Crítica – Elementos: Animação da Pixar é um conjunto de metáforas que não conseguem sustentar a narrativa

Capa da Publicação

Crítica – Elementos: Animação da Pixar é um conjunto de metáforas que não conseguem sustentar a narrativa

Por Jaqueline Sousa

O ano era 1597, e a primeira apresentação teatral de Romeu e Julieta estava prestes a mudar os rumos da ficção para sempre. A tragédia escrita por William Shakespeare imortalizou ali a história de amor entre dois jovens cujas famílias eram grandes rivais, uma estrutura narrativa que já recebeu inúmeras releituras desde que a peça foi encenada pela primeira vez. Elementos, o novo filme da Pixar, é mais uma delas, só que de um jeito diferente.

Isso porque, apesar de, em um primeiro momento, parecer ser apenas uma comédia romântica sobre opostos que se atraem, a animação usa os quatro elementos da natureza – fogo, água, ar e terra – para criar metáforas sobre a diversidade cultural, a intolerância e a jornada de imigrantes pelo mundo, enquanto explora temáticas como autodescoberta e pertencimento. Tudo isso poderia ter recebido uma visão interessante, mas o que encontramos é um filme com medo de si mesmo e que não consegue trabalhar suas nuances por não ter confiança o bastante na força de sua história.

Ficha técnica

Título: Elementos

 

Direção: Peter Sohn

 

Roteiro: Peter Sohn, John Hoberg, Kat Likkel e Brenda Hsueh

 

Data de lançamento: 22 de junho de 2023

 

País de origem: Estados Unidos da América

 

Duração: 1h 49min

 

Sinopse: Em uma cidade onde os habitantes de fogo, água, terra e ar convivem, uma jovem mulher flamejante e um rapaz que vive seguindo o fluxo descobrem algo surpreendente, porém elementar: o quanto eles têm em comum.

Pôster de Elementos.

Os opostos se atraem

Quando a família de Faísca (Leah Lewis) chegou na cidade Elemento, tudo que eles encontraram parecia ser um sinal de que ter deixado suas origens para trás tinha sido uma péssima ideia. Afinal, como construir uma base sólida em um local desconhecido que, não importa quantas vezes você tente provar o contrário, continua reforçando o pensamento de que ali não é o seu lugar?

Mas, mesmo diante dessa realidade, o povo do Fogo conseguiu criar uma comunidade sólida, onde a jovem Faísca pôde crescer ao lado da família, enquanto seu pai traçava um plano de vida para a filha, sempre pensando em fortalecer as raízes entre eles. Mas tudo isso mudou quando Gota (Mamoudou Athie), um integrante do povo da Água, apareceu.

Assim, à medida que Faísca e Gota vão se conhecendo, aquilo que parecia ser impossível inicialmente, acaba se transformando em uma jornada de autodescoberta que mostra para a jovem flamejante que, mesmo sendo opostos, os dois possuem mais coisas em comum do que ela imagina.

Elementos explora o romance entre dois personagens completamente opostos.

Olhando de fora, Elementos aparenta ser apenas uma simples comédia romântica da Pixar. A animação não deixa de ser isso, afinal diversos tropos do gênero estão presentes na narrativa, como a própria ideia de duas pessoas completamente diferentes se apaixonando e até mesmo aquele grande ato romântico final depois de um conflito que faz todos os corações emocionados suspirarem nas salas dos cinemas. É uma escolha narrativa que não deixa de acenar para grandes clássicos do romance hollywoodiano que seguem essa estrutura, como Mensagem Para Você (1998) ou Como Perder um Homem em 10 Dias (2003).

No entanto, por mais que a animação, em grande parte, siga por esse caminho, a dinâmica de Faísca com seu pai é o que mais encanta em Elementos. Carregada de simbolismos e analogias, a relação entre pai e filha emociona por conseguir transmitir ao público o choque de gerações tão distintas entre si, que possuem desejos e vontades completamente diferentes, mas que, no fundo, se o amor estiver presente em sua essência, o apoio e a parceria sempre vão prevalecer.

Novo filme da Pixar faz uma metáfora sobre a experiência de imigrantes no mundo.

Dessa forma, acompanhamos experiências universais ganhando a tela, como o medo de desapontar os pais por querer seguir um rumo diferente do que que eles pensaram e a vontade de provar que somos capazes de seguir os nossos próprios sonhos, viver as nossas próprias histórias. É nesses momentos que Elementos consegue gerar uma sensação de identificação, mesmo que não seja o melhor trabalho da Pixar dos últimos anos.

Assim, através das dúvidas e dos desejos de Faísca, conseguimos enxergar uma parte de nós mesmos e da realidade ao nosso redor, principalmente no que diz respeito à questão imigratória. Desde os primeiros segundos da animação, é nítido que aquilo não é apenas uma simples história sobre dois jovens em polos opostos que, eventualmente, apaixonam-se um pelo outro. É claro que o romance é fundamental para impulsionar a jornada de autodescoberta da protagonista, mas não dá para deixar de lado toda a metáfora que permeia a narrativa: a coexistência de culturas distintas e como as pessoas se comportam diante dessa realidade.

Tudo é uma escolha

Se, por um lado, Elementos consegue apresentar um universo com analogias interessantes, a execução dessa narrativa, no final das contas, passa a sensação de que o estúdio que, certa vez, entregou histórias como Procurando Nemo (2003) e Os Incríveis (2004), simplesmente não soube o que fazer com o que tinha em mãos.

Elementos está longe de ser tão decepcionante quanto Lightyear (2022), mas parece que, desde o sucesso de Divertida Mente (2015), a Pixar caiu em uma espiral de reciclagem de premissas e péssimas escolhas que conseguem enfraquecer até a melhor das ideias. Aconteceu isso com Red: Crescer É uma Fera (2022) e até no singelo Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica (2022), duas animações que exploram boas temáticas, mas que acabam se perdendo naquilo que se propuseram a abordar.

Apesar de contar com visuais impressionantes, Elementos perde o foco em diversos momentos.

Talvez seja essa excessiva repetição de fórmulas que atrapalhe o desenvolvimento de Elementos, uma animação que quer falar de tudo ao mesmo tempo, mas que não consegue ter coragem o suficiente para sair da superfície. E não é o caso de exigir demais do público-alvo, até porque a Pixar vem explorando questões psicológicas e premissas mais densas há uns bons anos para também captar a atenção de adultos.

O problema é que a metáfora que Elementos faz sobre a experiência imigratória não é consistente o bastante para chegar ao nível de produções como Divertida Mente ou até mesmo Soul (2020), duas obras que sabem aproveitar a sutileza de suas premissas para atingir seus respectivos objetivos. Não é isso que acontece com a história criada e dirigida por Peter Sohn (O Bom Dinossauro) porque a animação não consegue estabelecer uma união entre as abordagens apresentadas na narrativa. Em determinados momentos, parece até que estamos assistindo a filmes completamente diferentes.

Nem mesmo a relação entre Faísca e Gota acaba saindo ilesa disso. Por mais que seja divertido ver como a animação explora os extremos entre fogo e água, a falta de foco da narrativa acaba atrapalhando o desenvolvimento do romance, que se entrelaça com a tentativa de resolver um conflito que, honestamente, estava fadado a ser tratado com superficialidade desde o início.

Elementos não consegue sustentar as metáforas e simbologias que se propõe a tratar.

A sensação amarga aumenta quando você lembra que a Disney já conseguiu trabalhar temas que aparecem em Elementos de um jeito muito mais interessante, como fez em Zootopia (2016), por exemplo. Não dá para não notar que há semelhanças entre os dois projetos – até mesmo a atmosfera da cidade Elemento lembra o que vemos em Zootopia – o que acaba deixando a animação da Pixar ainda mais simplória (nesse caso, Zootopia parece fazer mais parte do catálogo do estúdio do que Elementos).

Em vista disso, mesmo com todo o impressionante trabalho visual, a história de uma cidade habitada por elementos da natureza poderia ter sido bem mais do que de fato foi, especialmente se levarmos em consideração animações como Pinóquio de Guillermo Del Toro (2022) e Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (2023) e a maneira como ambas exploraram histórias tão clássicas e populares de um jeito inovador. Em Elementos, a execução truncada da narrativa desperdiça a oportunidade de explorar a riqueza que sustenta esse universo, já que opta por apenas passar a imagem de que se importa com sua premissa ao invés de realmente fazer isso.

Sendo assim, Elementos vai arrancar uns sorrisos seus aqui e acolá, e a maneira como a jornada pessoal de Faísca vai crescendo na narrativa emociona quando ela vem acompanhada da questão familiar. Mas o conjunto da obra não consegue sustentar aquilo que tenta transmitir ao público. Afinal, tudo é uma questão de escolha, e a Pixar deixou de ser mestre nisso há um bom tempo.

Elementos está em cartaz nos cinemas brasileiros.

Aproveite também: