CCXP: Como diversidade de ilustradores no Artists’ Valley acontece na prática
CCXP: Como diversidade de ilustradores no Artists’ Valley acontece na prática
Artistas que participaram do Artists’ Valley de 2023 falam sobre aumento de diversidade no evento e maior recepção do público
Mais um ano está acabando, e a CCXP reuniu novamente uma grande variedade de ilustradores, quadrinistas e cartunistas no famoso Artists’ Valley, espaço do evento dedicado à exposição de trabalhos do universo artístico. Muita gente já passou pelas mesas do local, mas o que dizer sobre a diversidade de vozes na edição de 2023? A Legião dos Heróis conversou com artistas para saber como a representatividade dá as caras no evento que celebra a cultura pop no país.
É preciso ouvir
Seja por meio de Star Wars ou dos Vingadores, a cultura pop sempre foi um universo bastante excludente. Isso porque muitas histórias da ficção (e isso não acontece apenas no cinema) buscam atender um público majoritariamente masculino – aqui lê-se homem cisgênero, hétero e branco – que acaba refletindo o cenário mercadológico voltado para esse universo.
Basta olhar para um Luke Skywalker ou um Capitão América da vida para entender como as leis do universo nerd funcionam até os dias de hoje, mesmo que mudanças notáveis (apesar de caminhar a passos de tartaruga) venham acontecendo na cultura pop. Atualmente, filmes como As Marvels ou Pantera Negra, ambos integrantes do Universo Cinematográfico da Marvel, levam uma maior diversidade ao formato, aproximando públicos de grupos marginalizados que, embora o mercado tente apagar, certamente consomem o formato.
A ilustradora amapaense Thai Rodrigues (@osdesenhosdethai) acredita que é preciso existir uma mudança de mentalidade na área, até porque não é como se mulheres, por exemplo, não se interessassem por produções tidas equivocadamente como “masculinas”. “Tem tantas mulheres interessadas. Acho que falta as pessoas perderem esse olhar de que as mulheres não consomem ou produzem esse tipo de conteúdo”, ela diz.
Assim, o que falta, nesse caso, é espaços que deem voz à representatividade. “A gente precisa se sentir representado para se sentir ouvido”, diz Savana Cerrado (@dadanyelss), drag queen que participou da Artists’ Valley de 2023 com suas ilustrações que focam na arte drag e na vivência de pessoas negras. Como queer e integrante da comunidade LGBTQIA+, Savana acredita que a resposta para uma maior diversidade, em todos os âmbitos da cultura pop, inclusive na CCXP, é fazer com que vozes diferentes sejam ouvidas.
É assim que mais espaços vão sendo criados para que artistas de grupos marginalizados também conquistem visibilidade na área. A Artists’ Valley deste ano, por exemplo, contou com mais de 500 artistas no local, aproveitando a oportunidade para dar voz à diversidade ao incluir mais mulheres, mais pessoas LGBTQIA+ e mais negros.
Mário César (@mas_que_mario), quadrinista e organizador da POC CON, percebeu uma mudança na recepção de artistas da comunidade queer, por exemplo. O ilustrador, que participa da CCXP desde a primeira edição e já foi duas vezes finalista do prêmio Jabuti, diz que houve uma mudança notável na relação do público com esses artistas, apesar de ainda vivermos em um país bastante conservador.
“Eu vejo que é muito melhor para pessoas LGBTQIA+, como eu”, Mário César diz sobre o aumento da diversidade no evento. “Com o passar dos anos, eu vejo que há mais artistas da comunidade no Artists’ Valley […] Essas questões estão sendo cada vez mais debatidas e as informações vão chegando [às pessoas]. Mas ainda vivemos em um país que é muito conservador e extremamente hostil para pessoas LGBTQIA+. Aqui [Artists’ Valley] é quase uma bolha.”
O futuro pode ser diferente
As mudanças existem, mas ainda há um longo caminho para se percorrer. Na visão do ilustrador e quadrinista Rodrigo Cândido (@candido_art), que dedica seu trabalho ao Afrofuturismo e é conhecido pela HQ Azul Estelar, a cultura pop ainda “está engatinhando” no que diz respeito à representação de pessoas negras nas telonas. Ele cita Pantera Negra, grande sucesso do MCU, explicando que há muito a ser feito para que essa diversidade não caia apenas no “modismo” ou uma forma de arrecadar lucro:
“É importante [ter representatividade], mas ainda estamos engatinhando. O que nós consumimos somos o que nós produzimos. A indústria traz um pouquinho, mas ainda não é nosso. É um produto que depois passa, como Pantera Negra. Teve a moda, aí acabou e ninguém ouve mais.”
É por isso que Cândido acredita que histórias – e no seu caso o foco é a ficção científica, gênero queridíssimo da cultura pop – podem ser usadas para mudar a relação com o público. “Eu penso numa ficção onde eu vejo o preto no futuro, que é a base do Afrofuturismo”, ele afirma, explicando como usa sua arte para tentar mudar a ausência de representatividade na ficção.
Mas falar na teoria é fácil. A prática, por sua vez, é sempre desafiadora. Para Maju Bengel (@majubengel), designer e ilutradore de quadrinhos, os artistas e o público caminham juntos em busca de uma maior diversidade, mas sempre há obstáculos para profissionais que querem mostrar seu trabalho em grandes eventos como a CCXP:
Ainda assim, é um espaço que permite que pessoas de grupos marginalizados façam um contato mais próximo com seus fiéis apoiadores, além de ser uma oportunidade de conhecer novos públicos. É isso que Mário César explica:“Acho que a representatividade vem do que o público está indo atrás — mais pessoas vem à CCXP, mais mulheres, mais pessoas periféricas — por causa de vários motivos, como ter mais acesso, e os artistas também estão conseguindo, aos poucos, entrar nesses espaços, porque não é algo tão fácil.”
“Nas redes sociais, a gente tem um alcance de um público que já é nosso. Mas aqui [CCXP] estamos expondo para uma quantidade absurda de pessoas. Então, acabamos conquistando novos leitores aqui. Às vezes o que não chega para alguém, aqui há a oportunidade de ver ao vivo e de interagir com a gente.”
No final das contas, como disse Savana, é preciso ouvir essas vozes, seja com uma recepção vinda do público ou daqueles que estão por trás das engrenagens. “Me sinto muito acolhido, ao mesmo tempo representado e, de certa forma, ouvido”, reflete. Somente assim haverá a oportunidade de enxergar uma representatividade que, ao invés de estar ali com motivações mercadológicas, realmente dê um espaço para a diversidade, garantindo com que mais pessoas sejam incluídas em espaços como esses.
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