Crítica – A Morte do Demônio: A Ascensão oferece uma degustação do grande problema do cinema atual

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Crítica – A Morte do Demônio: A Ascensão oferece uma degustação do grande problema do cinema atual

Por Gus Fiaux

Uma das franquias de terror mais cultuadas de todos os tempos, Evil Dead (ou Uma Noite Alucinante, se preferir) está de volta com seu mais novo lançamento, A Morte do Demônio: A Ascensão. Aqui, seguimos a história de duas irmãs cujas vidas são definitivamente destruídas pelo ressurgimento do Necronomicon.

Com direção e roteiro de Lee Cronin (de The Hole in the Ground), o novo filme traz Alyssa Sutherland e Lily Sullivan nos papéis principais, ao mesmo tempo em que troca o bosque escondido na floresta por um condomínio no coração de Los Angeles. Mas será que há algo de bom no novo filme ou a franquia devia permanecer, como o seu livro dos mortos, escondida para sempre? Já conferimos o filme e aqui você pode ler a nossa crítica!

Ficha Técnica

Título: A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise)

 

Direção e roteiro: Lee Cronin

 

Data de lançamento: 20 de abril de 2023 (Brasil)

 

País de origem: Estados Unidos

 

Duração: 1h 37min

 

Sinopse: Beth visita sua irmã mais velha, Ellie, que cria três filhos em um apertado apartamento em Los Angeles. A reunião é interrompida quando elas encontram um livro demoníaco capaz de invocar seres das profundezas, o Necronomicon Ex-Mortis.

A Morte do Demônio: A Ascensão está em cartaz nos cinemas.

A Morte do Demônio: A Ascensão de uma nova era para a franquia

No começo da década de 80, um grupo de malucos amigos se reuniu nos cafundós do Tennessee para rodar um filme com um orçamento de US$ 375 mil – o equivalente, ao menos na indústria cinematográfica, ao troco que você leva toda vez que paga uma passagem de ônibus. Ainda assim, a criatividade e a coragem desimpedida de Sam Raimi e cia. fizeram com que Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio se tornasse um clássico absoluto do terror.

Agora, mais de quarenta anos depois do lançamento do original – perpassando o espaço de tempo de duas sequências insanas, um reboot intenso, uma série de TV alucinada e alguns jogos – chega aos cinemas A Morte do Demônio: A Ascensão, o quinto capítulo cinematográfico da saga, que promete nos levar em uma nova direção. Dessa vez, a cabana foi esquecida no churrasco e o que importa é a mitologia do Neconomicon Ex-Mortis.

Com direção e roteiro de Lee Cronin (do morno The Hole in the Ground), o filme conta a história de Beth, técnica de equipamento para uma banda, que decide visitar sua irmã Ellie, uma mãe solo que vive com seus três filhos num prédio caindo aos pedaços em uma área periférica de Los Angeles. O encontro, apesar de amigável, é cheio de tensão e culmina em uma carnificina quando o tal livro entre em cena e o sangue começa a transbordar da tela.

Alyssa Sutherland é o coração de A Morte do Demônio: A Ascensão.

Veja bem, uma coisa que une todas as propriedades de Evil Dead até o momento é a engenhosidade e a criatividade de seus criadores. De Sam Raimi Fede Álvarez (diretor do reboot de 2013), os filmes variaram em tom, enredo e até mesmo gênero cinematográfico, mas sempre saímos sorridentes da sala de cinema com a certeza de que vários artistas se uniram para pegar as ideias mais doidas – e imbecis – de suas cabeças e transformaram em realidade.

A Ascensão, desde sua produção e campanha de marketing, quer muito lembrar aos fãs que o filme não apenas se passa no mesmo universo de seus antecessores, como também segue à risca o legado deixado por quem veio antes… mas no fim das contas, não é bem assim, uma vez que o roteiro de Cronin não consegue dar vazão à loucura e os vícios inerentes de um universo tão rico e, ainda assim, tão delimitado.

O filme de 2023 não tem nada extremamente ruim ou grotesco – ao menos, não no que diz respeito à sua qualidade. Pelo contrário, dá para perceber que a empreitada vem carregada de muitas boas intenções e a meta, ao menos pelo que podemos captar pelas entrevistas do elenco e dos produtores, é que o filme sirva como um pontapé para que as histórias da saga retornem com tudo, sem deixar de apelar para um público já versado na bagaceira.

Novo filme da franquia abandona os amigos na cabana e parte para uma trama de tensão familiar.

Porém, o filme peca exatamente por sempre ficar à sombra de seus anteriores em tudo que se propõe. Ele não traz a carnificina do original e do remake de 2013, e nem vai longe o bastante na comédia para se equiparar a Uma Noite Alucinante II III. Também deixada às moscas está toda a falta de vergonha da franquia, que nunca tentou se esquivar dos rótulos de “trash” e “bobalhona“, ainda que os filmes em si estejam bem longes de ser trash ou bobos.

Há um esforço nítido e considerável por parte do elenco para tornar os personagens em algo mais do que carne para o abate – tanto que Alyssa Sutherland é o coração da trama, desde seus momentos como uma mãe gentil e doce à reviravolta que a coloca como um deadite – um monstro desalmado e boca-suja que está pronto para condenar todos ao seu redor a uma temporada de férias no inferno.

O elenco infanto-juvenil também se destaca, com Morgan DaviesGabrielle Echols Nell Fisher dando vida ao trio de irmãos (e filhos de Ellie) Danny, Bridget e Kassie. No entanto, o enredo escancara sua falta de direção ao desviar todo o foco para a Beth de Lily Sullivan. Por mais que a atriz se esforce, a protagonista não é intrigante o suficiente para carregar o filme nas costas, especialmente quando desvia a atenção de Ellie e seus filhos – e também é um tanto quanto decepcionante que Beth nunca tenha a chance de surtar como Ash Williams surtou aos montes.

Lily Sullivan se esforça, mas o roteiro não dá espaço para Beth crescer como protagonista e como personagem.

Muito orçamento, pouca ousadia

O que acaba se percebendo em A Morte do Demônio: A Ascensão é o sintoma de um problema maior e que está afligindo Hollywood com muita intensidade nas últimas décadas. O advento da fotografia digital, bem como as novas tecnologias no ramo de efeitos visuais e pós-produção permite que os artistas tenham recursos ilimitados bem diante de suas mãos – ao menos, bem mais ilimitados do que Sam Raimi tinha em 1900 e guaraná com rolha.

Ainda assim, falta um respingo de ousadia, um interesse em provocar no público algo que vá além dos sorrisos e gritos alucinados toda vez que algo “nostálgico” é posto em tela. O cinema independente sempre cumpriu um papel de resistência contra a mídia higienizada de Hollywood – e nisso, o terror sempre foi um terreno fértil, já que os criadores não tem medo de mergulhar seu público em pesadelos vivos. Mas na era das “propriedades intelectuais” e “conteúdos” em vez de peças artísticas, há uma limitação quase penitente contra aquele que “ir longe demais”.

O resultado são filmes cada vez mais mornos, que mesmo dando sequência a franquias conhecidas por sua ousadia, não conseguem oferecer um argumento satisfatório e sobrevivem à base das migalhas de nostalgia e clamor pelo que veio antes. E embora A Ascensão não seja um grande fracasso enquanto obra audiovisual, certamente não está no mesmo patamar que qualquer capítulo anterior de Uma Noite Alucinante/A Morte do Demônio. 

Apesar de boas ideias, A Ascensão não arranha a superfície do que tornou a franquia tão memorável.

No entanto, a ideia de continuar a saga com novos diretores, sempre fazendo obras contidas dentro de si, mas unidas pela mitologia em torno do Necronomicon e dos deadites é um sopro de ar fresco e nos dá esperanças de que, talvez, os próximos sejam melhores. Talvez A Ascensão seja um capítulo propositalmente “fraco” só para testar a reação do público e, então, entregar o volume de gore, absurdo e sandice que esperamos ver daqui para frente.

Ou talvez seja apenas uma amostra grátis do que está por vir, com um cinema cada vez mais careta, conservador e covarde.

Ainda que A Morte do Demônio: A Ascensão entregue ideias boas – o grande “monstro” do final é um pesadelo tomando forma bem na nossa frente -, falta a Lee Cronin a coragem e a criatividade para criar um capítulo icônico e memorável. Ter saído da cabana foi uma boa decisão e trouxe um respiro para a saga, mas talvez, da próxima vez, seria bom não deixar o espírito alucinante de Evil Dead ser suprimido por um filme que tenta ir longe, mas nunca longe o bastante.

Nota: 2,5/5

A Morte do Demônio: A Ascensão está em cartaz nos cinemas.

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