Barbie: Colecionador com mais de 350 bonecas fala da importância da marca em sua vida
Barbie: Colecionador com mais de 350 bonecas fala da importância da marca em sua vida
Colecionador contou em entrevista à Legião dos Heróis sobre impacto da boneca
Loira, sapato alto e maiô listrado. Para alguns, a silhueta marcante de Barbie representa apenas uma das marcas mais famosas do mundo. Mas, com o lançamento do novo filme de Greta Gerwig, as expectativas e pensamentos sobre a Barbilândia têm mudado. Já para Fabrício Longo, antropólogo e colecionador da boneca, nunca foi apenas um brinquedo, mas sim, uma questão de identidade. “A Barbie foi a primeira pessoa que disse que eu era diferente, mas a única que disse isso sorrindo”, confessa.
Nascida em 9 de março de 1959, Barbara Millicent Roberts surgiu da mente de Ruth Handler como uma forma de representar mulheres e dar oportunidade para que garotas pudessem sonhar com seus futuros. Mas, a verdade é que o pedaço de plástico de proporções “perfeitas” moveu muito além do que o público feminino.
Em meados dos anos 90, por exemplo, o então jovem Fabrício Longo veria na boneca um desejo de consumo que lhe era negado. Isso porque a Barbie, sua Casa dos Sonhos e toda a Barbielândia sempre foram vistos pelos consumidores como “brinquedo de menina”. Algo que, para uma criança de 10 anos, é difícil de compreender.
“Sempre tive uma relação muito próxima com os meus brinquedos. Então, quando aquele brinquedo que eu quis, me foi negado, eu tive que entender o porquê disso. E esse processo, de entender que eu não podia ter porque representava alguma coisa ‘perigosa’ ou ‘danosa’, foi a revelação de que eu era diferente”.
Foi apenas depois de muito lutar que a coleção de Fabrício teve início com uma Barbie da Princesa Jasmine, personagem do filme Aladdin, da Disney. De acordo com o antropólogo, para sua mãe, “uma ‘boneca de filme’ de alguma forma parecia menos uma ‘boneca Barbie’” e mais um brinquedo.
Fabrício, então, construiria um universo ao redor da Jasmine de plástico. Entre móveis, casa e carro, o garoto chegou ao ponto onde tinha diversos acessórios para uma Barbie, mas apenas uma Barbie. A coleção apenas cresceu, tornando-se parte essencial da sua identidade, não apenas como LGBTQIA+, mas como indivíduo.
Quem é a Barbie?
E identidade e individualidade sempre foi um ponto forte da marca Barbie. Ao se tornar um receptáculo de sonhos e expectativas, a boneca foi construída sobre uma crença de que ela “ajudou meninas” nesses últimos 64 anos de existência. Porém, os últimos anos da boneca na mídia fizeram o público questionar essa importância. Especialmente quando falamos do filme dirigido por Greta Gerwig e produzido por Margot Robbie.
“Acredito que o próprio padrão de brincadeiras da Barbie é de um objeto em que se pode projetar todos os seus desejos. Isso fez com que, a partir do sucesso dela, muitas coisas fossem projetadas sobre ela. E esse filme tenta lidar com algumas perguntas. Quais questões ela tem que responder? Do que ela é acusada? O que ela fez de bom e de ruim?”
Para Fabrício, o filme não apenas legitima problemas e denúncias apontadas pelo público, como também permite que outras formas de se relacionar com a boneca surjam. Isto é, outras formas de identificação.
“As denúncias são importantes, mas essa não é a única forma de se relacionar com a Barbie, mesmo entre mulheres, pessoas negras, PCDs, etc.”
O que Greta e Margot trazem no filme é uma conversa franca sobre se a boneca, de fato, é uma figura feminista ou uma mercantilização da sexualização feminina. Algo que, para o colecionador, não é uma questão tão simples de se chegar a uma conclusão. Mesmo com toda sua fama e importância, Barbie continua sendo “apenas uma boneca”.
“O que ela consegue alcançar como símbolo político é limitado, pelo simples fato de ainda ser um produto, vendido por uma empresa. Apenas uma boneca. Muitas vezes, acreditam que ela tem muito mais alcance do que realmente tem. Dá para ela fazer parte de um discurso feminista, mas isso sempre vai ter um limite.”
Profissão: Colecionador de Barbie
E, para um colecionador, entender essas discrepâncias e mudanças é essencial para compreender a sua própria coleção. Com 364 bonecas em seu acervo, Fabrício se tornou um expert no assunto, tendo parte de sua coleção exposta no Estação NET Botafogo, no Rio de Janeiro.
Focando em reunir “coisas que marcaram a história da Barbie”, o antropólogo tem alguns dos artefatos mais cobiçados da boneca, desde a primeira Barbie de 1959, The Original Teenage Fashion Model Barbie Doll, até a gigantesca Barbie Magical Mansion, lançada em 1990. Essa última foi uma verdadeira jornada para ser adquirida, se tornando um dos itens mais valiosos da sua coleção.
“Quando eu comprei, veio lacrada na caixa, porém, era enorme. Eu mandei pra casa de uma amiga, onde ficou por um ano lá. Principalmente porque eu não tinha o dinheiro para enviar para cá, já que seria por transportadora e não por correio. Isso sem contar com os gastos da importação.”
Fabrício conta que nada dessa aventura capitalista seria possível sem o advento da internet e, principalmente, contatos. Antes disso, sua coleção dependia não apenas do acervo de lojas nacionais, mas também de lojas especializadas que tinham serviços de importação.
“O colecionismo, até por questões de classe, é muito sobre essas estratégias. Quais redes de relação você vai construir nesse meio para que de repente, alguém que está viajando, compre algo para você? Se você pode deixar na casa de alguém, essas coisas.”
Mas, tudo isso se refere apenas a essas grandes compras. O colecionador conta como nenhum desses objetos são impossíveis de se adquirir, porém, para isso, se demanda tempo, cuidado e muito investimento. Com sites como o eBay, conseguir a primeira Barbie se tornou uma questão de paciência.
Já adquirir versões mais recentes da boneca como a linha inspirada no filme, é outra história. Desde a década de 90, a Mattel Brasil tem produzido e vendido o brinquedo em terras tupiniquins, fazendo da “profissão” de colecionador algo menos custoso.
Mas e o Ken?
E entre tantas Barbies nos cinemas, lojas e coleções, surge a infame pergunta: E o Ken? Lançado no dia 11 de março de 1961, Ken foi introduzido como o “namorado da Barbie”. Ancorando os “deveres” como mulher da boneca, ele surge quase como um acessório, desprovido de personalidades, desejos e funções.
Com o filme de Greta Gerwig e o impulsionamento para que Ken descubra “quem” ele é, a Mattel abre portas para a possibilidade de um novo mercado e, junto, um novo futuro para a Barbie.
“Será que a Barbielândia precisa de mais coisas do Ken? Eu acho interessante que tenha mais coisas do Ken, até para dar maior espaço para que os meninos possam brincar com ele.”
Mesmo se tratando de um boneco do sexo masculino, Ken nunca foi visto como um brinquedo “para garotos”. E essa diferenciação começa em como ele é descrito em sua primeira caixa: “He is a doll” (“Ele é uma boneca” em tradução direta).
Criando um abismo ainda maior entre meninos e o Ken, bonecos da linha G.I. Joe da Hasbro seriam tratados como “action figure”. Mas, com Ryan Gosling, Simu Liu, Ncuti Gatwa e diversos outros atores estampando o rosto dos Kens e questionando suas funções, surge a necessidade de debatermos o que é um brinquedo “de garoto”.
“Com esse possível crescimento, possa ter uma conversa mais profunda sobre quais são os brinquedos ‘de menino’, quais são suas representações. Questionar quais são as possibilidades dadas aos meninos quando damos a eles essas figuras heroicas e tão ‘pesadas’. O peso de salvar o mundo está nas costas de bonecos como o Max Steel. Enquanto o Ken, é só o Ken.”
Assim como a personagem de America Ferrera clama por uma boneca que seja “apenas uma mãe” ou “apenas alguém que quer ficar bem consigo mesma” no filme de Gerwig; Talvez esteja na hora de rever quais mensagens estão sendo levadas para o público infantil masculino.
Até, por que, se a Barbie questiona o que é ser mulher em uma sociedade patriarcal, talvez seja papel do Ken seja questionar o que é ser homem.
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