê que ela possa parecer, é exatamente essa ideia que Heartstopper trabalha através da jornada de Charlie, um garoto cujo maior sonho é ser livre para ser quem ele quiser e amar quem desejar.

O segundo capítulo da história criada por Alice Oseman segue a mesma linha, mas de um jeito diferente. Não que o programa da Netflix tenha deixado para trás toda aquela sensibilidade e leveza que a primeira temporada carrega, mas por ter dado mais espaço para que Charlie e Nick continuassem amadurecendo juntos e individualmente.

Desde o princípio, Heartstopper nunca teve medo de abraçar os tropos mais corriqueiros de comédias românticas para contar a história de dois adolescentes que, por obra do destino ou não, acabam se apaixonando durante o Ensino Médio. Na nova temporada, isso se repete à medida que ambos enfrentam problemas na escola e embarcam em uma nova aventura por Paris, na França, durante uma transformadora viagem escolar com toda a turma.

Na segunda temporada de Heartstopper, acompanhamos a turma de Charlie e Nick em uma viagem por Paris.

O mais legal é que, mesmo em cenários e contextos diferentes, a atenção aos detalhes continua sendo um dos maiores trunfos do seriado, principalmente com toda a preocupação em transmitir visualmente, seja por folhas caindo ou uma estrada de arco-íris, os sentimentos vivenciados por seus personagens. São as mãos que quase se tocam, os olhares desviados e os sorrisos tímidos que dizem muito mais do que diálogos expositivos, e Heartstopper sabe muito bem como usar isso a seu favor.

Isso porque acompanhar a celebração do amor ao longo dos oito episódios da nova temporada do programa é, certamente, um refresco no mar escasso de produções irrelevantes que a Netflix vem produzindo nos últimos anos. Colocar o elenco principal em uma viagem pelas ruas românticas de Paris, então, é aproveitar tudo aquilo que faz os corações românticos suspirarem para oferecer uma visão otimista e sensível sobre os primeiros amores, sem deixar de lado o foco na experiência da comunidade LGBTQIA+.

Ao dar para Charlie e Nick a chance de viverem suas próprias comédias românticas, Alice Oseman aproveita as nuances de um romance adolescente, onde tudo parece mais intenso e eterno, para tratar de temáticas extremamente importantes que, mesmo com um teor mais leve da narrativa, ainda conseguem evidenciar o peso dramático de tais problemáticas, como a jornada de autodescoberta de Nick, por exemplo.

Nick (Kit Connor) e Charlie (Joe Locke) crescem no romance vivido por eles.

Na segunda temporada de Heartstopper, o personagem interpretado pelo ator Kit Connor enfrenta um dilema bastante difícil que envolve sua vontade de ser o melhor namorado que Charlie poderia ter e o receio de assumir sua bissexualidade para amigos e familiares. Assim como no primeiro capítulo, o carisma de Connor é impagável e ele consegue equilibrar as emoções de Nick de um jeito tão sincero que é como se ele tivesse saído das páginas dos quadrinhos de Oseman diretamente para a série da Netflix.

Joe Locke também acompanha a evolução de Charlie, que no novo ano tenta lidar com a felicidade de estar em um relacionamento com Nick, enquanto ainda é assombrado por traumas de seu passado. O ator capta a sutileza do personagem em suas ações, sempre atento ao que as nuances podem demonstrar e expressando as dúvidas, receios e sentimentos do protagonista com bastante honestidade.

É nítido – e bonito de se ver – como a dinâmica entre Charlie e Nick amadurece na segunda temporada de Heartstopper. Embora cada um esteja enfrentando batalhas particulares, a série consegue se aprofundar um pouco mais no relacionamento dos dois, colocando-os em encruzilhadas que estão ali para impulsionar o desenvolvimento de ambos. Com toques sutis, a narrativa consegue ser equilibrada o bastante para permitir que a dupla cresça gradativamente sem que eles percam suas essências, abrindo espaço para novas reflexões acerca da trajetória queer – cada uma com sua particularidade – durante a adolescência.

Sobre amar e ser amado

Mas a segunda temporada de Heartstopper não se restringe apenas aos dois protagonistas. A turma de Charlie e Nick também ganha mais destaque e desenvolvimento no novo capítulo, como o relacionamento de Elle (Yasmin Finney) e Tao (William Gao), por exemplo, que acaba se sobressaindo ao longo da narrativa com o uso de tropos muito comuns ao gênero. O diferencial é que, mesmo usando o clichê dos “melhores amigos que se apaixonam”, a série não tem vergonha de abraçar o lado mais bobo e mágico disso, deixando uma sensação de coração quentinho conforme o romance vai desabrochando na tela.

Isso porque, independente de quem você seja, a experiência de passar pelas mudanças arrebatadoras da adolescência permanece conosco de várias maneiras. Logo, não deixa de ser nostálgico, principalmente para quem já saiu dessa fase, identificar pedaços da sua própria jornada na vivência de personagens tão diversos entre si, cada qual com suas particularidades, vivências e emoções.

Segunda temporada mostra o amadurecimento de vários personagens.

Acompanhar um coming of age que olha para todos os seres “invisíveis” da juventude, enquanto mostra que cada um deles merece amar e ser amado do jeito mais livre e simples possível é o que faz de Heartstopper algo tão único. Na segunda temporada, então, é uma boa oportunidade de perceber, através de figuras tão carismáticas, que não devemos aceitar um amor que achamos que merecemos mas, sim, que merecemos esse amor porque nós somos importantes à nossa própria maneira.

É o que cada personagem da série – Charlie, Nick, Tao, Elle e companhia – vai aprendendo ao longo da narrativa, que mantém o grupo em ambientes acolhedores ao mesmo tempo que apresenta um futuro incerto, onde escolhas podem colocá-los em caminhos completamente diferentes. É assustador, principalmente para jovens que ainda precisam enfrentar preconceitos sociais diariamente. Mas uma coisa que Heartstopper deixa nítido, desde o princípio, é que ninguém precisa ter medo de amar e que o amadurecimento começa de dentro para fora.

Além disso, é interessante ver como a série continua incorporando a realidade da geração Z de uma maneira bastante natural. Com mensagens de texto pipocando na tela a todo momento e redes sociais ditando como cada um se apresenta socialmente, nada é feito de um jeito forçado – muito pelo contrário. O programa consegue inserir esse aspecto espontaneamente, algo que ajuda a aumentar o dinamismo na tela e ainda estabelece uma maior riqueza de detalhes para esse universo.

Heartstopper incorpora diversos elementos da realidade da geração Z na trama.

São esses pequenos aspectos que evidenciam o poder de Heartstopper na indústria televisiva por ser um coming of age que ressalta as diferenças com orgulho, nunca deixando de lado o cuidado ao tratar de temas sensíveis, como transtornos alimentares, descaso familiar e os mais variados preconceitos. A nova temporada, por exemplo, até traz reflexões acerca das problemáticas envolvendo a bifobia através da jornada de Nick, e também inicia brevemente discussões sobre assexualidade com a perspectiva de Isaac (Tobie Donovan), outra figura que ganha mais destaque no capítulo.

Em vista disso, a segunda temporada de Heartstopper melhora ainda mais o que já era excelente, adicionando novos debates e criando oportunidades para que seus personagens amadureçam ao longo da trama. É bonito, sensível e doce – tudo aquilo que a juventude deve e pode ser, independente de quem você seja ou quem você ame. Afinal, não há nada melhor do que se olhar no espelho e acreditar que é possível vivermos em um mundo onde podemos ser quem a gente quiser ao lado de quem nos faz bem.

Nota: 5 de 5.

A segunda temporada de Heartstopper está disponível na Netflix.

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