Crítica – As Marvels subestima suas protagonistas com fórmula artificial do MCU

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Crítica – As Marvels subestima suas protagonistas com fórmula artificial do MCU

Por Jaqueline Sousa

Existe uma áurea de pretensão ao redor do Marvel Studios que vem prejudicando suas produções, seja os filmes ou aquilo que eles chamam de séries de TV, desde que Kevin Feige descobriu que pode lucrar com grandes eventos “cinematográficos”. Esta última palavra vem entre aspas justamente porque há muito o Universo Cinematográfico da Marvel, depois de mais de 30 longas-metragens lançados, vem perdendo a força que (cruelmente) domina as salas de cinemas do mundo todo. Tudo se tornou tão medíocre que o resultado encontrado em As Marvels não poderia ser mais previsível.

Novo lançamento do MCU nas telonas, o filme dirigido por Nia DaCosta (A Lenda de Candyman) é a prova do porquê a fórmula sufocante de Kevin Feige continua entregando cada vez mais produções patéticas, desconjuntadas e completamente artificiais, que desaparecem da sua memória no instante em que você pisa os pés para fora da sala de cinema. Não por incompetência da equipe ou do elenco que impulsionam essa narrativa, mas porque a mão que move a marionete não consegue admitir a derrota.

Ficha técnica

Título: As Marvels

 

Direção: Nia DaCosta

 

Roteiro: Nia DaCosta, Megan McDonnell e Elissa Karasik

 

Data de lançamento: 9 de novembro de 2023

 

País de origem: Estados Unidos da América

 

Duração: 1h 45min

 

Sinopse: Carol Danvers, vulgo Capitã Marvel, recuperou sua identidade da tirania dos Kree e se vingou da Inteligência Suprema. No entanto, consequências não intencionais fazem com que Carol assuma o fardo de um universo desestabilizado. Quando suas obrigações levam Carol até uma fenda espacial anômala ligada a um revolucionário Kree, seus poderes se entrelaçam aos de Kamala Khan, uma super fã de Jersey City, vulgo Ms. Marvel, e aos da sobrinha de Carol, atual astronauta da S.A.B.E.R., a Capitã Monica Rambeau. Juntas, esse trio improvável precisará se unir e aprender a trabalhar em conjunto para salvar o universo como As Marvels.

Pôster de As Marvels.

Mais alto, mais longe, mais veloz (mas depende)

Como uma das heroínas mais poderosas do MCU, a Capitã Marvel (Brie Larson), ou Carol Danvers para os íntimos, já enfrentou tudo e mais um pouco voando entre galáxias – exércitos grandiosos, estalos de dedos fulminantes, uma inteligência artificial tirânica e até mesmo um casamento por conveniência.

Mas é claro que há sempre uma nova ameaça à vista. O problema é que, desta vez, ela vem como uma consequência de suas próprias ações depois que a heroína entra em contato com uma fenda espacial anômala, um pequeno gesto que faz com que seus poderes se entrelacem com os da espirituosa Kamala Khan (Iman Vellani) e os de Monica Rambeau (Teyonah Parris), uma velha conhecida que, além de ajudar a Capitã em mais uma tarefa mortal, vai mostrar para ela qual é o verdadeiro significado de família.

As Marvels reúne Carol Danvers (Brie Larson), Kamala Khan (Iman Vellani) e Monica Rambeau (Teyonah Parris) em aventura cósmica.

Quando Capitã Marvel (2019) estreou nos cinemas, muito se esperava daquele que seria o primeiro filme do MCU protagonizado por uma heroína. Agarrando com unhas e dentes a expressão “antes tarde do que nunca”, o Marvel Studios demorou mais de 10 anos para colocar uma mulher no centro dos holofotes, algo feito de maneira “apressada” para tentar se firmar diante das exigências de uma indústria pós movimento Me Too.

Junte isso à cena deplorável de Vingadores: Ultimato (2019), que estreou nos cinemas pouco tempo depois, onde grandes heroínas do estúdio se reúnem em uma sequência de poucos segundos que exala um falso girl power, e não fica difícil de entender porque uma figura tão poderosa quanto a Capitã Marvel continua recebendo menos atenção do que um Homem-Formiga.

As Marvels poderia, então, agir como uma espécie de “reviravolta” na maneira como a Marvel vem encarando o feminismo desde que passou a usá-lo como pauta. O terreno parecia propício para isso: diferente de Capitã Marvel, que apesar de contar com a diretora Anna Boden ainda tinha o nome de Ryan Fleck atrelado à direção, a sequência tem apenas Nia DaCosta na função, cineasta que vem ganhando cada vez mais destaque em Hollywood após seu trabalho em A Lenda de Candyman (2021). Além disso, o trio de protagonistas – Carol, Monica e Kamala – também parecia estar em sintonia o bastante para reverter essa imagem pedante.

As Marvels não consegue sair da mesmice enfadonha que vem acometendo o MCU.

Bem, não é exatamente isso que acontece. Embora não se preocupe muito em dar espaço de tela para grandiosas participações especiais (ao contrário da grande maioria de produções do MCU) ou abrir portas para o grande vem aí de Feige, o filme é a prova de como a fórmula Marvel chegou a um esgotamento tão grande que nem mesmo o parque de diversões que vinha sustentando o estúdio nos últimos anos anda garantindo bons resultados.

Apesar de As Marvels não se apoiar em imagens forçadas de empoderamento feminino, tratando a união que cresce entre o trio de maneira natural, o trabalho de Nia DaCosta é tão apagado pela mão invisível de Kevin Feige que a obra acaba se transformando em mais um projeto artificial e milimetricamente calculado para se encaixar no padrão Marvel. É como se a diretora, que também assina o roteiro do longa ao lado de Megan McDonnell (WandaVision) e Elissa Karasik (Loki), tivesse seu ofício limitado pelas fórmulas desgastadas do estúdio, algo que também acometeu Sam Raimi em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022).

Filme subestima suas protagonistas em prol de fórmulas artificiais do MCU.

A diferença entre as duas abordagens é que, diferente de DaCosta, Raimi recebeu uma licença criativa à parte para deixar sua marca na sequência de Doutor Estranho, usando toda a sua experiência no terror para comandar cenas interessantes e inventivas, muitas delas focadas no lado sombrio da Feiticeira Escarlate (que por sua vez recebe um desenvolvimento bem melhor do que o da relação entre Carol e Monica em As Marvels, por exemplo).

É por isso que Multiverso da Loucura talvez seja o último lançamento do MCU que conseguiu sair da bolha opressiva do estúdio com um pequeno êxito, uma oportunidade que James Gunn e Taika Waititi, dois dos diretores que mais possuem liberdade criativa na franquia, não aproveitaram com o enfadonho Guardiões da Galáxia Vol. 3 (2023) e o vergonhoso Thor: Amor e Trovão (2022), respectivamente.

Novo filme, os mesmos erros

É claro que toda a questão envolvendo As Marvels, com sua baixa expectativa de bilheteria e a problemática crise que o MCU enfrenta no momento, é mais profunda do que apenas um “desinteresse” generalizado de um público que está cansado desse mar de mesmice, ou por ele ser mais uma vítima dos padrões repetitivos da franquia. Também há muita misoginia e machismo nessa equação, algo que Brie Larson, o rosto por trás da primeira heroína do MCU a ganhar um filme só seu, segue enfrentando desde que o primeiro filme da Capitã Marvel foi anunciado, em meio a promessas falsas de que as heroínas ganhariam o devido respeito que merecem no MCU.

As coisas avançaram – afinal, As Marvels está aí nos cinemas – mas isso não significa que um grande salto foi dado. Como a sequência escancara, as heroínas do MCU continuam sendo subestimadas em suas próprias histórias, sem espaço para se desenvolverem além do que um instinto mercadológico disfarçado de girl power dita. Mesmo que o filme de Nia DaCosta seja, de longe, a produção que mais age com naturalidade diante do assunto (algo que demonstra a importância de se ter mulheres contando histórias de outras mulheres), ainda é um passo pequeno para uma franquia que já está na ativa há quase duas décadas.

Iman Vellani se destaca como Kamala Khan em meio a uma trama caótica.

Mas nem tudo é um grande desastre em As Marvels. Enquanto DaCosta garante que a narrativa pelo menos encontre o mínimo de coerência visual em meio a um roteiro que não sabe muito bem para onde quer ir, o carisma de Iman Vellani, com suas reações espirituosas e uma imaginação ilimitada, conquistam sua atenção do início ao fim em meio ao caos.

Através dos sonhos da garota de Jersey City, a jornada de Vellani vai ganhando um brilho próprio, principalmente devido ao entusiasmo com que a intérprete da Ms. Marvel abraça o papel. Ao lado de Teyonah Parris e Brie Larson, a atriz impulsiona discussões sobre família e heroísmo, apesar de nenhuma delas ganhar força à medida que o enredo avança.

Contudo, carisma não é o suficiente para segurar um filme com quase duas horas de duração. Por mais que As Marvels tenha um momento aqui ou acolá mais espirituoso, o humor costumeiro (e enfadonho) do estúdio, os efeitos visuais deploráveis e uma trama tão picotada que chega a ser sofrível acompanhá-la transformam a sequência de Capitã Marvel em uma produção que apenas tenta entregar algo diferente, mas que acaba andando em círculos com mais uma história completamente esquecível que ao invés de elevar suas protagonistas, apenas as subestima.

Nota: 2/5.

As Marvels está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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