Crítica: Black Mirror, 6º temporada

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Crítica: Black Mirror, 6º temporada

Por Leo Gravena

Black Mirror está de volta. Um dos maiores sucessos da Netflix, a série de origem britânica criada por Charlie Brooker retorna quatro anos após sua última temporada, tendo estreado no streaming em 15 de junho. Quase que de surpresa, a série volta com cinco novos episódios, apostando em um tom pulp, mais divertido e, creio, propositalmente divisivo.

Ficha Técnica:

Título: Black Mirror – 6ª Temporada

 

Criação: Charlie Brooker

 

Ano: 2011

 

Emissora/Streaming: Netflix

 

Número de episódios: 5 (6ª temporada)

 

Sinopse: A tecnologia e o lado mais sombrio da natureza humana se misturam nesta série antológica excêntrica

6ª temporada de Black Mirror começa com o episódio mais divertido da série.

Tendo acompanhado a série desde o início e comprado a proposta de cara, algo que sempre me cativou em Black Mirror era que, mesmo episódios que não gostava, me lembrava daquela hora acompanhando aquele universo criado por Charlie Brooker, o principal roteirista e produtor da série que escreveu todos os episódios da temporada sozinho, exceto “Demônio 79”, com quem divide os créditos com Bisha K. Ali.

Fosse o “episódio das bicicletas”, “o do natal” ou o excelente San Junipero. Cada capítulo há aqueles que gostam, os que não gostam, mas sempre é possível se lembrar de qual episódio alguém está falando sobre quando você conversa com outras pessoas sobre a série; algo que pouquíssimas produções feitas para o streaming e TV conseguem fazer hoje em dia.

Claro, o formato da produção – no qual cada episódio funciona em um universo próprio e traz diferentes personagens, abordagens em relação à tecnologia e atmosferas – ajuda bastante, mas ainda é um mérito que Black Mirror pode clamar como seu. Isso, claro, até a esquecível e insossa quinta temporada.

Tirando “o episódio da Miley Cyrus” (o terceiro e último da temporada, “Rachel, Jack and Ashley Too”) que verdadeiramente acho interessante, os outros dois simplesmente não são memoráveis o bastante para se segurarem sozinhos. Seja por interferência de executivos e algoritmos da Netflix ou não, temos que combinar que o quinto ano de Black Mirror foi ruim.

Tendo refletido sobre os erros e os acertos da quinta temporada, vendo o mundo passar por uma pandemia e lidando com diversas questões políticas relacionadas à tecnologia nos últimos anos, Charlie Brooker voltou mais maduro, deixando de lado o tom altivo que marcou a série após sua segunda temporada e decidindo focar em histórias marcantes – usando a tecnologia apenas como um pontapé inicial.

“Loch Henry” traz atuações excelentes em uma história que critica a onda de true crimes e o peso na vida das vítimas.

“Como você se importa com uma distopia quando já vivemos em uma?” Esse foi um questionamento que circulou bastante nos últimos anos, não apenas em relação à Black Mirror como também sobre outras produções. E o que vemos nessa sexta temporada é uma resposta a isso: não é de hoje que temos acesso a tecnologia e não é de hoje que pessoas a utilizam de forma errônea.

Através do olhar contemporâneo sobre a realidade tecnológica em que vivemos, é fácil esquecer o quão importantes invenções que hoje parecem simples, como o refrigerador doméstico, foram para a história da humanidade. Ao explorar a corrida espacial, o fenômeno de como tanto o true crime quanto as revistas de fofocas e os paparazzi alimentam o sofrimento alheio, Brooker volta a deixar claro para o espectador que a tecnologia não é o problema.

No geral, a sexta temporada traz uma coesão muito boa entre seus cinco episódios. Cada um é um curta diferente e uma história totalmente separada, mas dessa vez temos temáticas que os ligam como se essas fossem breves histórias pulp, completamente absurdas e exageradas, mas que exemplificam bem comportamentos da sociedade. Talvez, a autoindulgência do autor continue lá, mas dessa vez com outra pegada.

Black Mirror assume que deixou de ser “apenas” uma série e, nesse novo ano, Brooker olha para sua própria obra e a transforma em um conto de fadas para a geração atual. Todas as tramas trazem exemplos simples de “contos cautelosos” que nos avisam sobre os perigos do mundo e que já vimos em milhares de outras obras de arte.

Seja o “cuidado com o que você deseja”, “não há nada mais perigoso que um homem que perdeu tudo” ou o clássico “não fale com estranhos na floresta”. O que temos aqui é quase que uma releitura de temas muito simples, que são elevados pelo roteiro e elenco que sabe muito bem fazer você se importar com os personagens que acompanhamos em cada hora diferente da produção.

Mesmo não tendo como foco a tecnologia futurista e diferenciada que acompanhamos em boa parte da série até esse momento, é interessante como Brooker se utiliza de elementos e estéticas dos anos 60, 70 e 2000 para contar histórias ainda mais chocantes. Se todos os universos paralelos da série são possíveis, porque não um em que seres sobrenaturais também existem?

O maior destaque de “Beyond de Sea” são os seus ótimos atores.

“Mazey Day”, o quarto episódio da temporada, é certamente o mais divisivo entre os espectadores e traz uma grande reviravolta nos momentos finais, mas antes disso Brooker pinta um retrato muito diferente do que os algoritmos dos streamings e grandes estúdios querem que você pense sobre essas décadas passadas.

A série inclusive faz uma excelente jornada que, em minhas teorias, definem um comentário muito sólido e importante sobre a produção para TV e streaming atualmente. Claro, as produções que vemos – o famoso “conteúdo” – não são escritas por Inteligências Artificiais, mas ao adaptar e mudar tantas vezes seu roteiro tendo como base algoritmos para fazer com que todos gostem de um filme, minissérie ou série, o que acaba surgindo são várias obras semelhantes e iguais.

Se algo é feito para agradar todos os espectadores em um nível mundial, uma obra realmente pode ser boa? É questionando isso que temos o primeiro episódio da temporada, “A Joan é Péssima”, em que acompanhamos Annie Murphy como uma mulher que descobre que sua vida foi adaptada para uma série de streaming, onde é interpretada por Salma Hayek.

Com uma crítica nem um pouco sutil aos streamings e o processo de usar algoritmos para fazer com que mais “conteúdo” seja consumido pelo máximo de pessoas ao redor do globo, Brooker faz um dos episódios mais divertidos e engraçados da série, já mostrando desde o início a mudança no tom desta temporada e usando do absurdo para mostrar como grandes companhias possuem controle ilimitado sobre tudo aquilo que assistimos.

Já o segundo episódio, ”Loch Henry”, é uma excelente história clássica da série, lembrando o espectador que o tema principal de Black Mirror nunca foi sobre como “a tecnologia é ruim”, mas sim como ela pode ser usada para fins perigosos e muitas vezes macabros, além de trazer um bom debate sobre exposição das vítimas e a necessidade de revisitar crimes sombrios com o sucesso de programas de True Crime.

“Beyond the Sea”, estrelado por Aaron Paul, Josh Hartnett e Kate Mara tem tudo para se tornar um dos favoritos da série e talvez até fique com a fama de “o melhor episódio da temporada” entre muitos. É nele que Brooker mostra todos os caminhos alternativos que a história pode tomar. Usando a corrida espacial como pano de fundo, o episódio nos lembra que mesmo com tecnologias diferentes – não para criar corpos robóticos funcionais, mas você entendeu – o ser humano continua o mesmo.

O episódio entrega diversos momentos em que Paul e Mara mostram todo o alcance de suas atuações, que certamente serão lembradas; mas todo o elenco está excelente em seus respectivos episódios: Hayek está fenomenal como uma versão caricata de si mesma, enquanto Annie Murphy rouba a cena como a absolutamente comum Joan. Samuel Blenkin, de Peaky Blinders, traz uma atuação sutil e tão boa no segundo episódio que é impossível não sentir a emoção do personagem, enquanto Anjana Vasan e Paapa Essiedu estão adoravelmente carismáticos como a dupla de “Demônio 79”.

E então temos “Mazey Day”. Após pedir que o espectador se importe com uma realidade criada por inteligência artificial, fique intrigado com um assassino em série de décadas atrás e acompanhe dois astronautas dividindo um corpo na Terra, temos a história de uma paparazzi interpretada por Zazie Beetz que precisa tirar uma foto de uma jovem atriz reclusa.

“Mazey Day” já é considerado por muitos um dos piores episódios da série.

Atualmente um dos episódios mais mal avaliados da série no IMDB, Mazey Day traz uma abordagem muito interessante a um fator esquecido dos anos 90: o fenômeno das revistas de fofoca e os paparazzi. Claro que podemos achar caricata a representação dos fotógrafos de celebridades na trama (e em muitos momentos ela é), mas com importantes figuras da cultura pop tendo alternações com esses profissionais, é fácil compreender de onde vem essa visão – que não está tão distante da realidade assim.

Junto de Beyond the Sea e Demônio 79, Mazey Day vai quebrando essa ilusão de nostalgia que Stranger Things e outras obras semelhantes alavancaram nos últimos anos – pois é, os anos 70 não eram tão legais assim. Justamente após fazer sua temporada mais sem graça, Charlie Brooker retorna com uma leva de episódios que, gostando ou não, você irá se lembrar.

“Demônio 79”, o quinto e último episódio do novo ano é um dos mais políticos da série e, assim como “The Waldo Moment” da segunda temporada, aposta em uma história permeada na manipulação da população para eleger líderes carismáticos e populares, que também são racistas e potencialmente fascistas. Além disso, acompanhamos uma jovem nos anos 70 sendo influenciada por um demônio para matar pessoas.

Fazendo referências a thrillers britânicos clássicos e atacando políticas atuais, Brooker conta uma história divertida e que traz elementos visuais de outros episódios da série sem nunca se ancorar nisso para fazer com que o espectador se conecte com a história de Nida, interpretada pela ótima Anjana Vasan, que consegue carregar muito bem todos os momentos da trama, que passa rapidamente do hilário absurdo para o dramático.

O episódio, o meu favorito da nova leva, também não agradou boa parte do público, seja pelos elementos sobrenaturais ou o tom otimista da história. Mas assim como Mazey Day, ele certamente será marcante até para quem não gostou, e também para quem apenas assistiu a nova temporada sem analisar essas questões de forma mais profunda. Black Mirror voltou, e dessa vez, voltou de verdade.

Demônio 79 mostra uma jovem comum que precisa matar três pessoas para salvar o mundo.

A sexta temporada de Black Mirror é um momento que deve definir o futuro da série. Com dois episódios trazendo elementos sobrenaturais, o que aparentemente não agradou parte dos espectadores das temporadas anteriores, Brooker faz uma crítica certeira a maneira como tudo agora precisa ser uma “série de prestígio” para o streaming, propositalmente surpreendendo o espectador de maneiras mirabolantes ao contar contos cautelares que todos já ouvimos falar, mas com uma roupagem diferente.

E talvez, no momento em que estamos, é exatamente desse pequeno choque de realidade que o espectador de Black Mirror precisa. Com tantas opções disponíveis, é bom lembrar que nem tudo precisa ser perfeito e que está tudo bem não gostar de algo, afinal, nem toda obra foi feita especificamente para você. Algumas vezes uma história é apenas uma história, e seus pequenos defeitos humanos é o que a tornam digna de ser vista e ouvida.

Nota: 4/5

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