Chocante e Sangrento: A evolução do Gore no cinema e os filmes mais impactantes de cada década
Chocante e Sangrento: A evolução do Gore no cinema e os filmes mais impactantes de cada década
“O sangue escorre com gosto”
O ser humano possui uma curiosidade mórbida sobre a própria mortalidade. O fascínio com os zumbis de The Last of Us e a popular e nada convencional Família Addams em Wandinha são uma prova clara disso. Mas, entre o horror da morte e o fim da vida, existe um controverso subgênero nos cinemas que divide os cinéfilos: o gore.
“Gore” (ou Sangrar em tradução literal) diz respeito a um subgênero do horror que, como o youtuber Getro diria, “faz o sangue escorrer com gosto”. Aqui, história e narrativa dão espaço para carne despedaçada e sangue na tela. De certa forma, os diretores desse movimento fazem com que o horror da mortalidade se transforme no fascínio de quanta dor o ser humano pode sentir.
De Mártires até A Serbian Film, esse subgênero é conhecido pelos filmes internacionalmente proibidos. Produções tão impactantes que foram capazes de fazer seus diretores precisarem confirmar que seu elenco estava “são e salvo”. Mas, enquanto apontamos o dedo para a violência no horror, a verdade é que a curiosidade ao redor do corpo e da morte percorre diversos aspectos da vida humana.
Um banquete sangrento
De 1895, The Execution of Mary, Queen of Scots é o primeiro filme a apresentar violência explícita em tela. Nele, vemos Mary, a Rainha da Escócia, sendo decapitada. A produção em preto e branco falha em trazer qualquer tipo de sangue, mas dá uma resposta à pergunta: Como é uma execução por decapitação?
Nela, vemos Mary se ajoelhando em frente ao seu executor. Em um corte seco, uma boneca toma o lugar da atriz e a cabeça rola pelo chão. Para os dias de hoje, The Execution of Mary, Queen of Scots é apenas uma fração do que diretores podem fazer nas telas do cinemas.
Anos 60, Banquete de Sangue
Em 1963, o diretor Herschel Gordon Lewis mostraria o que o homem e o cinema podem ser capazes de fazer. Com Banquete de Sangue, o diretor consagrou o “padrinho do gore”. Na história, um reconhecido cozinheiro, Fuad Ramses, decide homenagear uma deusa egípcia cozinhando órgãos humanos de garotas virgens.
Mesmo para a época, Banquete de Sangue ainda consegue tirar suspiros de nojo e aflição do público. Não apenas pelos efeitos visuais que conseguem sustentar todos os atos de violência de Ramses, mas pela imaginação do diretor.
Mais tarde, algumas produções seguiram o mesmo caminho de Herschel. George Romero foi um dos nomes mais proeminentes do gênero, não pelo conteúdo de seus filmes, mas por ter criado o termo “splatter” para descrever seu filme, O Despertar dos Mortos, de 1979.
“Splatter” (Espirrar em tradução literal) se tornou um sinônimo de gore, se referindo ao desnecessário e exagerado sangue correndo na tela em cada morte. Para alguns, tudo isso é, no mínimo, um absurdo, explorar a violência em todos os seus detalhes, despersonalizar o corpo humano e transformá-lo em objeto.
Tudo isso foi levado em consideração por movimentos conservadores da época, como é o caso da caça às bruxas aos video nasties no Reino Unido pela Associação Nacional de Espectadores e Ouvintes. Já para estudiosos, explorar esse lado tão perturbador da faceta humana é brincar com o “controle sobre a violência que existe em cada um de nós”.
“Nós nos perguntamos por que lemos tantos relatos de violência com tanto interesse. Eles estão todos ao nosso redor e, talvez escrever sobre eles, colocá-los em uma estrutura e na ordem de uma história, nos faça acreditar que temos algum controle sobre a violência que existe em cada um de nós”, explica a autora sul-africana, Sheila Kohler.
Anos 70, A Vingança de Jennifer
Mas, enquanto existe uma noção de controle para Sheila Kohler, também existe o “extravasamento”. A Vingança de Jennifer, filme de 1978 dirigido por Meir Zarchi é um dos principais exemplos disso. Aqui, a violência explícita vai além da despersonificação e é gerada por um indivíduo, uma mulher, que sofreu um abuso sexual.
Jennifer é atacada, espancada e violada repetidamente por um grupo de homens. Traumatizada e ferida, a mulher decide planejar a sua vingança. A Vingança de Jennifer é um círculo vicioso de violência, mas enquanto algumas produções do gore se debruçam apenas no horror da carne exposta, ele também brinca com o desejo de revidar.
Como a ideia de que todos podemos sucumbir a violência, basta as circunstâncias. Algo que o Coringa insiste em ensinar para o Batman em Piada Mortal. Mas entre exploração e extravasamento, até que ponto o “gore” deveria ser aceito?
Quão longe os “filmes extremos” deveriam ir?
Com o advento da tecnologia e o terror sendo o lugar certo para ser experimental, alguns diretores e produtores se dedicarem em atravessar a linha do “aceitável”. Entre tantos exemplos que fizeram o público pensar “Talvez isso seja demais”, a franquia japonesa Guinea Pig é o que se destaca.
Anos 80, Guinea Pig
Guinea Pig: Devil’s Experiment foi lançado em 1985 por Satoru Ogura e segue a história de três homens que abusam de uma mulher de diversas maneiras. Com o mínimo de história e um estilo de filmagem “found footage”, o longa rapidamente foi confundido com o gênero snuff — filmes que mostram mortes ou assassinatos reais de uma ou mais pessoas.
Mas foi Flowers of Flesh and Blood, segundo filme da franquia, que fez ainda mais sucesso com seu tom cru e selvagem. Com uma história parecida, a produção ficou famosa após Charlie Sheen assistir algumas cenas do longa na casa de um amigo. O conteúdo das cenas foram tão chocantes que o ator contactou as autoridades, acreditando que as mortes exibidas eram reais.
Anos 90, Das Komabrutale Duell
Ficar na linha entre a realidade e a ficção se tornou um objetivo para alguns diretores. Dentre eles, Heiko Fipper, responsável por Das Komabrutale Duell, de 1999. Assim como A Vingança de Jennifer, a história do filme de Heiko se baseia em fazer justiça com as próprias mãos. Aqui, o filho de um homem assassinado por um motorista bêbado inicia uma jornada atrás dos responsáveis.
Das Komabrutale Duell é sobre o quão cruel a humanidade pode ser. Para isso, usa e abusa do sangue espirrando na tela, mas também como seu protagonista pode se macabro. Mas, verdade, é que a produção que marcou o cinema gore de verdade era bem menos sangrenta e mais fictícia e absurda do que o trabalho de Heiko.
Anos 2000, Mártires
Em Mártires, temos o New French Extremity (Novo Extremismo Francês em tradução literal) no seu ápice. Dirigido por Pascal Laugier, temos uma brincadeira com a ideia de pós-vida. Aqui, duas jovens que foram vítimas de abuso quando crianças embarcam em uma sangrenta jornada de vingança, mas acabam envolvidas em um caminho obscuro.
O clímax da produção é o que mais choca o público, mas até chegar nele, há um extenso caminho de tortura física e psicológica. Todo o filme é uma grande cena desconfortável, que nos faz questionar: “Somos capazes disso?”. A fantasia de Mártires é o que consegue afastar o espectador da trama e da tortura, diferente de outro filme, lançado apenas dois anos depois: A Serbian Film – Terror Sem Limites.
Anos 2010, A Serbian Film
Para falar de gore e os limites da violência em tela, é necessário mencionar um dos filmes mais controversos do cinema, A Serbian Film. Lançado em 2010, o diretor Srdjan Spasojevic alegou que sua história não ia além de uma metáfora política sobre a situação do próprio país, a Sérvia. Porém, o conteúdo do filme foi tão extremo que o mesmo foi proibido em diversos países.
Nele, seguimos a história do ator pornô aposentado, Milos, que após enfrentar problemas financeiros, decide voltar à ativa. É então que aceita participar de um filme experimental. Assinando o contrato às escuras, o homem é forçado a participar de um projeto que inclui assassinato, pedofilia, necrofilia, tortura física e mental.
A Serbian Film foi descrita como a linha que não deve ser atravessada no gore. O seu tom extremo não se contenta com a violência “divertida” e sanguinária de produções como A Morte do Demônio, mas traz uma realidade crua que nos faz questionar a própria integridade do projeto.
E, se há ou não um “limite” para o gore, o curioso do subgênero é como ele é responsável por nos fazer questionar não apenas os diretores e suas vontades, mas também as nossas e as da humanidade. Retomando o pensamento de Sheila Kohler, talvez a grande questão não seja o “controle da violência”, mas o quanto dela estamos deixando escapar.
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