CCXP: Há espaço para artistas nordestinos e nortistas no evento? Ilustradores das regiões falam sobre importância da visibilidade 

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CCXP: Há espaço para artistas nordestinos e nortistas no evento? Ilustradores das regiões falam sobre importância da visibilidade 

Por Jaqueline Sousa

Pare e pense: quantos ilustradores e cartunistas nordestinos ou nortistas você conhece? Com o mercado editorial concentrado na região Sudeste, muitos artistas de outras regiões enfrentam alguns desafios para se destacarem na área, principalmente aqueles vindos das regiões do norte do Brasil. Isso faz com que muitos talentos sofram com a falta de visibilidade.

Felizmente, é um cenário que parece estar mudando cada vez mais. A CCXP, por exemplo, evento de cultura pop que acontece em São Paulo anualmente, busca dar destaque a uma grande variedade de ilustradores no Artists’ Valley, espaço do evento que reúne artistas de vários locais do país para que eles compartilhem suas criações com o público. E é exatamente nesse local que pessoas do Norte e do Nordeste do país conseguem furar a bolha do setor, sempre com muito orgulho de suas origens e cultura.

É preciso ocupar espaços

“Cada dia a gente sai de casa para matar um leão”, brinca Roberta Cirne, quadrinista recifense que comanda um projeto chamado Sombras do Recife. Em sua quinta participação na CCXP, a artista estava mais uma vez presente no Artists’ Valley para apresentar ao público o seu trabalho, que explora a cultura nordestina no gênero do terror.

Como mulher e nascida no Recife, Cirne acredita que há espaço para que mais artistas de outras regiões do país além do Sudeste mostrem o que têm a oferecer no mercado. Porém não é uma tarefa fácil, já que é preciso ter coragem para se orgulhar do próprio talento:

“Tem preconceito, e gente que vira a cara e não gosta. Mas eu nasci para fazer isso. Eu gosto do que eu faço. Não vou deixar de fazer o que eu gosto por causa de ninguém. Acho que cada um tem que pegar sua bandeira e sair na frente, levar todas as balas que tem que levar, enfrentar todas as feras que tiver que enfrentar para mostrar seu trabalho.”

Roberta Cirne acredita que cada artista precisa ter a coragem de mostrar seu trabalho, mesmo com as dificuldades.

Cirne não é a única que nada contra a maré. A ilustradora Thai Rodrigues (@osdesenhosdathai) veio do Amapá para participar da CCXP23. Para ela, estar na Artists’ Valley é a oportunidade de mostrar que seu estado também produz arte de qualidade. “Para mim, [estar no evento] é mostrar que o meu estado — sou a única amapaense daqui —  existe e que a gente trabalha tanto quanto as demais regiões”, afirma.

Não é à toa que artistas das regiões Norte e Nordeste batalham diariamente para fazer com que seus trabalhos ganhem visibilidade no país. Só para se ter uma ideia do cenário do mercado editorial, onde grande parte dos ilustradores e quadrinistas exercem carreira, mais de 40% dos leitores do Brasil estão na região Sudeste, segundo dados da quinta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, feita em 2019 e publicada em 2020. Enquanto isso, Norte e Nordeste juntos possuem 36%.

Thai Rodrigues veio do Amapá para mostrar seu trabalho como ilustradora na CCXP.

Consequentemente, é na região que abrange os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo que estão agrupadas boa parte das editoras, onde os artistas, principalmente os que vivem na terra da garoa, possuem uma maior chance de conquistar boas oportunidades no setor.

Os dados mostram, então, como a concentração de recursos no Sudeste também afeta a vida de artistas nordestinos e nortistas, já que eles precisam se esforçar ainda mais se quiserem superar a barreira territorial. É essa a visão de Raphael Russo (@blackeyeestudio), quadrinista nascido no Amazonas que acredita que, para aqueles que vem de fora da região Sudeste, o investimento sempre é maior:

“Quem mora em São Paulo talvez não perceba a facilidade em termos de ter uma profissionalização mais fácil e mais rápida. Há mais acesso a escolas de arte e o contato com editores, pessoas do meio que podem aconselhar. Isso a gente não tem [artistas da região Norte e Nordeste]. Além disso, participar de um evento assim sai muito mais barato para quem é do Sudeste […] Quem está lá [na região Norte e Nordeste] é obrigado a vir para cá [Sudeste] para participar desses eventos e ter contato com as pessoas da área.”

Nascido no Amazonas, Raphael Russo usa suas origens para divulgar sua arte.

Apesar disso, Russo, que já publicou alguns quadrinhos, tanto como ilustrador quanto como escritor, enxerga a CCXP como um espaço para que artistas independentes tenham a oportunidade de ter um contato maior com o público e também com outros profissionais da área, fazendo o famoso networking. “É um evento de grande porte onde a gente consegue ter um contato maior com o público”, ele diz.

O apoio entre artistas em meio aos desafios

Com uma locação diferenciada, a Artists’ Valley de 2023 ocupou um local mais “reservado” da São Paulo Expo na edição deste ano, garantindo uma posição mais concentrada do ambiente para que o foco fosse exatamente aquilo que ela preza: seus artistas.

Para a ilustradora manauara Ray Cardoso (@ilustraray), estar no evento é uma maneira de ilustradores do Norte do país mostrarem que, apesar das dificuldades e falta de políticas públicas de incentivo, os artistas da região também podem ocupar espaços cuja maioria dos profissionais de renome estão no Sudeste. “É uma maneira de mostrar que, apesar das dificuldades em relação a essas regiões, a gente pode ocupar esses espaços”, afirma.

Grande parte dessa conquista não vem sozinha, pois os artistas costumam contar com o apoio de outros colegas de profissão para ajudar na divulgação de seus trabalhos. O projeto Norte em Quadrinhos, por exemplo, criado pela manauara Sâmela Hidalgo, é exemplo de coletivo que busca dar uma maior visibilidade a artistas da região Norte, algo que Thai Rodrigues vê como essencial para que mais ilustradores, principalmente de grupos marginalizados, consigam chegar a mais pessoas:

“É muito difícil conseguir [ocupar espaços], tanto por causa dos custos, quanto por causa da visibilidade. Mas desde o ano passado eu me juntei com amigos para formarmos um coletivo e juntarmos forças para lançar nossos quadrinhos. Nós conseguimos chegar em muitos lugares porque temos o apoio um do outro dentro da região Norte. Para mim, isso é muito difícil porque já é um desafio ser uma mulher dentro dos quadrinhos, vindo do Norte, então, é ainda mais difícil ter alcance e visibilidade.”

Para Ray Cardoso, estar na CCXP é uma maneira de mostrar que artistas das regiões Norte e Nordeste também podem ocupar esses espaços.

Ray Cardoso também comenta sobre a união com outros artistas nortistas, explicando que esse apoio é importante para dar forças. “Sair de Manaus é caro, então vir para cá é um esforço muito grande. Mas ser referência para outras pessoas e ter outros amigos na área que tentam dar esse apoio [ajuda]”, ela diz.

Ainda há um longo caminho a ser percorrido quando falamos sobre ilustradores, cartunistas e quadrinistas cujas origens e vivências vêm das regiões Norte e Nordeste do Brasil. No entanto, eventos como a CCXP e seu já consagrado espaço da Artists’ Valley são boas oportunidades para que artistas fora do eixo do Sudeste consigam apresentar seus trabalhos, como esses que toparam conversar com a Legião dos Heróis sobre a recepção e a diversidade de nomes de todos os cantos do país.

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